Crítica
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Sinopse
Crítica
Um dos episódios mais comentados da série Black Mirror (2011-) é San Junipiero, o quarto da terceira temporada. Nele, um tempo em que é possível habitar realidades simuladas após a morte. Esse é basicamente o mote de Upload (2020-). A série se passa num futuro dominado pela tecnologia, no qual um dos sinais de sucesso é a possibilidade de comprar planos para transferir backups digitais de personalidades e memórias dos usuários prestes a morrer para espaços cujos níveis variáveis de luxo e conforto dependem das posses do contratante. Mas, ao contrário da jornada lacrimosa pelas desventuras de um amor que pode ser perpetuado on-line, um dos motivos da excelência de San Junipiero, aqui a pegada é bem mais leve. O protagonista é Nathan (Robbie Amell), jovem programador prestes a fechar um negócio capaz de modificar a vida de muita gente. Contrariando as probabilidades, ele sofre um acidente a bordo de seu carro automático e se vê entre uma alternativa cirúrgica sem garantias de êxito e a pronta transferência ao paraíso digital caríssimo.
Há aqui a predileção por um humor frequentemente atabalhoado, como quando, às pressas, a benfeitora do moribundo obviamente força o seu consentimento para o procedimento vedado aos que não têm dinheiro. A cena dele sendo literalmente degolado pela máquina diante dos olhares estupefatos de entes queridos – por que cargas d´água tem uma janelinha de vidro para acompanhantes testemunharem o ato macabro? – reforça a inclinação por uma comicidade de gosto duvidoso. Upload levanta questões com as quais seria possível desenvolver enredos, senão absolutamente densos, mas distantes da banalização que gradativamente toma conta desse programa. Sim, pois o simples fato de existir uma disputa de narrativas entre os religiosos, então vistos como exceção fanática, e os cultores da ciência dá um belo pano para manga. Uma pena, no entanto, que os criadores prefiram reduzir excepcionalidades ao corriqueiro, utilizando como mecanismo quase padrão a equivalência frontal entre os mundos real e virtual. Logo esse jogo se esvai pela repetição sem variações.
Apesar das fragilidades e do desperdício de boas potencialidades, Upload possui personagens carismáticos e dinâmicas que prendem nossa atenção. Nathan rapidamente se afeiçoa a Nora (Andy Allo), assalariada designada para funcionar como anjo da guarda do usuário dentro do programa que apresenta uma série de falhas. São bem-vindos os instantes em que, por exemplo, uma revoada de pássaros é brevemente interrompida por bugs no sistema ou aqueles nos quais há a exploração do caráter ilimitado que essa esfera digital permite, principalmente aos abastados. Enquanto o envolvimento amoroso entre upload e humana toma conta da série, sendo sua dinâmica mais importante, as particularidades vão empalidecendo, sendo dispostas apenas como meras peculiaridades. São boas as versões ambulantes/humanoides de anúncios insistentes, sobretudo pela corporificação de algo factualmente inconveniente. Nem a dependência literal que o protagonista tem da namorada, Ingrid (Allegra Edwards), é esquematizada para além da superfície.
Na verdade, o namoro com contornos de perversa submissão financeira serve como outro entrave ao romance idealizado. Afinal de contas, como Nathan se deixará levar pelas coisas do coração, cruzando fronteiras e convenções, para expressar seu incomum amor por Nora, uma vez que com isso coloca em risco a própria existência? Ademais, para cada boa sacada de Upload, como a área cinzenta em que é possível comprar de memórias de celebridades a upgrades de puberdade, há uma esquiva das questões mais espinhosas em função do enlace apaixonante. De um determinado ponto em diante, mais precisamente assim que as regras basilares do pós-morte digital são esclarecidas, a questão tecnológica vira enfeite. É como se os idealizadores precisassem, em meio à primazia da comédia romântica, sinalizar certas engrenagens desse universo, vide os avatares antigos descoloridos, as atualizações de avatares e cenários e mesmo os vínculos com os coadjuvantes.
No quesito “construção de universo”, Upload sai-se relativamente bem. A despeito das simplificações, tais como os questionamentos éticos e existenciais inerentes às situações apresentadas nessa utopia capitalista, rapidamente somos familiarizados com os códigos que regem vivos e mortos. Uma lástima que o criador Greg Daniels e sua equipe prefiram fazer desse arcabouço uma simplória embalagem à história de amor ameaçada por um sem número de interdições, como tantas que já vimos no teatro, na televisão e nos cinemas. O elemento mais desconexo dessa equação oscilante é a investigação de uma possível motivação comercial para a morte de Nathan, algo que envolve pistas falsas debilmente dispostas e um plot twist que se encarrega de conferir tintas aos mistérios da trama. Ao invés de adensar essa visão desalentada de mundos condicionados igualmente pelo dinheiro, mais semelhantes do que os departamentos de publicidade gostariam de admitir, a série prefere observar com real interesse o vínculo entre o protagonista e Nora, lançando questões subjacentes a respeito da viabilidade desse elo. É bonitinho, divertido, mas é pouco. Especialmente diante dos potenciais.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 5 |
Lucas Salgado | 6 |
MÉDIA | 5.5 |