Misógino, pretensioso, genial, incompreendido, inclassificável, foram alguns dos rótulos colocados em Anticristo (2009), uma das obras mais controversas do sempre tão polêmico Lars Von Trier. Concebido em meio a uma crise depressiva de seu criador (ao menos assim foi divulgado), o filme inicia com a morte de uma criança enquanto seus pais transam fotografados em preto e branco. O casal, então devastado pela tragédia, se isola no Éden, cabana de campo longe de tudo e de todos. Daí para frente, uma espiral de situações bizarras e extremas alicerça a narrativa. Caso você se incomode com canibalismo, penetrações ou mesmo ejaculações de sangue, Anticristo pode parecer realmente um pouco chocante demais. Há quem veja o filme como trabalho cinematográfico exemplar, já outros denunciam o dinamarquês pela gratuidade. A polêmica está na mesa e, a fim de enriquecê-la, convocamos Matheus Bonez e Willian Silveira para debater méritos e deméritos da realização de Von Trier. Confira.
A FAVOR : “Obra-prima e, mesmo não sendo de fácil digestão, inesquecível”, por Matheus Bonez
Anticristo não é para qualquer um. Porém, amando ou odiando esta obra, não dá para negar a genialidade por trás de seu criador. Lars Von Trier lida com psicanálise, traumas e o estudo dos sentimentos humanos em contraste com uma atmosfera de terror, em que o campo se torna, paradoxalmente, um reduto fechado, isolado, onde os personagens de Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe entram em embate não apenas pela suposta loucura (ou seria possessão?) da mulher, mas também pela dualidade masculino x feminino. Se Von Trier pode soar exagerado quando cenas como a mutilação do clitóris ou a masturbação com sangue são expostas de forma crua, por outro as mesmas não são gratuitas. Assim, ao lado de sua excepcional dupla de protagonistas e com cenas memoráveis como a de abertura, em que o sexo explícito é colocado da forma mais bela possível (beirando muito mais a um momento de felicidade em contraste com a tragédia que viria acontecer) o dinamarquês conseguiu criar uma obra-prima que, mesmo não sendo de fácil digestão, é inesquecível. Como o próprio disse, talvez este seja seu melhor filme. Difícil discordar.
CONTRA: “Um tema promissor, infelizmente desperdiçado“, por Willian Silveira
Alguns acontecimentos são inegociáveis. É a isso que nos referimos quando vemos a personagem de Charlotte Gainsbourg destinada ao calvário por presenciar a perda do filho, logo no início de Anticristo; é a isso que nos referimos quando Lars von Trier, o mais importante diretor dinamarquês desde Carl Dreyer (1889 – 1968), impressiona a todos com o fantástico Dogville (2003). Ele nunca se recuperou da cobrança para repetir a originalidade e a profundidade do seu sucesso; ela nunca se recuperou da impotência da perda trágica e imprevisível. Com um enredo que busca trabalhar a tensão presente na tentativa de consertar o irreversível, Trier se esforça com o intuito de produzir um cinema sofisticado. A busca pela grandiosidade e pelo impacto ocupam as atenções do diretor que, displicente ao restante, constrói uma armadilha em que a vítima é o próprio estilo, crescentemente pretensioso e artificial. O conteúdo é cifrado não pela necessidade, mas pelo rebuscamento. A forma, antes inventiva e surpreendente, aparece aqui mais como enfeito do que com propósito. Ao ambicionar superar-se, Anticristo se desencontra – encontrando-se no esvaziamento melancólico (e o trocadilho pertence ao leitor) de um tema promissor, presunçosamente distorcido – infelizmente desperdiçado.
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