Nenhum tema é inesgotável. A necessidade de refletir sobre o passado é inerente à natureza humana, tem a haver com a busca pelo conhecimento, mas vai ainda além, relacionando-se com a própria insatisfação típica da ignorância que se tem sobre tudo aquilo que existiu e existe. Isso para não entrarmos no mérito de que, por óbvio, grande parte da nossa História é ideologicamente “transmitida” de acordo com os interesses dos que tiverem e têm o monopólio das informações (o que está mudando, pois, a bem dizer, é o conceito mesmo de informação que parece ser o pivô da crise dos discursos).
Digo isso de maneira introdutória pois quero falar sobre o regime militar, ou melhor, sobre a produção de imagens, narrativas, cronologias, releituras e “aberturas” que o cinema documentário (principalmente, mas não só) tem feito neste ano sobre essa questão que nos é tão cara. De forma semelhante ao que a herança comunista significa para a Europa do Leste, a ditadura militar é tema recorrente no cinema brasileiro. Não poderia ser diferente: nossa memória é tudo que temos e é contra a des-memória que lutamos.
O que já estão aí, a essa altura do ano, são filmes que, cada qual a sua forma e diante de uma busca particular, vão aos tais porões que nossa justiça ainda engatinha para chegar. Pelo que consigo lembrar enquanto escrevo, Hoje (Tata Amaral, 2011), Marighella (Isa Grinspum Ferraz, 2012), O Dia que Durou 21 Anos (Camilo Tavares, 2012), Dossiê Jango (Paulo Henrique Fontenelle) e A Memória que me Contam (Lúcia Murat, 2012) já retomaram a ditadura e a violência que ela produziu no seio das cidades, das pessoas, dos sujeitos e das relações.
Nos dizeres do colega Willian Silveira, que assina a crítica do filme de Lúcia Murat aqui neste sítio, já é possível vislumbrar um horizonte de “busca e apreensão”, pois, como diz, “sem hostilidade ou cobrança, o passado exige pouco: apenas que o presente reconheça de onde veio”. Ao fim e ao cabo, essa problematização, isto é, a forma como o assunto é colocado através dos aparelhos, da técnica, é base para a compreensão de nossa história. Parece inescapável a exigência de uma reestruturação das formas de pensar e, mais profundamente, da própria lógica do pensar. Os filmes precisam existir independentemente de um possível esgotamento das experiências que fizemos com eles.
Ora, os filmes de Isa Grinspum Ferraz (sobre Marighella, o guerrilheiro urbano), Paulo Henrique Fontenelle (sobre Jango, o presidente que faria as reformas de base) e Camilo Tavares (que mostra a influência do norte na política brasileira após a chegada de Jango à presidência, e mesmo antes disso) dialogam frontalmente, as narrativas se cruzam, se complementam. Enquanto sobre Marighella é erigida a imagem do combatente político-ideológico, figura de resistência, mais pré-ditadura do que em meio a ela, nos filmes de Tavares e Fontenelle é justamente o surgimento de um político no poder (Jango) que leva o estopim do golpe militar e o estabelecimento do regime autoritário pelos tais 21 anos. Sobre a ditadura, aliás, sobre as ditaduras latino-americanas, nem todas as imagens e “tensionamentos” do mundo serão suficientes. É preciso sempre mais.
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