Os mais de 280 mil espectadores do Festival do Rio 2013 tiveram a oportunidade de conferir cerca de 350 títulos diferentes, entre produções nacionais e estrangeiras. E, além de poder assistir a títulos inéditos muito antes dos mesmos ganharem as telas do circuito comercial em exibições regulares, um evento como esse é importante também por possibilitar o contato do público com muitos dos realizadores, convidados a acompanhar as exibições de suas obras e também para conversar com os espectadores, numa troca de impressões sempre muito positiva. E um dos artistas internacionais a marcar presença neste ano foi o enfant terrible do cinema canadense Bruce La Bruce, que veio apresentar seu mais recente trabalho, Gerontophilia (2013).
Gay assumido, La Bruce é conhecido também por sempre combinar em seus trabalhos doses exageradas de sexo e de violência, muitas vezes em proporções bastante explícitas. Gerontophilia, no entanto, vai por um outro caminho. A trama, que aborda a paixão que surge entre um rapaz de 18 anos e um senhor com mais de 80, se desenvolve com tranquilidade e delicadeza, dando mais espaço aos sentimentos dos personagens, ao invés de apenas provocar choques gratuitos. E foi sobre essa sua versão “comportada” que o cineasta conversou com o público numa sessão à meia-noite na capital carioca. O Papo de Cinema esteve presente, e conta aqui como foi esse encontro.
Como surgiu o projeto de Gerontophilia?
Esse é o meu filme mais mainstream, ou seja, o mais dentro dos padrões da indústria de cinema de Hollywood – ainda que não tenha sido feito lá. Continua sendo um projeto Bruce La Bruce, completamente independente, se é que me entende. Mas foi feito com mais dinheiro, haviam investidores envolvidos, tive melhores condições de trabalho, com um prazo mais confortável para as filmagens. Era algo que sempre quis experimentar e que não havia tido a oportunidade antes. Foi por isso, acima de tudo, que quis fazê-lo. Mas não me “vendi”, como alguns podem pensar. Quem o assistir e conhecer minha obra anterior irá me reconhecer nele, saberá que se trata de um filme meu, ainda que seja uma pouco mais “comportado”… (risos)!
Onde foram as filmagens de Gerontophilia?
Este é um filme canadense, 100% das filmagens foram feitas lá. Ele só foi possível com o orçamento que teve, que foi de mais de 2 milhões de dólares canadenses, graças às parcerias que tivemos com a Téléfilm Canadá e com a SODEC – Sociedade de Desenvolvimento de Produções Culturais, um órgão do governo. Mesmo assim foi tudo muito planejado, tivemos menos de um mês para as filmagens, entre novembro e dezembro de 2012. Mas, até chegarmos nesse ponto, o roteiro havia sido estudado muito, estava pronto para ser levado às telas, e havíamos também escolhido o elenco. Tive muito sorte com meus dois protagonistas, principalmente por se tratar de um jovem heterossexual ao lado de um senhor homossexual. Mas os dois estavam apaixonados pelo texto, e o defenderam esplendidamente.
Quais as diferenças entre Gerontophilia e seus filmes anteriores?
Todos os filmes que fiz antes desse eram ‘não-filmes’. O que quero dizer com isso? É que se tratavam de produções feitas em sistema de guerrilha, sem roteiro finalizado, sem orçamento algum, sem atores profissionais. Era tudo feito na raça, de uma hora para outra, durante o processo, mesmo. Dessa fez foi algo completamente diferente, precisei reaprender o meu próprio modo de trabalhar. No Canadá falamos que foi como “teaching an old dog new tricks” (ensinar a um velho cão novos truques), ou seja, foi um recomeço. Mas foi muito bom, estou feliz com o resultado. E também este é o meu oitavo filme, e o primeiro sem sexo explícito. Acho que já é uma grande diferença, não?
Mas por que essa mudança e como espera ser recebido pelos antigos fãs?
Ah, desde que Gerontophilia foi exibido pela primeira vez tenho ouvido de tudo. Tem gente que está me descobrindo somente agora, e isso é espetacular, pois estou finalmente falando com novas pessoas. O fato de eu estar aqui, no Rio de Janeiro, faz parte disso. Já havia vindo ao Brasil antes, mas creio que nunca para tantas exibições, para tanta gente. E é isso que todo cineasta quer, se comunicar.
Mas com certeza muitos devem ter estranhado essa mudança de rumo, não?
Com certeza. Fui acusado de traidor, de estar traindo a mim mesmo – como isso seria possível? Tem algo que sempre disse, “We Hate Media”, ou seja, não me importo muito com o que estão dizendo, com o que está sendo divulgado. Minha preocupação final é se estão vendo os filmes, se eles estão gerando discussões. Não quero ficar acomodado. E, no final das contas, faço o que quiser, não estou aqui para agradar ninguém. Então, se gostarem de Gerontophilia, ótimo, caso contrário, vamos em frente. Outros filmes sempre virão. Quem sabe no próximo não mudo completamente de novo? Tudo é possível!
E como seria essa nova mudança?
Não sei. Não pensei a respeito. Talvez faça um filme completamente avant garde, sem narrativa alguma, totalmente experimental. O meu nono longa ainda está para nascer, então pode ser qualquer coisa. É possível que seja até um Gerontophilia 2, mas daí com muito sexo explícito! Será que gostariam de ver idosos transando com garotos? Acho que há gosto para tudo. O que importa é fazer com paixão, e isso tenho de sobra!
Como tem sido a repercussão de Gerontophilia? E, caso saia uma continuação, seria a primeira da sua carreira, não? Gosta da ideia?
Gerontophilia 2: Older and Bolder (risos)! Estou fazendo graça agora, mas quem sabe? Não procuro me impor limites. Gosto do que faço, isso é o mais importante. E o filme está circulando bem, agora estou aqui no Rio de Janeiro, mas estou vindo diretor de Reykjavik – do frio da Islândia para o calor do Brasil! Pode imaginar que acabou com a minha saúde, né? Estou com um forte resfriado, como pode perceber, mas não se preocupe: estou tomando bastante whisky para me curar logo (risos)! Estivemos também em Veneza, em Toronto… creio que está legal, muita gente vendo, discutindo.
Quais as suas referências para a história de Gerontophilia?
Sempre me encantei pelos personagens que estão fora do quadro, aqueles que vão pelas beiradas. Quem assiste à Gerontophilia reconhece de imediato que se trata de uma versão gay de Ensina-me a Viver (1971), mas fui além, é claro. Tem um filme do Al Pacino com o Gene Hackman que gosto muito, O Espantalho (1973), que fala sobre uma relação assim, de dois tipos fora dos padrões que embarcam numa viagem juntos. Era mais ou menos isso que tinha em mente quando comecei a escrever Gerontophilia.
Em algum momento chegou a ter algum receio sobre o projeto, com medo de que não funcionasse?
Minha maior preocupação era encontrar os atores certos. Depois que os achei, percebi que tudo seria possível. Afinal, se tratava de um garoto e de um senhor, e de um amor que surge entre os dois, e era preciso acreditar nesse sentimento. Mas o trabalho foi ótimo, pois os dois tinham muita química juntos, mesmo sendo tão diferentes entre si.
Qual a importância do sexo e da pornografia no cinema que você faz?
É importante, mas não é tudo. Gerontophilia praticamente não tem sexo, e não há pornografia. Ou seja, consigo trabalhar sem esses elementos. Mas são situações que me atraem, é claro. Certa vez o Paul Verhoeven, ao ser questionado sobre o que mais gostaria de fazer no cinema, respondeu simplesmente: “um pornô”. Joseph Stefano, roteirista do Psicose (1960), do Hitchcock, mais de uma vez afirmou que adoraria escrever a história de um filme pornô. Ou seja, é um gênero que desperta a atenção e a curiosidade de muita gente, mas quem acaba se envolvendo com ele acaba estigmatizado. Pois bem, estou longe disso. Faço o que quiser, como disse antes. Então, seja com grandes orçamentos ou sem verba alguma, seguirei fazendo o meu cinema, com ou sem sexo, com ou sem pornografia. O que importa é que vou continuar. Como será? Decidirei na hora.
(O Papo de Cinema foi um veículo credenciado oficial do Festival do Rio 2013, e esta entrevista aconteceu no Rio de Janeiro no dia 06 de outubro de 2013)
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