Temporada de premiações em Hollywood é pontuada por protestos contra o governo
Não estou ansiosa para ver faltarem braços para a equipe de La La Land: Cantando Estações (2016) carregar seus troféus – tampouco estou doida para ler o interminável debate entre lovers e haters do filme. Não quero saber das bem-vestidas ou dos trajes que mais combinariam com um desfile da Sapucaí – pois sempre tem modelito exótico. Não me interessa se Leonardo DiCaprio vai levar a mãe ou a namorada, ou se Viggo muso Mortensen vai avec ou alone na festa. Não quero saber do glamour.
O que realmente importa na cerimônia de entrega do Oscar este ano são os protestos. Pois podem faltar o tapete vermelho ou as mini estatuetas de chocolate preparadas pelo chef Wolfganf Puck… mas não tem Oscar sem protesto. E este ano promete!
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O teaser foi dado por Meryl Streep e as ofuscantes pedrarias do seu chique traje na entrega do Globo de Ouro. Num discurso firme, sem mencionar o nome do destinatário uma vez sequer, ela avisou que medidas totalitaristas não passarão e fez um apelo em prol da liberdade criativa e de imprensa.
A pedra que o novo presidente norte-americano colocou nos stilettos de Hollywood são várias. Uma delas é a ordem executiva proibindo cidadãos de sete países de entrar nos EUA. Medida que já dói no bolso dos estúdios: em plena pilot season, temporada de gravação de pilotos de séries, produções enfrentam incertezas ao contratar elenco e equipe estrangeiros.
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E não é apenas uma questão de grana. A indústria do cinema em geral é simpática a causas humanitárias, plurais e progressistas. No SAG Awards, premiação do Sindicato dos Atores, Ashton Kutcher abriu a festa mandando um abraço para viajantes detidos nos setores de imigração dos aeroportos por causa do decreto presidencial: “Vocês são parte da nossa essência, os amamos e os acolhemos”.
A cerimônia do Producer Guild Awards, o Sindicato dos Produtores, também foi pontuada por protestos contra Trump. O músico John Legend, do elenco de La La Land, foi direto: “Eu rejeito sua visão e afirmo que a América tem que ser melhor que isso”.
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Um dos países afetados por essa ordem executiva é o Irã, terra do cineasta Asghar Farhadi. Ele já tem um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por A Separação (2011) e concorre este ano na mesma categoria com O Apartamento (2016). Avisou que não vai na cerimônia, assim como a protagonista Taraneh Alidoosti, que usou o Twitter para condenar uma medida “racista”.
Eu iria. Usaria um traje lindamente típico e aproveitaria o holofote para dar meu recado. É o que as estrelas do cinema tem feito há anos. Símbolos discretos como laços de fitas ou flores simbolizando uma causa com frequência se misturam a diamantes e lenços de seda no figurino delas.
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Algumas causas são globais, outras mais pontuais. Nos anos 1990, lacinhos de fita vermelha chamaram atenção para a prevenção da AIDS. Em 2014, laços pretos celebraram a assistente de câmera Sarah Jones. Morta num acidente durante uma filmagem, ela não foi incluída na montagem de homenagens póstumas do Oscar, que é reservada a estrelas do primeiro escalão.
No ano passado, a atriz Eva Longoria sugeriu que fitas marrons fossem usadas para representar os latinos, tão desmerecidos nas premiações. O ato pegava carona no protesto contra a falta de negros entre os indicados pela Academia de Cinema, cuja maioria dos votantes é branca e masculina. A campanha mobilizou as redes com a hashtag #OscarSoWhite.
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O mea-culpa e a mobilização surtiram efeito: este ano quatro atrizes e três atores de cor estão indicados. É uma batalha antiga… Uma autorização especial foi necessária para que a primeira atriz negra a receber um Oscar pudesse participar da festa realizada em um hotel segregado. E ela sentou a uma mesa segregada, no fundo do salão. Era Hattie McDaniel, premiada em 1940 pelo papel da espevitada Mammy em …E O Vento Levou (1939).
Em 2015, outro debate necessário foi incentivado via Internet. A hashtag #AskHerMore combateu o machismo e sugeriu que repórteres no tapete vermelho perguntem mais para as atrizes além de “quem você está vestindo hoje?”, referência aos designers que disputam a tapa as valiosas modelos.
Nas próximas semanas, pode cuidar, teremos o anúncio de muitas iniciativas como essas. Um exemplo? A United Talent Agency, que entre tantos grandes de Hollywood agencia o iraniano Farhadi, decidiu cancelar sua tradicional festa pós-Oscar e doar 250 mil dólares para organizações que protegem direitos civis nos EUA.
Depois do tapete vermelho e das redes, há o palco do Teatro Dolby, que é um palanque único! Pense na audiência que acompanha a festa ao vivo. Pense na repercussão nas redes sociais. Nas manchetes do dia seguinte.
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Leonardo DiCaprio pensou nisso tudo ao agradecer pelo Oscar de Melhor Ator conquistado com O Regresso (2015) para falar da causa da qual é militante. “Tivemos que mudar a produção para o extremo sul do planeta a fim de encontrar neve. A mudança climática é real, está acontecendo agora. É a ameaça mais urgente para nossa espécie; precisamos agir coletivamente e parar de procrastinar.”
Mais de uma década antes de DiCaprio, o documentarista Michael Moore usou o mesmo espaço para ecoar o que vinha acontecendo nas ruas de todos os Estados Unidos: os protestos contra as guerras no Iraque e no Afeganistão. Ao receber seu Oscar por Tiros em Columbine (2002), criticou o presidente da época gritando “Shame on you, Mister Bush” (Que vergonha, senhor Bush!) enquanto a orquestra tocava elegantemente avisando que seu tempo de discurso havia acabado.
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Aquele Oscar de 2003 foi boicotado por algumas estrelas, marcado por protestos (muitos convidados usaram um pin representando a pomba da paz) e por um fortíssimo esquema de segurança no tapete vermelho. Eu acompanhei ali perto, cobrindo uma manifestação numa avenida paralela à Hollywood Boulevard. Manifestantes fantasiados como personagens de filmes carregavam cartazes, bandeiras, e faziam muito barulho.
(Do caderninho da repórter: manifestação nos EUA tem que ter local definido e hora marcada para começar e terminar, só que nesse dia um grupo insistiu em permanecer na rua mesmo depois do horário combinado. “Bem, vamos ver até onde vai isso”, pensei. E fiquei. A polícia nos conduziu pelo bairro de maneira muito sutil, até que fomos encurralados num beco. Ficamos um bom tempo de castigo, sendo liberados aos pares).
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Enquanto isso, lá estava Michael Moore bradando com seu Oscar: “Vivemos em tempos fictícios, após uma eleição fictícia, com um presidente fictício. Vivemos numa época em que um homem nos manda para a guerra por razões fictícias. Somos contra essa guerra, Senhor Bush!”.
Obviamente, Moore continua ativíssimo em sua oposição, discursando no Twitter e nas ruas de Nova York contra o novo ocupante da Casa Branca.
Tempos fictícios, tempos de “fatos alternativos”…
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A propósito, vale a pena seguir nas redes o ativismo de atores como Mark Ruffalo. Engajado, ele tem apoiado a tribo Sioux de Standing Rock, na Dakota do Norte, que seria afetada pela construção de um gasoduto. Um projeto que, depois de muitos protestos, Obama vetou… e que agora Trump quer retomar. Hulk não esta gostando nada disso.
O que o atual hóspede da Casa Branca esqueceu é que comprar uma briga com Hollywood é mais do que peitar os caras que têm poderes sobre-humanos nas telas. É comprar briga com gente que tem o eficientíssimo star power. E isso não é pouca coisa.
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