Crítica


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Sinopse

De pequena empresa que acontecia dentro de um espaço de coworking, a WeWork se tornou uma marca global de valor bilionário em menos de uma década. Mas, em menos de um ano, ela perdeu quase todo seu valor. Por quê?

Crítica

Entre gigantes como Netflix e Prime Video, a AppleTV+ chegou disposta a fazer diferença. Se nesse ano alcançou o feito inédito para uma plataforma de streaming ao conquistar o Oscar de Melhor Filme com No Ritmo do Coração (2021), nos últimos meses tem demonstrado um maior investimento em séries, ambiciosas tanto pelas temáticas, como também pelos nomes envolvidos. E se um desses lançamentos recentes foi a antologia feminista Rugido (ou Roar, no original), quem melhor fez uso da canção homônima de Katy Perry foi WeCrashed, criada por Drew Crevello (O Grito 2, 2006) e Lee Eisenberg (The Office, 2005-2011). Partindo do podcast homônimo, os dois traçam em apenas oito episódios a ascensão e a queda de uma das mais revolucionárias empresas surgidas no mercado econômico na última década. O acerto do programa está em se focar menos nos bastidores dos negócios, entre metas e detalhes técnicos que só tornariam o conjunto enfadonho e limitado a alguns poucos, e mais na dupla responsável por ter orquestrado essa jornada – justamente a que muito rugiu, mas pouco mordeu – o casal formado por Adam e Rebekah Neumann. Por essas duas figuras excêntricas, um olhar atento se faria necessário. Felizmente, há mais a ser desenvolvido.

Contando com diretores como Glenn Ficarra e John Requa (This is Us, 2016-2022) e Shari Springer Berman e Robert Pulcini (Succession, 2019-2021), WeCrashed parte de uma estrutura convencional para, aos poucos, revelar suas reais intenções. Logo no primeiro episódio, Adam e Rebekah são colocados contra à parede para que abram mão da empresa que construíram. A situação parece inusitada, mas o desenrolar da temporada se ocupará basicamente em explicar o inexplicável, justificar o indefensável, esclarecer o que soa impossível. Do nada partiram, até que tudo lhes foi oferecido apenas para que, em questão de instantes, esse mesmo todo fosse colocado a perder. Uma rápida pesquisa pela Wikipedia ou colunas empresariais poderá informar a qualquer interessado o que de fato aconteceu com os fundadores da WeWork, empresa que até hoje segue como uma das líderes do seu mercado. Nesse ponto, no entanto, talvez se faça proveito dar um passo atrás: afinal, qual era o campo de atuação almejado por aqueles responsáveis por sua criação?

Crevello e Eisenberg dão tiros certeiros ao escolherem Jared Leto e Anne Hathaway para viverem os protagonistas. Ambos vencedores do Oscar, são conhecidos em Hollywood, além do talento que obviamente possuem, por serem figuras quase antagônicas entre si. Enquanto ela despontou para a fama como a garota da casa ao lado que do dia para a noite poderia se tornar uma princesa, ele é um astro de rock camaleônico que mergulha em seus personagens com tanto empenho que, por vezes, se torna quase irreconhecível. Com isso em mente, causa espanto perceber que Adam Neumann é o primeiro tipo contemporâneo que interpreta, de cara limpa e (quase) sem nenhuma característica marcante, em mais de uma década. Como se trata de um ator de método, não consegue ficar completamente despojado dessas muletas. Assim, assume um sotaque (mais forte até do que o do biografado) que beira o exagero e longos cabelos negros, que felizmente não passam de meras peças de composição. Sua energia e o modo como defende um tipo tão particular é mais do que suficiente para atrair – e justificar – as atenções.

Caminho similar percorre Hathaway. Para ela, porém, essa transformação, que deveria ser sutil, justamente por não lhe ser comum acaba por se impor de modo chamativo. A voz empostada e o olhar quase alheio, denotando um constante esforço para esconder emoções e se mostrar além do próprio potencial, duas características definidoras da personagem, lhe servem de forma justa, mesmo que não evite estranhezas no decorrer de sua trajetória. Enquanto Adam era o empreendedor, muitas vezes acusado de maluco por suas motivações visionárias, Rebekah é a garota de família rica, prima de uma atriz oscarizada, que nunca conseguiu se firmar por si só, tendo sempre que estar à sombra dos demais. Do discurso equivocado na convenção da empresa à amiga que perde para o marido, chegando até seu último suspiro de independência – a escola WeGrow, que durou cerca de um ano – o que se percebe nela é uma figura trágica, desprovida do carisma e das demais armas que naturalmente estão à disposição do marido. A atriz entende esse conceito, e assim como luta para colocar sua criação em uma posição de destaque, também percebe que, por vezes, seu destino será sair de cena.

Outro fator de forte potencial especulativo, como apontado no início desse texto, vem da definição da própria WeWork enquanto atividade: afinal, o que oferecem aos seus clientes? Os Neumann passaram os anos à frente do negócio tentando criar em seus colaboradores, investidores e consumidores a ideia de que seu propósito seria “elevar a consciência global”. Mas o que isso significaria na prática? A despeito de serem não mais do que escritórios compartilhados, alugando espaços ociosos ao redor do mundo e renovando-os a ponto de torná-los interessantes para empresas de todos os portes, o foco dele sempre esteve mais na elaboração desses elementos capazes de despertar curiosidade e interesse, e menos em questões de logística ou geográficas. Assim como um unicórnio, termo pelo qual se tornam conhecidos no mercado, surgem como algo inovador e competitivo, que todos querem por perto. Essa ideia funcionou bem por alguns anos. Passada a euforia, o que os donos do dinheiro de fato querem é garantia de retorno e a segurança de saber onde estão pisando. Ou seja, aquilo que os levou ao topo foi também o que provocou tamanha derrocada.

Por mais de Crevello e Eisenberg gastem momentos valiosos admirados com as “loucuras” empresariais (as viagens para os quatro cantos do planeta, um capítulo inteiro dedicado a um evento recreativo que fugiu de qualquer parâmetro de comparação) e o estilo de vida excêntrico de seus protagonistas (os hábitos alimentares, os pés descalços), essas são passagens que, individualmente, podem se tornar cansativas por repetirem um mesmo modus operandi. No entanto, são também partes menores de um conjunto maior, e é nesse onde o que de fato merece ser discutido reside. Jared Leto e Anne Hathaway oferecem algumas das melhores performances de suas carreiras, não tanto pelo exótico que poderiam ter abraçado, mas pelo lado humano que conseguem imprimir em dois tipos raros, mas não únicos. Afinal, muitos são os que almejam as mesmas conquistas que eles desfrutaram, ainda mais do modo como conseguiram. Mais do que a subida, porém, foi uma queda espetacular que os tornou singulares. Assim como WeCrashed, que parte do corriqueiro até propor uma reflexão propícia a tempos tão descartáveis quanto os atuais.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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