Crítica
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Sinopse
O bairro do Limoeiro é um lugar pacato, mas propenso às muitas aventuras de Mônica, Magali, Cebolinha e Cascão.
Crítica
Depois de dois bem-sucedidos longas para o cinema, a versão live action – ou seja, com pessoas reais, e não mais em desenhos ou animações – da Turma da Mônica chegou a um impasse: para onde seguir? O natural seria mais uma sequência. Afinal, tanto Laços (2019) quanto Lições (2021) são adaptações das histórias em quadrinhos criadas pelos irmãos Lu e Vitor Cafaggi – baseadas, é claro, nos personagens criados por Maurício de Sousa. E o que talvez nem todo mundo saiba é que ambas fazem parte de uma trilogia, composta ainda por Lembranças. Seria natural, portanto, a produção de um terceiro episódio para a tela grande. Porém, um outro problema se fez presente: os atores que tão bem interpretaram Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão não são mais crianças, mas também longe ainda de serem adolescentes – isto é, naquela fase difusa entre um e outro. E nunca é demais lembrar que, nos gibis, eles tem entre 6 e 10 anos de idade. Como se ater à máxima de que “em time que está ganhando não se mexe”, se uma mudança era mais do que necessária? Alterando não o conteúdo, mas o formato. Eis que surge, então, Turma da Mônica: A Série, a última incursão de Giulia Benite, Kevin Vechiatto, Laura Rauseo e Gabriel Moreira como as figuras que lhes deram fama, porém agora em uma estrutura alternativa, sem tanta pressão de um grande lançamento cinematográfico, mas ainda assim mantendo o carisma e as particularidades que lhes são tão estimadas. Uma aposta arriscada, mas cujo resultado excede as expectativas.
Tendo não mais do que dois ou três cenários para desenvolver a sua ação, o programa criado e dirigido por Daniel Rezende (também responsável pelos filmes anteriores) concentra-se numa investigação, com suspeitas incriminatórias, relatos contraditórios, revelações de última hora e um clima de suspense que soa um tanto distante do tom descontraído que a turminha geralmente emprega em suas aventuras animadas. Por outro lado, não se mostra distante da toada almejada por suas incursões no celuloide, nas quais os quatro amigos se viam tendo que lidar com o desaparecimento de grandes companheiros, o afastamento entre eles e escolhas que iriam influenciar a própria amizade que há tanto cultivam. Sob esse aspecto, A Série se mostra mais conectada com Lições do que com Laços, pois fala dos testes diários aos quais essas relações precisam enfrentar para se manterem não apenas vivas, mas também sólidas. Qual o limite do afeto que existe entre os quatro? É preciso assumir seus sentimentos, saber dizer não na hora certa, enfrentar seu maior medo e avaliar suas responsabilidades, sejam elas quais forem. Se conhecer é o primeiro passo para o entendimento com o próximo.
Três novos personagens respondem pela grande mudança de rumo que a trama adquire nesse modo seriado. A maior novidade atende pelo nome de Carminha Frufru (Luisa Gattai, de A Viagem de Pedro, 2021), figura já conhecida dos quadrinhos e que surge no Bairro do Limoeiro como a garota mais linda do mundo, a dondoca em tons de azul que mora num casarão e está disposta a tudo para conquistar a admiração das crianças da redondeza, nem que para isso tenha que entrar em rota direta de colisão com... a Mônica! Quando as duas marcam festas distintas no mesmo dia e horário, é a baixinha, gorducha e dentuça que acaba cedendo. Só que no momento em que se colocam em um palco em frente a todos os amigos, um balde de lama cai exatamente em cima de Carminha, deixando-a imunda e levantando imediatas suspeitas a respeito de quem teria lhe preparado tal armadilha. Os olhos, obviamente, se voltam de imediato à protagonista. Mas se essa estava ao lado da vítima no instante do incidente, como poderia ter provocado a agressão? Dessa forma, se confirma a necessidade de uma busca detalhada atrás de um culpado. Eis que a maior fofoqueira da rua, Denise (Becca Guerra), encontra terreno para uma série de “questionamentos”.
O que se verá a partir desse cenário, ao menos nos cinco primeiros episódios da série (de um total de oito), é uma réplica infantil – e bem mais comedida – do clássico Rashomon (1950) e de suas variantes (como o recente As Verdades, 2021, por exemplo). Mônica, Magali, Cebolinha, Cascão e Milena (Emilly Nayara, já integrada ao grupo principal), cada um a seu modo, irá relatar seus passos nesse dia em especial e nos anteriores, revelando diferentes envolvimentos em algo que, por instantes, pode ser apontado como uma ação em conjunto, mas em outros, como algo alheio às suas vontades. Mônica deixa claro o quanto se sentiu ameaçada em seu posto de “dona da lua” (como diz o melhor amigo) com a chegada da nova vizinha. Magali fala do seu envolvimento com Quinzinho (Pedro Henriques Motta, da saga Detetives do Prédio Azul), o filho do padeiro. Cebolinha assume que gostaria de fazer parte da turma do bermudão (assim como Titi e Jeremias, os garotos mais velhos) e o quanto a atenção de Carminha tem mexido com seu coração. Cascão afirma o quanto tem se sentido incomodado pelos amigos não o aceitarem do jeito que ele é (afinal, sem tomar banho é difícil aguentar seu cheirinho, ainda mais em pleno verão). Por fim, Milena conta a vergonha que sente por ser filha da veterinária frente à ostentação e suposto requinte que a recém-chegada tem exibido.
Como se poderá perceber, cada um tem seus motivos para atacar Carminha. Mas seriam esses, de fato, fortes o suficiente para uma atitude tão drástica como humilhá-la em frente a todos na festinha? Ou haveriam outros fatores afetando esse resultado? O que logo ficará nítido é o quanto dois adultos em particular estão envolvidos com esse imbróglio, ainda que de um modo um tanto inverso – e tardio. Primeiro, tem-se a chegada da mãe de Carminha, a temida Madame Frufru, tipo de Mariana Ximenes deve ter recebido com prazer. Ela compõe a típica dondoca neurótica, mas é hábil o suficiente para permitir que por ela transpareça um viés mais dócil, como se a visão que entrega ao mundo fosse uma armadura em sua defesa. Por fim, há também o tio do Cascão, Feitoso Feioso (Fernando Caruso, em uma escolha perfeita), que irá se revelar em um arqui-inimigo muito conhecido dos gibis. O arco que se estabelece entre eles, reforçando ecos de ontem no presente, irá reforçar que certos comportamentos são eternos, e exigem mais do que um simples querer para serem alterados: é preciso, também, consciência e coletividade, pois somente juntos a mudança poderá ganhar espaço.
Levantando bandeiras que se comunicam de forma eficiente com a faixa etária a qual se destina, Turma da Mônica: A Série é ainda um deleite aos espectadores veteranos, que acompanham as histórias dessas figuras tão amadas há décadas. Do pegar de mãos entre Mônica e Cebolinha à compreensão a respeito da ânsia alimentar da Magali, passando por uma noção sobre os hábitos – e temores – higiênicos do Cascão, até o esforço empreendido por todos para se colocar no lugar daqueles que se mostram aparentemente tão fortes, mas que também possuem suas fragilidades, o conjunto se desenvolve através de um interessante e emocional exercício de empatia. Essa se verifica pela construção narrativa, que privilegia tanto a ação em si quanto as surpresas que apenas os mais atentos irão reconhecer. Mesmo sem ser tão ambicioso quanto em suas experiências no cinema, Rezende segue no controle de um universo rico e digno de reconhecimento. E ao manter tão em alta o resultado apresentado, debatendo desde os pormenores característicos aos personagens como elementos como bullying e insegurança social, cria também um problema para si: como dar continuidade, ainda mais diante de uma inevitável substituição do elenco principal? Um dilema que só os melhores precisam lidar, e frente ao qual a equipe criativa demonstra estar mais do que preparada.
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