O nome é RT Features, mas a sigla é facilmente percebida: são as iniciais de Rodrigo Teixeira, dono da produtora paulista e um dos brasileiros de maior expressão no mercado cinematográfico internacional hoje em dia. Responsável por filmes como O Cheiro do Ralo (2006), O Abismo Prateado (2011) e Heleno (2011), começou a construir sua carreira no exterior com o sucesso de Frances Ha (2012), longa indicado ao Globo de Ouro. Com Alemão (2014) conseguiu seu primeiro sucesso de público no Brasil – a continuação já está encaminhada para 2017 – e com A Bruxa (2015), premiado no Festival de Sundance, Teixeira está indicado agora ao Independent Spirit Award, concorrendo como Melhor Longa de Diretor Estreante. Gerou polêmica no Festival de Cannes com Love (2015) e foi premiado recentemente no Festival de Gramado com O Silêncio do Céu (2016), filmado no Uruguai e estrelado por um argentino (Leonardo Sbaraglia) e uma brasileira (Carolina Dieckmann). Agora, está de volta às telas com dois novos trabalhos: os dramas Indignação (2016), feito nos Estados Unidos com Logan Lerman como protagonista, e O Filho Eterno, com Marcos Veras e Debora Falabella à frente do elenco, a partir do romance de Cristóvão Tezza. Sobre todos estes filmes, e também sobre alguns que só vão estrear no próximo ano, o produtor conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Você está cada vez mais se destacando no exterior, acabou de ser indicado ao Independent Spirit Award. Queria saber, já que também é preocupado com o cinema nacional, como analisa o fato de estar sendo mais reconhecido fora do país?
Essa é uma grande discussão interna, um debate que tenho diariamente comigo. É uma constante preocupação o quanto a minha carreira no exterior tem se desenvolvido, como tem gerado experiências pra minha empresa, ao mesmo tempo em que aqui no Brasil tudo parece ser mais difícil. Acho que estou num processo de amadurecimento da minha visão de cinema brasileiro. O cinema internacional faz parte da minha vida desde que nasci, principalmente o cinema norte-americano, que é onde estou atuando com mais força. Tenho procurado entrar em outras cinematografias, na Europa, com o Love (2015), na América Latina, com O Silêncio do Céu (2016). Mas o cinema americano foi a base da minha formação. Nasci nos anos 1970, e até o final dos anos 1990 a grande influência era Hollywood, não tinha cinema brasileiro. Fui criado vendo John Ford sem saber que era John Ford, via por causa do John Wayne.
Você não se considera um cinéfilo diferenciado? É só mais alguém que gosta de cinema e queria trabalhar com isso?
Na verdade você refina o gosto, né? Trabalho com isso desde os 19 anos e você começa a refinar e vira um cinéfilo. Acabei entendendo coisa que não compreendia, por curiosidade ia chegando a lugares que, se eu fosse público pura e simplesmente, talvez não tivesse chegado. Eu me questiono profundamente, e nesse momento estou me debatendo muito. Esta é uma pergunta muito interessante, pois estou, neste exato momento da minha vida, me indagando sobre isso. Você tem, também, uma maturidade maior fora do Brasil. Aqui é preciso formar melhores técnicos, roteiristas, diretores. Há pouca formação pra diretor criativo, por exemplo. É algo que existe pouco por aqui.
Voltando mais ao público, se percebe uma certa confusão em relação a figura do produtor. Quem é esse cara, o que faz? Como você descobriu isso?
Descobri que queria ser produtor quando comecei a trabalhar com cinema. Até então, eu era apenas um cinéfilo com gosto muito especifico, mas que aos poucos fui me refinando. A maneira que encontrei pra entrar no mercado cinematográfico foi através da literatura. Como não fui assistente de produção, de direção, todas essas coisas, tive que aprender na marra. Não fiz nada disso, comecei sendo dono. Não tinha quem me assistisse, não tinha uma equipe, eu mesmo é que tinha que fazer! Então acabei me autoproduzindo. Cheguei e falei: “cara, quero ser isso”. E é isso que sou, já. Então, não tive nenhuma outra experiência, a não ser uma no mercado financeiro, que é anterior a minha vida no cinema. Trabalho produzindo, essa é a minha vida.
Já falei com diretores que dizem que fazem os filmes que gostariam de ver. Você, enquanto produtor, é isso que te guia também? Ou teu espectro é mais amplo que isso?
Já foi mais amplo, hoje faço o que quero ver. E, se fazendo o que quero ver, to conseguindo atrair o público, é porque to conseguindo conversar, fazer essa troca. De novo, isso é algo que me questiono, porque o que quero ver, lá fora tá sendo visto. Por exemplo, A Bruxa (2015) foi um filme que todos estão vendo lá fora, e no Brasil não. Nos EUA teve milhares de espectadores, e por aqui foi muito menos! Será que to sabendo entender o que o brasileiro quer? Então, me pergunto. Sei entender o que o público brasileiro quer ver de fora, mas será que sei o que ele quer ver feito aqui? Quem quer ver os filmes feitos no Brasil? Esse é um grande questionamento que tenho. E isso me faz ser melhor produtor, acredito. Penso todo dia nisso.
Falando no cinema nacional, você está com duas apostas bem mais voltadas para o grande público: O Filho Eterno (2016) e a continuação de Alemão (2014). Quais são as expectativas para estes filmes?
O Filho Eterno foi um trabalho, no meu caso, muito automático. A gente teve a sorte de contar com a Globo Filmes como parceira, que acabou financiando o longa, e a minha equipe trabalhou bastante no processo. Mas não tive bastante relação com o filme, pois naquele momento estava envolvido com outras coisas, inclusive fora do Brasil. Ao mesmo tempo, gostaria muito de ter tido mais proximidade. Ao vê-lo agora, pronto, se percebe que é um filme que tem vocação pra público, não necessariamente um filme de crítica. E o Alemão 2 é uma outra história, tenho muita dificuldade de analisar esse projeto porque a origem é minha. Esse foi eu que escrevi, o roteiro parte de uma ideia minha. Demorou até encontrarmos uma história de continuação que me deixasse satisfeito. Mas agora tá aí, e vamos seguir pra fazer acontecer também.
Continua com o Belmonte? E o elenco, mudou alguém? Já está em filmagem?
Sim, é o Belmonte de novo na direção, e volta o Cauã Reymond e o Antonio Fagundes, além da Mariana Nunes. A gente vai começar a rodar em abril do ano que vem.
Outro filme recente da RT Features é O Auge Humano (2016), que deixou muita gente incomodada durante suas sessões no Festival do Rio. Com o Love também foi assim, com muita gente chocada com as cenas de sexo. Essa inquietação, essa vontade de provocar, faz parte do teu trabalho?
De novo, se é algo que quero ver, e se isso provoca, porque não? Quando entrei no projeto do Love, ele tinha 12 paginas de argumento. Li, achei uma história de amor linda, e disse que queria ver isso, achei que seria um sucesso. Teoricamente, no entanto, foi um fracasso, financeiramente falando. Ter trabalhado com o Gaspar Noé e acreditado nesse projeto me trouxe possibilidades muito grandes. Porém, a questão é muito mais complexa do que o filme não ter ido bem, ou pelo sexo em si.
Além de produtor, a RT Features está começando agora como distribuidora, com o De Palma (2016). Essa é um área que sempre te atraiu ou foi algo de ocasião?
Não é uma questão de atração. A distribuição é uma área que é necessária pro produtor que tem que acontecer. Tenho um volume de projetos acontecendo ao mesmo tempo, e não dá pra terceirizar mais. Então, prefiro eu mesmo distribuir.
Começar com esse filme em específico reflete essa parceria de longa data com o Noah Baumbach, de quem você produziu o Frances Ha (2012) e o Mistress America (2015)?
Não necessariamente. Gosto do De Palma, foi isso que me atraiu. A parceria com o Noah foi ótima. Eu fiz os dois filmes que tinha que fazer com ele, e ambos foram muito bem sucedidos.
Mas o Frances Ha foi um filme que te abriu muitas portas, certo? Seria um filme definitivo pra RT Features?
Sim, com certeza. O Frances Ha nos colocou no caminho certo, e o A Bruxa foi nossa consolidação nos Estados Unidos. Hoje em dia somos vistos em outro patamar por lá. Muitas coisas não teriam acontecido se não fossem estes filmes.
Você disse que O Filho Eterno é um filme para o público, mas que A Bruxa teve mais dificuldades por aqui. Outros trabalhos teus recentes, como Indignação e o Melhores Amigos, não parecem voltados para grandes audiências, mas estão circulando por diversos festivais. Como foi teu envolvimento com esses longas?
O Melhores Amigos foi o nosso segundo trabalho com o diretor Ira Sachs, o anterior foi O Amor é Estranho (2014). Sou também, há treze anos, muito amigo do roteirista destes dois filmes, o Mauricio Zacharias, que é brasileiro. Ele sempre me oferece seus projetos, é uma questão de eu entrar ou não. Já o Indignação foi diferente. Como falei antes, comecei na literatura, sou fã de livros e adoro a obra do Philip Roth. Quando chegou na minha mão o projeto escrito, topei na hora. Quando vi os dois nomes, Philip Roth e James Schamus, topei na hora. E é um filme que está indo muito bem, já está me dando retorno, e com o qual estou muito feliz.
É senso comum que é mais fácil fazer um bom filme a partir de um livro ruim do que o contrário. O Philip Roth já teve outros livros adaptados para o cinema, e nenhum ficou à altura das obras originais. Isso não lhe preocupou?
Se escrever um filme sobre a minha vida, ou sobre a tua vida, vai ser maravilhoso de qualquer jeito, porque é o Roth que escreveu. O problema do livro bom ou do autor bom é a expectativa que ele gera quando a adaptação está acontecendo. E quando você põe expectativa demais numa coisa, ela acaba te frustrando. A única diferença é que, a partir de um livro ruim, ninguém terá expectativa alguma.
Além de buscar boas histórias e algo que te motive enquanto produtor, o que é mais necessário? Por exemplo, O Silêncio do Céu, que é um dos melhores filmes do ano, você comentou que o retorno tem sido frustrante. O que mais precisa ser apurado na hora de entregar um filme ao público?
Acho que com O Silêncio do Céu, a questão é que o filme não teve visibilidade, porque se tivesse todo mundo veria. E isso varia, não posso pegar e fazer um lançamento de cem cópias se não tiver certeza que há capacidade para atrair toda essa audiência, porque daí o meu prejuízo financeiro será muito grande.
Próximos projetos da RT Features, o que você pode nos adiantar?
Tem O Animal Cordial (2016), da Gabriela Amaral. O Aurora (2016), do José Eduardo Belmonte, também tá em processo de finalização, com o Humberto Carrão e a Carolina Dieckmann como protagonistas. Esse fica para o ano que vem, com certeza. Tem também o Severina (2016), segundo longa do Felipe Hirsch, que já está bem encaminhado. Mas tem, pelo menos, uns sete filmes dentro da RT prontos para serem lançados em 2017.
É uma tendência focar mais no cinema nacional ou vai continuar intercalando com projetos no exterior?
Não, vou seguir intercalando, com certeza. E é bem provável que o internacional passe, de vez, o nacional. Lá fora tem acontecido muito mais rápido e melhor para nós, isso é um fato.
O filme depois da sala de cinema, como fica? Qual é a preocupação da RT Features para manter os filme vivos após a exibição comercial?
Em geral, a gente comercializa essas janelas. Mas no Brasil é tudo muito complicado. DVD, por exemplo, não existe mais, é coisa pra colecionador apenas. Nos EUA tem, mas no Brasil… vai fazer pra que? Não há mercado aqui para isso. Pra a cada três anos ganhar 400 reais, 600 reais? Eu, quando faço o orçamento de um filme, o DVD não tá na conta. A sobrevivência de um filme vai ficar por conta da Netflix, Amazon, Apple. As videotecas são todas virtuais.
Isso pode se refletir também no cinema? Acabar sendo tudo virtual?
Acho que as coisas estão se encaminhando para essa discussão, entretenimento ao vivo versus o entretenimento em casa. Você sair de casa e ir até a sala de cinema assistir a um filme, ou ficar em casa, com muito mais conforto e comodidade. O home entertainment, em algum ponto, vai acabar passando o live entertainment. Quando? Não sei em quanto tempo, mas está a caminho de.
(Entrevista feita ao vivo no Rio de Janeiro em outubro de 2016)
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