Crítica


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Sinopse

Ao entrar colégio interno Hillerska, finalmente o Príncipe Wilhelm tem a chance de explorar sua verdadeira personalidade. Ele começa a sonhar com um futuro de liberdade longe dos protocolos sufocantes da realeza, enquanto se apaixona por um colega de turma.

Crítica

Uma primeira possibilidade de leitura diante de Young Royals (2021) seria destacá-la pela singularidade: trata-se de um raro projeto sobre a realeza contemporânea protagonizada por dois garotos gays. Neste caso, a homossexualidade adolescente vai além dos amigos dos heróis heterossexuais (caso de Sex Education, Bridgerton, Eu Nunca, The Wilds: Vidas Selvagens), surgindo em primeiro plano. A série aborda o amor dos estudantes sem medo de revelar o desejo, os beijos e o sexo. A orientação sexual, neste caso, é incorporada com relativa naturalidade: Simon (Omar Rudberg), jovem gay e assumido, não surpreende ninguém dentro da escola, acostumada a lidar com pessoas LGBTQIA+. O escândalo diz mais respeito à classe e à passagem do poder do que ao amor do príncipe herdeiro Wilhelm (Edving Ryding) pelo colega: como a Corte lidaria com um relacionamento entre dois homens? De que maneira eles poderiam ter um herdeiro, necessário à linhagem real? O dilema se volta à manutenção dos privilégios. Por estes fatos apenas, seria fácil considerar o projeto inovador, maduro em sua relação à pluralidade social. A crítica poderia parar por aqui.

No entanto, chega o momento em que o público LGBTQIA+, ou os espectadores progressistas em geral, exigem a representatividade enquanto meio, ao invés de finalidade. Não basta ter indivíduos gays à frente da trama – é preciso analisar de que maneira são interpretados pelos atores, tratados pelo roteiro, e como vivenciam sua sexualidade. Já tivemos inúmeros filmes sobre gays assassinados a título de exemplaridade ou ridicularizados em nome da manutenção do status quo. O respeito vai além de uma caixa de pré-requisitos a preencher: demanda-se que tais personagens possuam uma complexidade superior à função retórica de sua orientação – ou seja, que representem algo além do gay e da lésbica da história. Segundo as novas vozes de criadores LGBTQIA+, a verdadeira inclusão social ocorrerá quando os projetos audiovisuais trouxerem heróis gays em tramas onde sua sexualidade seja secundária, protagonistas lésbicas em narrativas futuristas e de ação, pessoas transexuais e travestis em roteiros onde a marginalidade, a exclusão e a identidade de gênero se restrinjam ao pano de fundo. O audiovisual trataria estas figuras com naturalidade e frequência, a ponto de se tornarem peças comuns da engrenagem narrativa.

Por isso, Young Royals precisa ultrapassar a esfera de uma história com garotos gays. Existe, em primeiro lugar, a opressiva relação de classes: dentro de uma das escolas privadas mais elitizadas da Suécia, abre-se a cota para os moradores pobres da região frequentarem as mesmas aulas que os filhos de bilionários. Os criadores Lisa Ambjörn, Lars Beckung e Camilla Holter utilizam este ponto de partida para aproximar a família pobre de Simon daquela riquíssima de Wilhelm. O primeiro representa todas as formas de exclusão num único personagem: ele é gay, morador da periferia, de origem venezuelana, de pele mais escura que os colegas, filho de mãe imigrante, de pai dependente de drogas e irmão de uma menina com Síndrome de Asperger. Já o segundo vive em palácios e festas, cercados por amigos interessados na proximidade com a realeza, e por meninas buscando conquistar o coração do herdeiro. Embora a estrutura tente diversificar esta premissa através dos coadjuvantes (a estudante mais rica da escola é uma garota negra; o primo de Wilhelm está secretamente falido), a série se baseia na clássica paixão proibida entre ricos e pobres; o príncipe e o plebeu; o branco e o latino.

O projeto corre o risco de transmitir uma enésima lamentação dos white people problems, ou seja, problemas de gente branca: Wilhelm se sente oprimido por uma vida indesejada onde cada passo é fotografado, cada frase é ditada por assessores de imprensa, e cada bebedeira se torna motivo de vergonha nacional. “Você e seus futuros filhos assumirão o trono. Então é importante que seja um exemplo. Não pode mais cometer erros”, decreta a mãe tirânica, preocupada somente com a imagem enviada à nação. Ela se mostra indiferente aos gestos do filho, contanto que atue corretamente diante das câmeras. Felizmente, o drama sobre o “pobre menino rico” se dilui devido a um ponto de vista menos piedoso do que crítico. Os autores explicitam a artificialidade da estrutura monárquica e os evidentes luxos decorrentes dela. Por isso, a jornada se encerra como se iniciou: com um pronunciamento protocolar à nação, visando desculpar as atitudes do menino gay, além da frase repetida pela matriarca: “Você é príncipe herdeiro. É um privilégio, não um castigo”. Wilhelm será devidamente punido por atitudes classistas, ainda que movidas por sentimentos nobres. Aqui, o amor e as boas intenções não desculpam os erros: apesar da ingenuidade dos adolescentes, o olhar da direção preserva a consciência de classe.

Este posicionamento louvável se enfraquece diante de algumas escolhas do roteiro. Wilhelm vive cercado por guarda-costas, porém durante uma visita essencial de Felice (Nikita Uggla) ao quarto, os acompanhantes estão ausentes. Apesar da intensa vigilância, ninguém percebe o garoto entrando e saindo pela janela o tempo inteiro. Sara (Frida Argento) se esquece de um objeto, apenas para se deslocar até a escola e flagrar um ato secreto acontecendo no local. Ações proibidas ocorrem diante de uma janela sem cortinas, no térreo, ao passo que a escapada dos garotos jamais é descoberta pelas dezenas de funcionários perambulando pela instituição. Esta elite do ensino sueco raramente estuda: o roteiro despreza a sala de aula para se concentrar nas amizades e amores. Há diversas facilidades, conveniências e incongruências no percurso: onde se encontram os outros jovens pobres da escola, além de Simon e da irmã Sara? Como escapam tão facilmente do local onde é preciso pedir permissão para sair? Por se concentrar no ponto de vista de Wilhelm, tudo o que pareça insignificante ao adolescente desaparece da série: a complexidade da vida nobre, os posicionamentos políticos e sociais, a comparação desta escola com outras ao redor. Para o rapaz apaixonado, existe apenas o dilema entre amar e ser amado, ser um príncipe ou um rapaz comum.

O elenco apresenta bons trabalhos de composição, sem destaques positivos ou negativos – o que se traduz na coerência da direção de atores. De rosto austero, Edvin Ryding constitui uma escolha curiosa para o protagonista, embora a expressão impassível contribua para atenuar a sentimentalidade. Ele se equilibra bem com Omar Rudberg, mais expansivo, e representando o lado oposto da moeda. Os adversários nem sempre escapam à vilania caricatural – caso do primo August (Malte Gardinger) e da mãe Kristina (Pernilla August) – porém para cada personagem de função acessória, existem as interpretações complexas da irmã com Asperger, num belo trabalho de Frida Argento, e de Inti Zamora Sobrado no papel do vizinho Ayub. Já o trabalho de fotografia, discreto e desprovido de fortes ambições estéticas (a série traz o luxo como tema, ao invés de proposta estética), se contenta em reforçar o teor melancólico na cena final. A este propósito, é interessante que a história se conclua de modo circular, fechando-se em si mesma. Há claras maneiras de continuar a saga de Simon e Wilhelm, mas caso a Netflix encerre o projeto na primeira temporada, terá trazido uma narrativa dotada de encerramento autônomo e satisfatório.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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