Crítica
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Crítica
O que mais pode querer Selina Meyer? Apresentada aos fãs e admiradores do talento de Julia Louis-Dreyfus em 2012 como a vice-presidente dos Estados Unidos (no último episódio do programa ela define sem meias palavras qual a real sensação de ocupar esse posto), durante as sete temporadas de Veep ela deixou claro que não desejava ser amada, muito menos temida: o que queria era respeito. Mesmo que totalmente desprovida de competência para conquistar tal posição pelos seus próprios méritos. Senadora que construiu carreira no embalo do sobrenome familiar, conseguiu às duras ser empossada como presidente – mais por incompetência do eleito, vítima de um impeachment, do que por merecimento – apenas para perder o cargo nem dois anos depois, quando não consegue se reeleger. A partir daí, poderia se acomodar nos louros de ter sido a primeira mulher a ocupar a presidência do país (um feito que, a despeito de qualquer coisa, não lhe pode ser negado), mas não: o sangue, o orgulho e a ambição acabam por falar mais alto. E é justamente isso que o público foi convidado a acompanhar durante os sete capítulos derradeiros do programa: ao enfrentar a verdade das urnas, qual será o preço para conseguir o que mais deseja?
Pois não tenha dúvida: o valor é alto, talvez até mesmo para a protagonista. Mas ela não é boba – por maior que seja a quantidade de trapalhadas que se meta nesse último ano – e sabe bem disso. Ir em frente, portanto, é mais do que uma decisão: é algo que simplesmente não consegue evitar. Entre a disputa pelo apoio de empresários LGBT (ainda que no armário) e religiosos negros (ainda que apartidários), Selina segue tendo que lidar com seus maiores inimigos: ela mesma e sua equipe. E não somente estes, mas todos os que estão ao seu redor – e também aqueles que, vez que outra, acaba baixando a guarda e permitindo que se aproximem. Da filha em depressão pós-parto ao ex-marido envolvido em desvio de verbas na fundação que leva o nome dela, do assessor com quem acaba indo para a cama – apenas para demiti-lo no dia seguinte – à fiel auxiliar que perde para o seu mais desqualificado oponente, não serão poucos os desafios a serem superados para seguir em frente de acordo com o planejado.
E veja bem: essa sétima temporada está concentrada apenas em mostrar Selina em busca da nominação pelo partido, e não na vitória junto ao povo norte-americano. Ou seja, ela precisa convencer, nesse momento, apenas uma parte do público, aqueles já inclinados ao pensamento democrata – o que, antes de qualquer coisa, deixa claro o posicionamento do criador Armando Iannucci (indicado ao Oscar pelo roteiro de Conversa Truncada, 2009, e vencedor do Emmy por Veep T01, 2012) e de toda a sua equipe, inclusive do elenco. Aliás, essa é uma verdade cristalina: por mais que opte pela comicidade, este é um show assumidamente politizado, que está batendo em teclas diretamente sintonizadas com a realidade e que não faz esforço nenhum em colocar panos quentes sobre a mais feia realidade do universo aqui retratado.
Para se livrar dessa primeira pedra em seu sapato, Selina se vê obrigada a superar concorrentes bastante sintomáticos: Kemi Talbot (Toks Olagundoye, de Carmen Sandiego, 2019), a representante das minorias; Buddy Calhoun (Matt Oberg, de Unbreakable Kimmy Schmidt, 2017-2018), o voto religioso; Tom James (Hugh Laurie), a velha política; e Jonah Ryan (Timothy Simons, visto em Goosebumps: Monstros e Arrepios, 2015), a mais perfeita tradução do estado caótico vivido atualmente em um mundo dividido por Donald Trumps, Jair Bolsonaros e seus similares. Este, aliás, é um dos tipos mais interessantes de toda a série: desprezado pela maioria, completamente irrelevante em sua atuação e dono de uma visão obtusa, para não dizer irresponsável, chega ao ponto de se apresentar como uma ameaça concreta, ameaçando inclusive os planos de Selina. Colocar o mais inapto de todos na cadeira mais poderosa do mundo não seria de todo absurdo – basta observar os jornais de hoje para vermos o quão próximo da realidade seria essa possibilidade – mas Iannucci e seu time de roteiristas reservam algo ainda pior para ele, e também para a nossa amada (e igualmente odiada) protagonista.
É possível encarar Selina Meyer como uma presença sedutora, ainda que desprezível. Assim como Cersei Lannister (Game of Thrones, 2011-2019) ou Frank Underwood (House of Cards, 2013-2018), trata-se de um verdadeiro monstro, capaz das mais inimagináveis atrocidades para alcançar o que almeja. E ninguém pode se dizer a salvo das suas garras, seja família ou não. No entanto, é pelo talento incomensurável de Louis-Dreyfus (vencedora de nada menos do que 9 Emmys por este programa, tendo sido reconhecida por todas as temporadas anteriores) que ao invés de simplesmente odiá-la como uma vilã da Disney, se torna mais fácil admirá-la por constantemente desafiar o inacreditável, como também se surpreender pela forma como, mesmo assim, consegue superar qualquer expectativa. Usando embaixadores e primeiras-ministras de nações amigas como bem entende, promovendo a paz por acidente e entregando refugiados pela oferta que mais lhe agrade, é curioso também perceber que sua alma acaba se perdendo justamente ao usar como moeda de troca aquele que lhe foi mais fiel durante todos esses anos. A hesitação que sente é a de todos os que a acompanham. E mais do que se sentar sozinha no topo, entrando para a história como uma nota de rodapé, é no sacrifício daquele que sempre lhe foi mais próximo que revela sua verdadeira natureza. Aliás, ambos.
No primeiro episódio dessa sétima temporada, Selina é questionada pelo responsável de escrever seus discursos por quê ela deseja ser presidente dos Estados Unidos. Uma questão óbvia, mas a qual simplesmente não consegue responder. Até que explode e, num ataque de fúria, admite: “porque sim! Porque é a minha vez! Porque eu mereço!”. Com isso em mente, irá de Iowa, onde tenta corrigir erros da campanha anterior – sem muito sucesso, aliás – para a Carolina do Sul, passando por debates públicos e possíveis alianças, chegando perto do fim em Oslo, onde vai para receber um pseudo-Nobel da Praz, mas por pouco não acaba presa pela Interpol. Ao mesmo tempo, vamos acompanhando o ingênuo Richard Splett (Sam Richardson, de A Última Ressaca do Ano, 2016) – talvez a maior revelação de um elenco primoroso, que ainda conta com os geniais Tony Hale (vencedor de dois Emmys por sua atuação como o ‘homem da bolsa’ Gary Walsh) e Matt Walsh (também indicado ao Emmy pelo programa, como o jornalista Mike McLintock) – se confirmando como a única esperança do país. Assim, em uma conclusão que lembra um dos melhores finais de todos os tempos da televisão norte-americana (o episódio derradeiro de A Sete Palmos, 2005), Veep dá seu adeus com um gosto agridoce, dizendo todas as verdades que precisam ser ditas, com muito humor, mas sem nunca tirar os dois pés da absurda e incontestável realidade.
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