Há tempos a Mostra Competitiva Nacional de curtas-metragens não tinha títulos tão fortes. O público teve a chance de conferir uma amostra interessante dos talentos de curta-metragistas de todo o país, trabalhando os mais diversos gêneros e utilizando o formato curto em prol da narrativa. O Papo de Cinema esteve em todas as sessões e comenta cada uma das produções exibidas.
Bá, de Leandro Tadashi (SP)
Este belo curta mostra como a vida do garotinho Bruno muda quando sua bá (termo que, traduzido do japonês para o português, significa “avó”) muda-se para sua casa. Primeiramente incomodado pela invasão, o menino vai se encantando pela tranquilidade e sabedoria daquela senhora, enquanto observa seus pais e a irmã mais velha reagirem de formas diversas à presença da avó. Com elenco bem escalado e uma progressão narrativa sensível e muito próxima da realidade, Bá iniciou os trabalhos do Festival de forma encantadora.
Como São Cruéis os Pássaros da Alvorada, de João Toledo (MG)
Foi exibido fora de competição por ter tido uma sessão em Porto Alegre – e o regulamento de Gramado estipula que os curtas precisam ser inéditos no Rio Grande do Sul. Estilizado, mostrando um rapaz angustiado e perdido, o curta acabou não causando a impressão que poderia. Mostra um diretor que tem segurança e plena consciência da linguagem, mas que carece de uma história melhor para colocar este talento em prática.
Herói, de João Pedone e Pedro Figueiredo (SP)
Na trama, um rapaz com problemas mentais e uma empregada vivem uma relação confusa e extenuante. Ainda que tenha boas ideias e uma realização redondinha, a história deixa a desejar. A atriz Giuliana Maria tem boa performance, mas Matheus Martins carecia de maior entrega ao papel. Detalhe para o cesto de roupas recém lavadas com peças visivelmente novas, nunca usadas. Cinema está nos detalhes, afinal de contas.
Muro, de Eliane Scardovelli (SP)
A diretora aponta sua câmera para um comovente e preocupante retrato das diferentes camadas sociais em espaço bastante restrito. Em meio a dois condomínios de luxo, uma invasão de casebres resiste àquela situação adversa, mostrando o abismo entre a pobreza e a riqueza. Faz com Que Horas ela Volta? um programa duplo interessantíssimo e com relevância social.
Miss & Grubs, de Camila Kamimura e Jonas Brandão (SP)
O filme mostra uma relação amorosa diferente. Uma ratinha se apaixona por um tipo de larva mutante. A casa dela é pequena demais para os dois. Para que possam ficar juntos, eles terão de pensar algo totalmente fora da caixa. Bem produzido e com personagens curiosos, o curta consegue transmitir sua mensagem, do amor que desconhece barreiras.
Enquanto o Sangue Coloria a Noite, Eu Olhava as Estrelas, de Felipe Arrojo Poroger (SP)
Parte de uma premissa contundente e bastante válida, mas acaba resvalando na construção dos personagens. Na trama, menino sofre bulling no colégio e, em casa, seu pai, um militar que definha em sua cadeira de rodas, não lhe tem espaço para diálogo. Existem ótimas ideias, muito subtexto e uma cena em plano-sequência que mostra a reação do pai a um fato bombástico. Mas o desfecho deixa a desejar.
S2, de Bruno Bini (MT)
Na trama, rapaz precisa escrever roteiro de curta-metragem, mas tem problemas para deslanchar o texto. Divertido, mas autorreferente demais, o curta é uma brincadeira com a linguagem cinematográfica. A metalinguagem é um artifício muito usado em curtas universitários e em S2, eles utilizam à exaustão o conceito. O elenco é bom – principalmente os dois rapazes principais – e algumas piadas funcionam (destaque para a participação relâmpago de um ator famoso).
Sêo Inácio (ou O Cinema Imaginário), de Helio Ronyvon (RN)
Apresenta um senhor idoso fanático por filmes, que vive em sua “prisão” de dvds, livros e cadernos – anotando (quase) todas as produções que já assistiu. Inácio esteve presente na sessão e fez questão de elogiar o evento no palco do Palácio dos Festivais. O documentário em curta é divertido e cativante por nos apresentar uma figura com tamanho amor pela sétima arte.
Virgindade, de Chico Lacerda (PE)
O diretor é o faz-tudo desta produção, assinando também a montagem, o roteiro, a direção de fotografia e a narração. Na história, um homem remonta seu passado e relembra como, desde criança pequena, já sentia impulsos sexuais fortes por pessoas do mesmo sexo. A narração é bastante honesta e cativa exatamente por este fato. Na tela, imagens que vagamente ligam a fala do diretor ao seu passado. E diversos pênis, uma ode ao corpo masculino.
Macapá, de Marcos Ponts (MA)
Com oito minutos, uma câmera e uma atriz, o curta mostra o processo por vezes automatizado e forçado de uma cena pretensamente documental. A vela que se apaga e a lágrima que cai nem sempre são atos naturais. Bem executado e com boa premissa, termina deixando inquietação.
Haram, de Max Gaggino (BA)
O diretor coloca uma mulher muçulmana em uma janela, uma criança baiana em outra, bem à sua frente, e desconstrói preconceitos, preceitos e pecados. Uma conversa franca. Um olhar infantil. Um mundo que seria mais belo ao conseguir se enxergar no outro. Com belas atuações e mensagem bem colocada, o curta é certamente um dos mais memoráveis da competição.
O Corpo, de Lucas Cassales (RS)
O jovem cineasta comanda uma intensa história de horror e suspense com elenco graúdo: César Troncoso, Janaína Kremer e as revelações Gabriela Poester e Rafael Henzel. Na trama, um corpo encontrado no mato vira o gatilho para estranhos acontecimentos na casa da família do menino Alberto. Dominando bem o clima do gênero, Cassales faz um belo trabalho, que até serviria como um prólogo para uma história maior.
Quando Parei de me Preocupar com Canalhas, de Tiago Vieira (SP/GO)
Assim como O Corpo, exibido pouco antes, este trabalho chama a atenção pelo seu elenco: Matheus Nachtergaele, Paulo Miklos e Otto dividem a tela, em uma trama que mistura em um caldeirão diversas referências, sendo primeiramente um filme político. Nachtergaele vive um homem em fúria com suas convicções. Cercado de pessoas que rechaçam suas ideias, aquele sujeito se sente cercado por imbecis. E talvez esteja. Destaque para a hilária atuação de Miklos como um taxista e para a montagem inteligente.
Dá Licença de Contar, de Pedro Serrano (SP)
O curta mergulha no universo das canções do sambista Adoniran Barbosa, construindo sua trama em cima de diversos trechos das letras do músico paulistano. Paulo Miklos vive uma figura com os traços de Adoniran, sujeito malandro, sempre com uma frase de efeito na ponta da língua. Com fotografia caprichada e recriação de época impressionante, Dá Licença de Contar foi uma das boas surpresas do festival. Impossível sair da sessão sem assoviar um dos clássicos do sambista. Destaque para a versão de Iracena, cantada por Ney Matogrosso.
O Teto Sobre Nós, de Bruno Carboni (RS)
Mistura ficção e documentário para retratar a situação dos moradores de um prédio abandonado. Sabendo que serão despejados a qualquer momento, o clima de tensão entre todos cresce a cada minuto. Isso dá margem para situações cada vez mais angustiantes, com a paranoia se transformando em pesadelo. Carboni consegue construir uma atmosfera quase surreal em alguns momentos, ainda mantendo firme suas intenções acerca da reflexão de um caso social real.
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