Nascido no dia 05 de abril de 1916 na Califórnia, EUA, o jovem Eldred Gregory Peck logo sentiu as dificuldades da vida. Filho de um farmacêutico e de uma dona de casa, viu seus pais se separarem quando tinha apenas cinco anos de idade e, por causa disso, teve que ir morar com a avó. Esse fato triste, no entanto, acabou revelando um lado positivo, pois foi essa senhora que o apresentou àquela que seria sua maior paixão: o cinema. Uma de suas mais antigas memórias era de acompanhá-la para assistir a filmes como O Fantasma da Ópera (1925) – o que o obrigou a ter que dormir de luz acesa naquela noite, de tão impressionado que havia ficado. Essa relação começaria ali e se estenderia por toda sua vida, consagrando-o como um dos maiores astros que Hollywood já viu.
Apesar de ter iniciado os estudos de Medicina, em seguida decidiu alterar o curso para Atuação. De porte atlético e alta estatura (1,91m), sua presença sempre chamou atenção, além de muito empenho a tudo que se dedicasse. Logo após se formar na Neighborhood House, em Nova York, era possível vê-lo nos palcos da Broadway. No ano seguinte, no entanto, voltou para a costa oeste, estreando no cinema – e já como protagonista – com o drama Quando a Neve Tornar a Cair (1944). No mesmo ano estrelou o épico As Chaves do Reino (1944), pelo qual recebeu sua primeira indicação ao Oscar – perdeu para Ray Milland, por Farrapo Humano (1945). Foi este personagem, no entanto, que definiu as características cênicas pelas quais se tornaria conhecido: integridade, retidão, decência e honestidade.
Sua primeira grande parceria profissional foi com o mestre Alfred Hitchcock, no thriller Quando Fala o Coração (1945), em que interpretava uma vítima de amnésia acusada de assassinato. Ao longo de sua carreira trabalharia também com cineastas renomados como Elia Kazan, Henry King e John Huston, entre outros. O faroeste Virtude Selvagem (1946), o drama A Luz é Para Todos (1947) e a aventura de guerra Almas em Chamas (1949) também lhe renderam novas indicações ao Oscar – sem sucesso, entretanto. Foi preciso esperar mais de uma década para, finalmente, ser agraciado com a cobiçada estatueta dourada. O prêmio veio por O Sol é Para Todos (1962), em que interpretava um advogado branco que defendia um homem negro injustamente acusado de estupro. O longa, baseado no livro de Harper Lee, foi um grande sucesso, e seu personagem, Atticus Finch, ficou de tal forma incrustado na cultura pop norte-americana que em 2003 – mais de quarenta anos após seu lançamento – foi eleito o maior herói do cinema pelo American Film Institute, superando os populares Indiana Jones (#02) e James Bond (#03).
Tendo praticamente apenas grandes trabalhos em seu currículo, muito no começo de sua vida artística Peck tomou a decisão de apenas se envolver com projetos que lhe interessassem, rompendo com as decisões aleatórias dos chefes dos grandes estúdios. Foi assim que conseguiu atuar também como produtor e investir em filmes que possibilitassem o surgimento de outras estrelas, como A Princesa e o Plebeu (1953) – primeiro longa-metragem de Audrey Hepburn, pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Atriz – e Os Canhões de Navarone (1961), que se consagrou como o maior sucesso de bilheteria daquele ano nos Estados Unidos.
Com o passar do tempo as ofertas foram diminuindo, mas não o seu interesse em seguir na ativa. Após a recusa de Charlton Heston, aceitou o papel principal no thriller de horror A Profecia (1976), de Richard Donner, ainda que tivesse sido obrigado a reduzir o seu salário habitual para o valor da tabela do sindicato dos artistas. Como contraponto, aceitou receber um percentual do retorno das bilheterias. A consequência foi que este se tornou seu filme mais lucrativo, pois arrecadou mais de US$ 60 milhões apenas no mercado doméstico. Outra aposta certeira foi quando inverteu as expectativas e concordou em interpretar o monstruoso Dr. Josef Mengele no cultuado Meninos do Brasil (1978), em que atuou ao lado de Laurence Olivier.
Sua relação com o nosso país não parou por ali. Duas décadas depois, se tornou um dos maiores lobistas a favor da campanha de Fernanda Montenegro ao Oscar de Melhor Atriz por Central do Brasil (1998) – tendo chegado inclusive a escrever uma carta à grande dama do cinema nacional elogiando sua performance. Outra causa que defendeu com afinco foi a indicação de um desenho animado em longa-metragem à categoria principal do Oscar. Admirador confesso de Walt Disney, assumiu certa vez que um dos seus maiores arrependimentos foi nunca ter participado de uma produção do estúdio. No entanto, durante os anos em que foi presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (1967-1970), se empenhou particularmente nesta proposta, principalmente com o lançamento de Mogli: O Menino Lobo (1967), que viria a se tornar um dos seus filmes favoritos. Mesmo sem ter tido sucesso na época, viu essa realidade se concretizar mais de vinte anos depois com a indicação de A Bela e a Fera (1991) como Melhor Filme – o primeiro longa do gênero a alcançar tal reconhecimento.
De forte atuação política por toda sua carreira – foi um dos principais oponentes aos republicanos Richard Nixon e Ronald Reagan – Peck era uma ativista ferrenho pelos direitos dos negros, dos homossexuais, em manifestações de conscientização sobre a AIDS, em protestos contra a guerra, pelos direitos civis e dos trabalhadores. Amigo pessoal de Michael Jackson, marchou ao lado de Martin Luther King e sempre se manteve fiel aos colegas – após a morte de Ava Gardner, foi ele que assumiu as contas e os empregados da atriz. Apesar de ter feito alguns telefilmes depois, sua última aparição nas telonas foi em Cabo do Medo (1991), refilmagem comandada por Martin Scorsese do suspense O Círculo do Medo (1962), no qual ele próprio havia atuado quase trinta anos antes. Foi uma homenagem singela, à altura do seu imenso talento. E no dia 12 de junho de 2003, aos 87 anos, Gregory Peck deu seu adeus definitivo, vítima de complicações respiratórias consequentes de uma forte pneumonia. Mas sua obra e legado seguem presentes, como um dos registros mais inestimáveis da sétima arte.
Filme imprescindível: O Sol é para Todos (1962)
Filme esquecível: Com o Dinheiro dos Outros (1991)
Maior sucesso de bilheteria: A Conquista do Oeste (1962)
Primeiro filme: Quando a Neve Tornar a Cair (1944)
Último filme: Cabo do Medo (1991)
Guilty pleasure: A Profecia (1976)
Papel perdido: Vovô Joe, em A Fantástica Fábrica de Chocolate (2005). Infelizmente, o ator morreu antes do início das filmagens. Porém, ainda mais marcante foi ter recusado o papel de Will Kane, que posteriormente renderia um Oscar a Gary Cooper como protagonista de Matar ou Morrer (1952)
Oscar: Premiado como Melhor Ator por O Sol é para Todos (1962), teve outras quatro indicações na categoria principal e ganhou o Prêmio Humanitário Jean Hersholt em 1968
Frase inesquecível: “Apenas me parece bobo que se precise lutar por algo tão correto e simples”, ao apresentar a cerimônia de premiação da Aliança Gay e Lésbica Contra Difamação (GLAAD), em 1997, sobre os direitos dos homossexuais
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