De olho no futuro, mas com um pé no passado
A premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood – o popular Oscar – aconteceu no último dia 26 de fevereiro confirmando a proposta deste ano: reverenciar o histórico da sétima arte ao mesmo tempo em que se prepara para o avanço tecnológico que a modernidade tem – e terá, cada vez mais – a oferecer. E os dois filmes mais premiados na noite – O Artista, de Michel Hazanavicius, e A Invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese – deram o tom alcançado. Se o primeiro é uma homenagem à Era de Ouro de Hollywood, ao contar a história de um ídolo do cinema mudo que cai no ostracismo com a chegada do cinema sonoro, o segundo se propõe a oferecer um olhar mais carinhoso e respeitoso a um dos precursores da sétima arte (Georges Méliès), mas para isso faz uso dos mais modernos efeitos em 3D da atualidade. Os dois longas apostam muito no coração, mas o visual excessivamente arrebatador do segundo pode ter eclipsado algumas dessas qualidades, abrindo espaço para a simplicidade e objetividade do trabalho dirigido por Hazanavicius.
Nenhum dos 9 indicados à Melhor Filme poderia ser considerado como franco favorito. Acredito que o que mais reunia os quesitos necessários para essa consagração era mesmo O Artista, e por isso que sua vitória é um resultado bastante justo. É uma pena ver longas como O Homem que Mudou o Jogo, de Bennet Miller, Tão Forte e Tão Perto, de Stephen Daldry, e, principalmente, A Árvore da Vida, de Terrence Malick, saírem de mãos abanando, mas o Oscar não é um prêmio reconhecido por seu senso de justiça e imparcialidade. No mais, a premiação foi bastante previsível, e nenhuma grande surpresa se destacou durante as quase três horas de festa.
O primeiro longa não-americano a ganhar o Oscar de Melhor Filme. A primeira produção francesa a conquistar o principal prêmio do cinema hollywoodiano. O segundo filme mudo da história reconhecido como Melhor Filme do Ano (o primeiro foi Asas, de 1928, no ano de estreia do Oscar). Um dos raros longas em preto & branco vitoriosos – o último havia sido A Lista de Schindler, em 1994. São tantos os méritos de O Artista que é impossível não considerar esse um ano histórico! Foram 5 Oscar conquistados: Filme, Direção (Michel Hazanavicius), Ator (Jean Dujardin), Trilha Sonora e Figurino. Destes resultados, a única injustiça talvez seja a última categoria, em que superou o vencedor do prêmio do sindicato dos figurinistas, W.E. – O Romance do Século. Já a consagração de Dujardin se assemelha bastante com a de Roberto Benigni, que ganhou como Melhor Ator em 1998 por A Vida é Bela: ambos são comediantes famosos em seus países de origem, desconhecidos internacionalmente e aparentemente superestimados por Hollywood. O provável é que o francês desapareça do cenário cinematográfico com a mesma rapidez que o colega italiano.
A noite começou bem, com a vitória em Maquiagem, de J. Roy Helland, amigo pessoal e maquiador favorito de Meryl Streep há cerca de 30 anos – desde o início dos anos 80 ele é escolhido para todos os filmes dela! E depois, finalmente, após três décadas, Streep conquistou seu terceiro – e mais do que merecido – Oscar! Entre a vitória, em 1982, por A Escolha de Sofia, e esta, de 2012, por A Dama de Ferro, a atriz recebeu DOZE indicações (onze como principal e uma como coadjuvante) e perdeu em todas as vezes! E para atrizes infinitamente menos talentosas do que ela, como Sandra Bullock, Catherine Zeta-Jones, Gwyneth Paltrow e Cher, por exemplo! Mas tudo bem, antes tarde do que nunca! Quem apostaria em 100% de aproveitamento? Merecido!
Meryl agora está no mesmo patamar de Ingrid Bergman (À Meia Luz, em 1944, Anastácia – A Princesa Esquecida, em 1956, e Assassinato no Expresso Oriente, em 1974, sendo o último como coadjuvante) como as duas únicas atrizes da história com três vitórias. Ainda assim, estão atrás de Katherine Hepburn, que ganhou quatro vezes, e todas como principal (Manhã de Glória, de 1934, Adivinhe quem vem para o Jantar, de 1967, O Leão no Inverno, de 1968, e Num Lago Dourado, de 1981). Entre os homens, os recordistas, ambos com três vitórias, são Jack Nicholson (Um Estranho no Ninho, em 1975, Melhor é Impossível, em 1997, e Laços de Ternura, em 1983, sendo o último como coadjuvante) e Walter Brennan (Meu Filho é Meu Rival, em 1936, Kentucky, em 1938, e A Última Fronteira, em 1940, todas as vezes como coadjuvante). E como Bergman, Hepburn e Brennan já faleceram, Nicholson e Streep são os intérpretes vivos mais premiados em 84 anos de Oscar!
O longa infantil de Scorsese também conquistou 5 prêmios, porém todos em categorias técnicas, o que reforça a ideia de que o filme é mais aparência do que conteúdo. As vitórias – todas muito justas – foram em Fotografia, Direção de Arte, Som, Edição de Som e Efeitos Visuais. Reconhecimentos que, de fato, o filme merece, ainda que, entre os concorrentes houvessem trabalhos ainda mais superiores.
Dois dos resultados mais previsíveis da noite. O iraniano A Separação vinha ganhando praticamente tudo a que era indicado desde sua consagração com o Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2011. Como foi o único exibido no Brasil até o momento, é meio complicado avaliar, mas por si só é um trabalho digno do maior número de aplausos possíveis! Já Rango só virou favorito com a exclusão, por uma questão técnica, de As Aventuras de Tintim, esse, sim, a melhor animação do ano. E dentre os indicados, como explicar as presenças de Gato de Botas e de Kung Fu Panda 2, sendo que ficaram de fora obras muito mais emocionantes como Rio e Operação Presente? De qualquer forma, é curioso ver Gore Verbinski, o homem responsável pela trilogia Piratas do Caribe e pelo terror O Chamado ganhar um Oscar por um desenho animado!
Toda Forma de Amor e Histórias Cruzadas
Christopher Plummer, com 82 anos, se tornou o intérprete mais velho a ganhar um Oscar em toda a história da premiação. O Coronel Von Trapp do clássico A Noviça Rebelde (1965) recebeu a mais que merecida estatueta dourada de Melhor Ator Coadjuvante por Toda Forma de Amor, em que interpreta um viúvo que decide assumir a homossexualidade para o filho após o falecimento da esposa. A disputa nessa categoria era bastante acirrada, por tanto Nick Nolte (Guerreiro) quanto Max von Sydow (Tão Forte e Tão Perto) estão igualmente excelentes. O oposto do que aconteceu entre as atrizes coadjuvantes, em que Octavia Spencer (Histórias Cruzadas) levou a melhor meio que por falta de competição. Ela agora faz parte do seleto grupo de atrizes negras premiadas nessa categoria, ao lado de Mo’Nique (Preciosa, 2009), Jennifer Hudson (Dreamgirls, 2006), Whoopi Goldberg (Ghost, 1990) e Hattie McDaniel (…E O Vento Levou, 1939).
Meia-Noite em Paris e Os Descendentes
Outra dupla de resultados bastante previsíveis. Os filmes de Woody Allen e Alexander Payne haviam ganho antes os respectivos prêmios do sindicato dos roteiristas como Roteiro Original e Roteiro Adaptado. Allen havia ganho também o Critics Choice Awards e o Globo de Ouro de Melhor Filme, enquanto que Payne levou o Globo de Ouro e o National Board of Review de Melhor Roteiro. Este foi o segundo Oscar de Alexander Payne – havia ganho antes por Sideways (2005) – e o quarto de Woody Allen, sendo o terceiro nesta categoria – fora premiado antes por Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1978) e por Hannah e suas Irmãs (1987).
Millennium – Os Homens que não Amavam as Mulheres e Os Muppets
O sucesso da visão de David Fincher para o primeiro episódio da trilogia Millennium, que consegue se destacar mesmo diante das bem sucedidas versões suecas, já indicava que o filme não deveria sair de mãos abanando. E isso se confirmou com a vitória em Melhor Edição. Da mesma forma que os adorados Os Muppets também deveria ser recompensados, premiados em Melhor Canção e derrotando os brasileiros Carlinhos Brown e Sergio Mendes. Infelizmente!
Undefeated, Saving Face, The Shore e The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore
Melhor Documentário – Longa, Documentário – Curta, Curta-metragem e Curta de Animação. Ninguém os viu no Brasil, e muito provavelmente poucos os verão. Previsíveis? Surpresas? Quem sabe?
Injustiças
Brad Pitt: com dois filmes – A Árvore da Vida e O Homem que Mudou o Jogo – entre os melhores do ano e duas atuações arrebatadores, saiu de mãos abanando, assim como seus filmes. Uma pena.
Harry Potter: a saga mais bem sucedida da história do cinema chegou ao seu término sem ganhar um único Oscar. Perdeu nas três indicações técnicas a que concorria, e havia quem acreditava que Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 deveria ter concorrido até a Melhor Filme!
Wim Wenders: o grande realizador alemão, de filmes emblemáticos como Asas do Desejo (1987) e Paris, Texas (1984), recebeu neste ano sua segunda indicação ao Oscar, e novamente como Melhor Documentário, e mais uma vez perdeu. A primeira foi pelo ótimo Buena Vista Social Club (1999), e agora por Pina. Não gostam mesmo dele…
Steven Spielberg: com dois excelentes filmes lançados no final do ano passado – Cavalo de Guerra e As Aventuras de Tintim – teve que se contentar com poucas indicações (a maioria técnicas) e saiu sem levar nenhuma. Muito ruim para o homem que já foi considerado o Midas de Hollywood.
George Clooney: ele havia ganho o National Board of Review e o Globo de Ouro de Melhor Ator por Os Descendentes e, até algumas semanas atrás, era considerado o favorito. E disputava ainda como roteirista, por Tudo Pelo Poder. Não levou nenhuma.
Confira a Lista Completa de vencedores do Oscar 2012:
FILME: O Artista
DIREÇÃO: Michel Hazanavicius, por O Artista
ATOR: Jean Dujardin, por O Artista
ATRIZ: Meryl Streep, por A Dama de Ferro
ATOR COADJUVANTE: Christopher Plummer, por Toda Forma de Amor
ATRIZ COADJUVANTE: Octavia Spencer, por Histórias Cruzadas
ROTEIRO ORIGINAL: Meia-Noite em Paris (Woody Allen)
ROTEIRO ADAPTADO: Os Descendentes (Alexander Payne, Nat Faxon, Jim Rash)
ANIMAÇÃO: Rango, de Gore Verbinski
FILME ESTRANGEIRO: A Separação, de Asghar Farhadi (Irã)
FOTOGRAFIA: A Invenção de Hugo Cabret (Robert Richardson)
MONTAGEM: Millennium – Os Homens que não Amavam as Mulheres (Angus Wall, Kirk Baxter)
DIREÇÃO DE ARTE: A Invenção de Hugo Cabret (Dante Ferretti, Francesca Lo Schiavo)
FIGURINO: O Artista (Mark Bridges)
MAQUIAGEM: A Dama de Ferro (Mark Coulier, J. Roy Helland)
TRILHA SONORA: O Artista (Ludovic Bource)
CANÇÃO: Os Muppets (“Man or Muppet”, de Bret McKenzie)
SOM: A Invenção de Hugo Cabret (Tom Fleischman, John Midgley)
EDIÇÃO DE SOM: A Invenção de Hugo Cabret (Philip Stockton, Eugene Gearty)
EFEITOS VISUAIS: A Invenção de Hugo Cabret (Robeert Legato, Joss Williams, Ben Grossmann, Alex Henning)
DOCUMENTÁRIO: Undefeated, de Daniel Lindsay, T.J.Martin
CURTA – DOCUMENTÁRIO: Saving Face, de Daniel Junge, Sharmeen Obaid-Chinoy
CURTA – ANIMAÇÃO: The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore, de William Joyce, Brandon Oldenburg
CURTA-METRAGEM: The Shore, de Terry George, Oorlagh George
Cobertura completa do Oscar 2012 no Papo de Cinema:
Nossas apostas para o Oscar 2012
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