Nascido no dia 30 de junho de 1970 na província de Buenos Aires, Leonardo Sbaraglia é atualmente um dos maiores nomes do cinema argentino. Protagonista de títulos aclamados, como Cinzas do Paraíso (1997) e Plata Quemada (2000) – ambos feitos em parceria com o cineasta Marcelo Piñeyro – viu seu trabalho ser reconhecido internacionalmente com o sucesso de Relatos Selvagens (2014) – ele é o motorista que se mete em uma confusão em uma autoestrada no meio do deserto – drama episódico indicado ao Oscar. Vencedor de um Goya (o Oscar do cinema espanhol), foi indicado quatro vezes ao Condor de Prata (premiação dos Críticos de Cinema Argentinos) e outras três ao prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas da Argentina, além de ter concorrido também ao Emmy e ao Prêmio Platino (o Oscar do cinema ibero-americano). E se de um tempo para cá ele tem se aproximado cada vez mais do público brasileiro – estrelou o seriado O Hipnotizador (2015), da HBO Brasil – agora está em cartaz nos cinemas nacionais ao mesmo tempo com dois filmes: o drama nacional O Silêncio do Céu (2016), de Marco Dutra, premiado no Festival de Gramado e filmado em Montevidéu, e o thriller No Fim do Túnel (2016), de Rodrigo Grande. Foi sobre estes trabalhos e outros destaques de sua filmografia que o ator conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Como você tem percebido o retorno de público e crítica para O Silêncio do Céu?
Nossa, não poderíamos estar mais felizes. Tudo está indo muito bem, felizmente. Tinha muita expectativa neste projeto, pois é um filme que realmente me comove. O que ocorreu em Gramado, quando fomos premiados pelo Júri da Crítica e também com o Troféu Especial do Júri Oficial, foi realmente incrível! Eu não pude ir ao festival, pois estava trabalhando, mas meu coração estava lá, com certeza. Me convidam há anos, e tenho muita vontade de conhecer a cidade, o evento, só ouço maravilhas a respeito. Quero ir em breve, quem sabe no próximo ano? Já estou envolvido em outros projetos no Brasil, em breve começarei a filmar no Rio de Janeiro e também em São Paulo, então percebo que minha presença por aqui está tendo um impacto positivo. E isso é muito gratificante.
Você já conhecia o cinema brasileiro? Era uma vontade antiga trabalhar aqui?
Há uma vontade de trabalhar aqui, claro. O cinema brasileiro sempre me atraiu, ainda que não seja tão frequente nas telas argentinas. Portanto, quando surgiu para mim a primeira oportunidade, a agarrei com unhas e dentes. Ainda mais estando ao lado de gente como essa que fez este filme, com a qual me entendo muito bem. O Marco Dutra é um diretor fantástico, a experiência com ele foi incrível. O José Eduardo Belmonte, com quem fiz O Hipnotizador, foi outro grande achado. Tivemos desde o começo muita afinidade, como se estivesse trabalhando com um companheiro do mesmo bairro, me senti literalmente em casa. Eu sei que o cinema argentino tem uma boa recepção aqui no Brasil, o público daqui gosta bastante dos nossos filmes, e era uma oportunidade muito grande de fazer coisas por aqui que não poderia ser desperdiçada. O êxito que desfrutei entre os brasileiros com filmes como Plata Quemada e Relatos Selvagens foi inesquecível, é o tipo de coisa que fica com a gente.
Você falou de Plata Quemada, e confesso que deve ter sido o primeiro filme seu que vi, e um que admiro muito até hoje…
Foi uma experiência muito importante para mim, em todos os sentidos. Foi meu quarto filme com Marcelo Piñeyro, fizemos coisas ótimas juntos, foram diferentes aventuras e personagens incríveis. O Nene, meu personagem em Plata Quemada, para mim representou, em particular, um momento de transição artística muito importante, ainda mais por combinar tantas coisas interessantes: era uma história real, um personagem homossexual, eram ladrões que o público torcia por eles, uma loucura que se meteram e que tinha tudo para dar errado, e que mesmo assim marcou a vida de tantos. Foi um projeto que ninguém esperava tudo que aconteceu, teve reconhecimento internacional, sucesso no Brasil e na Espanha, me abriu muitas portas. Tenho ótimas lembranças desse filme, é um dos maiores orgulhos da minha filmografia.
Um parceria recente é com o Ricardo Darín, ainda que vocês mal cheguem a contracenar juntos…
Pois então, já foram dois trabalhos no cinema juntos, O Que os Homens Falam (2012) e Relatos Selvagens (2014), e ambos são episódicos, como se fossem coletâneas de pequenos filmes, e em nenhum dos dois chegamos a dividir a mesma história. Porém já atuamos juntos no teatro, o que foi incrível. Mas isso tem data para mudar na telona também, pois acabamos de fazer nosso primeiro filme realmente juntos: Nieve Negra, que deve estrear no próximo ano. Eu e Darín interpretamos dois irmãos que se reencontram depois de 25 anos. Eles se odeiam por algo do passado, que tem a ver com a família, e ao mesmo tempo se amam, como qualquer outra dupla de irmãos há muito tempo afastados. Há um segredo entre eles, que escondem do público, algo que lhes aconteceu há muito tempo, e isso vai levando a trama de uma maneira a criar tensões muito fortes entre eles. É um thriller psicológico familiar que deve dar o que falar. Martin Hodara é o diretor, e o elenco tem ainda o grande Federico Luppi, como o pai dos dois, além da Dolores Fonzi. Creio que vai ser um grande sucesso.
Você falou que não esperava o sucesso de Plata Quemada. E com o Relatos Selvagens, foi diferente? Vocês já imaginavam o impacto que o filme teria?
Foi muito importante fazer esse filme. Porém, é claro, ninguém imaginava – talvez apenas o Szifrón, o diretor – o sucesso que teria. As pessoas enlouqueceram com o que viam na tela. Todos nós que trabalhamos em Relatos fomos afetados por essa incrível recepção, nos deu um ímpeto incrível em nossas carreiras. E foi geral, dos atores já conhecidos aos novatos, como se fosse um recomeço para todo mundo. A minha história em particular, dos automóveis, é um tópico que traz a discussão automobilística, que discursa pelos tremendos processos pelos quais a humanidade passa todos os dias, coisas que fazemos automaticamente e nem nos damos conta. É o ser humano em uma guerra constante consigo mesmo.
Em O Silêncio do Céu você divide a cena com a Carolina Dieckmann, que é uma grande estrela no Brasil. Você já a conhecia?
Conhecia algo do trabalho dela, sabia da sua importância no Brasil, é claro, mas tudo muito superficialmente. A Carolina é uma grande estrela, e foi realmente um prazer enorme trabalhar com ela. Ainda que o filme se passe em Montevidéu e seja falado em espanhol, o estrangeiro ali era eu, certo? A equipe, o diretor, ela, todos eram brasileiros. Até o entendimento entre eles era maior, muito fácil eu acabar ficando de fora. Mas ela foi incrível, foi uma companheira excelente, muito generosa, dona de uma energia preciosa, tanto como atriz quanto como pessoa. Foi muito bonita a experiência ao lado dela. Tínhamos que criar uma relação de casal em muito pouco tempo, e rapidamente encontramos um código e uma intimidade que se desenvolveu em uma química maravilhosa.
Como foi filmar no Uruguai? Você já tinha trabalhado em Montevidéu?
Plata Quemada havia sido feito no Uruguai! Metade dos parque das diversões, a praia, grande parte daquele filme foi feito lá. Isso sem falar da proximidade, é muito mais simples para os argentinos irem para Montevidéu ou Punta del Este do que para São Paulo ou Rio de Janeiro, por exemplo. Tenho uma relação com o Uruguai como se fosse a minha casa. É um lugar fantástico, com gente muito profissional. A opção de filmar por lá foi realmente muito acertada, pois ficou-se no meio termo. Foi como começar aos poucos, nem em Buenos Aires, onde seria a minha zona de conforto, e nem em São Paulo, onde a mudança talvez fosse muito brusca para mim. Em Montevidéu tivemos a oportunidade de fazer coisas ao lado de pessoas de muito talento e em pleno domínio do ofício, com condições de mercado para fazer muitos filmes. Filmar no Uruguai foi um grande prazer e espero voltar mais vezes para lá.
Você também está nos cinemas brasileiros no suspense No Fim do Túnel, em que interpreta um cadeirante. O que lhe atraiu nesse projeto?
Rodrigo Grande é um diretor que admiro muito, e creio que ele fez um trabalho incrível nesse filme. Outro fator que me atraiu foi a oportunidade de retomar a parceria com o Pablo Echerri, com quem me encontrei pela primeira vez no set de Plata Quemada. Quando li o roteiro pela primeira vez já fiquei impressionado. Me custou um pouco, no entanto, encontrar a verdadeira essência do meu personagem, e isso foi o mais difícil para mim. Precisei entender primeiro quem era o Joaquim, como ele lidava com estes pontos escuros de sua história, como se relacionava com o que lhe havia acontecido, o fato de ter perdido sua família. Era importante, para mim, tratá-lo como uma pessoa normal, para que ninguém pudesse defini-lo apenas como alguém em uma cadeira de rodas. Há muito nele, e isso foi o que me estimulou.
Depois de todas essas experiências, pretende voltar a filmar no Brasil?
Mas é claro! Agora cheguei para ficar (risos). Mas não me entenda mal, continuo morando em Buenos Aires (risos). Agora, no entanto, estou em São Paulo, e com muito trabalho por aqui. Vamos fazer a segunda temporada de O Hipnotizador para a HBO Brasil, e tenho já acertado um novo projeto também com o Belmonte. Quer dizer, não está totalmente confirmado, mas temos muita vontade de seguirmos trabalhando juntos. Nem sei se poderia falar isso, mas… agora foi! Isso é o mais importante, combinar estas muitas vontades, pois assim sempre teremos trabalho no Brasil, na Argentina, no Uruguai, na Espanha.
(Entrevista feita ao vivo em outubro de 2016)