O trabalho em equipe marcou o primeiro dia da 42ª edição do Festival de Cinema de Gramado. Tanto Isolados, exibido fora de competição, quanto A Despedida, primeiro filme participante da Mostra Competitiva Nacional, foram assinados pelos diretores junto de seus colaboradores. Thomas Portella e Equipe foram responsáveis pelo primeiro. Marcelo Galvão e Equipe, do segundo. Seria uma nova onda de trabalhos que aliam o autoral ao trabalho em grupo? Cedo para saber, mas é uma tendência que não passou despercebida na abertura do Festival.
O primeiro momento da noite revelou a homenagem preparada a José Wilker, ator, diretor e crítico de cinema falecido em abril deste ano, curador do Festival de Cinema de Gramado nos últimos anos. Um pequeno vídeo foi exibido mostrando grandes momentos da carreira do artista, com trechos de entrevistas sendo costurados a estas cenas. O filme de abertura, Isolados, é um trabalho ainda inédito de Wilker como ator e serviu como homenagem neste primeiro dia de Festival. A sua participação é pequena e, até por isso, talvez fosse mais interessante o resgate de um memorável trabalho do ator, como Bye Bye Brasil (1979) ou O Homem da Capa Preta (1986), para um tributo mais robusto.
Isolados, raro trabalho de gênero no país, traz Bruno Gagliasso e Regiane Alves em um terror psicológico com lapsos deslasher film. Na trama, em linhas gerais e sem estragar surpresas, casal com problemas resolve passar alguns dias em uma casa afastada onde encontra os horrores de uma dupla de assassinos. O roteiro utiliza muitos dos pontos obrigatórios neste tipo de história: a morte de uma jovem logo de início, o aviso dos moradores do local sobre os perigos da região, o plot twist ao final. Formulaico, Isolados acaba sendo mais um esforço à procura de um caminho acertado do que propriamente um bom filme. E quem espera ver José Wilker, pode se decepcionar com o tamanho diminuto do seu papel. Após a sessão, a roteirista do longa, Mariana Vielmond (filha de Wilker), e Cláudia Montenegro (viúva do ator), receberam uma placa homenageando o artista.
Assim como a primeira sessão, a segunda também teve início com atraso. Subiram ao palco para apresentar A Despedida,primeiro longa-metragem da Mostra Competitiva Nacional, o diretor Marcelo Galvão, a atriz Juliana Paes, o ator Nelson Xavier e parte da equipe. O cineasta, que já recebeu Kikito pelo seu trabalho em Colegas (2012), retorna ao Festival com mais uma história bastante pessoal. Se naquele longa, o diretor baseou-se no seu tio, em A Despedida, o avô do cineasta serviu de gênese para a construção da trama. “Gosto de trabalhar temáticas que são próximas a mim”, falou Galvão no palco do Festival.
Em A Despedida, Nelson Xavier (em interpretação digna de prêmios) vive o Almirante, um idoso de 92 anos que tem dificuldade em fazer as coisas mais corriqueiras: desde levantar da cama, passando por tomar banho ou colocar as meias e calçar os sapatos. Numa manhã, ele resolve sair de casa sozinho, “tomar um café na rua”, como diz a seu filho. Com sérios problemas de locomoção, mas com objetivos bastante traçados, Almirante parte para sua aventura, reencontrando toda uma sorte de pessoas, até partir para seu principal destino, a casa de Fátima (Juliana Paes), uma figura importante de seu passado.
Marcelo Galvão parte para um registro completamente diferente do que havia nos mostrado em Colegas. Ainda que invista no humor em alguns momentos, é no drama de um homem que não é mais dono de sua vida o principal predicado de A Despedida. Nelson Xavier, em atuação primorosa, comove como um sujeito doce, com sua parcela de malandragem nada esquecida, e com vontade de viver talvez um último dia intensamente. Acompanhamos de forma minuciosa os primeiros momentos daquele senhor, com todas as suas dificuldades, e ficamos felizes junto dele com suas pequenas vitórias. A lentidão da narrativa do início é completamente justificada pela história a ser contada e, o terceiro ato, com a participação de uma inspirada Juliana Paes, é de sensibilidade e beleza incríveis.
O primeiro dia do Festival de Cinema de Gramado terminou tarde – a sessão fechou perto da meia-noite – mas compensou completamente a espera e os atrasos com um belíssimo trabalho de Marcelo Galvão, filme que cresce cada vez que pensamos a respeito do que vimos na tela. Pode ser muito cedo para dizer isso – afinal de contas, ainda teremos outros sete longas brasileiros pela frente – mas A Despedida já sai na dianteira com ótimas chances de levar kikitos para casa.
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