Crítica


4

Leitores


2 votos 4

Sinopse

Criaturas macabras, obsessões sinistras e visões perturbadoras são os protagonistas desta coletânea de terror. Não se esqueça: você foi avisado.

Crítica

Você Não Vai Dormir (Don’t Watch This, ou Não Veja Isso, no original) é uma proposta da Netflix de divulgar minicontos de terror em formato de antologia. A primeira temporada, já disponível na plataforma de streaming, é formada por cinco histórias independentes – ao estilo Black Mirror (2011-) – e bastante enxutas: a maior tem 9 minutos, enquanto que a menor se passa em apenas 2 minutos! Ao todo, os cinco episódios possuem 25 minutos de duração. Ou seja, você pode optar por assistir a um capítulo semanal de The Good Place (2016-2018) ou a essa coletânea completa. E a não ser que o espectador em questão seja um aficionado do gênero, vale mais conferir as desventuras de Kristen Bell e Ted Danson entre o Céu e o Inferno do que tentar encontrar alguma diversão por aqui.

Dos cinco curtas, apenas dois deles são creditados, e com o mesmo realizador: John William Ross. Diretor de uma série de projetos semelhantes, como Things Are Really Insane (2012) – premiado no Hollywood Reel Independent Film Festival – 1 Minute Horror (2015) – com o qual compartilhava o mesmo conceito, porém em tramas ainda mais sucintas, pois não poderiam se estender por mais de um minuto – e o longa Sombras da Morte (2016), Ross vai agora do ambiente escolar para o sobrenatural, da mutação física ao pesadelo, da psicopatia interna ao exagero visual. Com poucos momentos de verdadeiro acerto, no geral o que entrega são apenas esboços de histórias que até poderiam render enredos interessantes, mas logo abandonadas assim que começam a despertar algum tipo de curiosidade.

Você Não Vai Dormir começa com Friendship Bracelet (Pulseira da Amizade), e tem como protagonista Julie (Acacia Marquez), uma garota que sofre bullying na escola. Obcecada por elementos mórbidos em sua solidão, a menina que usa uma máscara de proteção no rosto constantemente está de aniversário, e decide ignorar os maus-tratos que recebe dos colegas, convidando-os para uma festa na sua casa. Apenas Lisa (Katie Anne Moy) e Abby (Bri Leone) acabam comparecendo, mais por insistência da primeira, a única que parece se compadecer com o desprezo sofrido pela outra. No entanto, assim que chegam e não encontram mais ninguém por lá, não esperam nem ao menos por uma desculpa para irem embora. Mas Julie está cansada de ser abandonada por todos. E para se mostrar merecedora de um bracelete que identifique o sentimento que nutre pelas amigas, ela partirá com todas as suas ferramentas – literais ou figurativas – no encalço das demais.

Ainda que a ambientação seja pertinente, o resultado é fraco, pois previsível e desprovido de novidades, a não ser pela barbárie reservada para seus minutos finais. Mais ou menos o que acontece também em CTRL+ALT+DEL, o segundo segmento. Nele, um hacker acostumado a expor segredos e fotos íntimas de celebridades é convidado para um jogo mortal que o leva às profundezas da dark web. A cada resposta errada que dá no ambiente de realidade virtual, consequências físicas são sentidas no mundo real. O fisiculturista Brandon Myles White tem porte de He-Man, mas nesse embate quem se sai melhor é o Esqueleto (o protagonista chegou a fazer uma brincadeira nesse sentido em sua conta no instagram). Visualmente, o conto é um tanto elaborado, mas nada que o eleve além dos resultados genéricos apresentados em produções do gênero.

A produção continua com Incommodun, que é basicamente isso: um incômodo. Não mais do que uma vinheta de dois minutos com uma coleção de imagens pretensamente perturbadoras. A abertura da antiga série True Blood (2008-2014) era muito mais eficaz nesse sentido. Assim, sem perder tempo, encontramos Keep Out, o quarto episódio – e o único que, de fato, chega a provocar alguns sustos. Dois amigos (John Salandria e Jacob Nichols) que possuem um canal no youtube de exploração de casas abandonadas, adentram em uma residência antiga que teria sido do dono de uma indústria farmacêutica. Diz a lenda que ele teria matado dos próprios filhos ao usá-los como cobaias de seus experimentos. Mais do que isso, é melhor não falar. Vale dizer, no entanto, que mesmo tendo apenas sete minutos à sua disposição, John Ross faz bom uso deles, desde a apresentação dos personagens até o uso de maquiagens e prostéticos, bem mais convincentes do que os vistos em CTRL+ALT+DEL, por exemplo. A edição é bem construída, os atores são convincentes e a resolução, ainda que um tanto atropelada, faz sentido diante do contexto proposto.

Por fim, chegamos ao capítulo mais badalado do conjunto: Antoni Psycho, uma brincadeira do apresentador Antoni Porowski (o food guy de Queer Eye, 2018-2019) dentro do ambiente de Psicopata Americano (2000). O thriller estrelado por Christian Bale, no entanto, é mera desculpa para colocar Porowski desfilando de cueca em um cenário insípido e tão desprovido de personalidade que, supostamente, deveria provocar arrepios. Pois bem, nem tesão chega a emular, tão desprovido de personalidade que este encerramento se revela. E assim Você Não Vai Dormir chega ao fim, literalmente, sem tirar o sono de ninguém. Curioso, no máximo, mas também descartável e facilmente esquecível.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)