Os filmes de Woody Allen são notoriamente reconhecidos por possuírem um texto inteligente, rápido e afiado. Seu humor é perspicaz, e suas tramas geralmente incluem muita discussão, sempre privilegiando a conversa à ação. Mas o que pouca gente percebe é seu incrível talento com atores – afinal, como ele mesmo afirma, ‘para se ter boas atuações em um filme mais da metade dessa habilidade reside em escolher as pessoas certas para os seus personagens’. E ele, de fato, possui um olhar bastante preciso. Seu mais recente trabalho, Blue Jasmine (2013), ganhou o Oscar 2014 como Melhor Atriz (Cate Blanchett) e foi indicado a Melhor Atriz Coadjuvante (Sally Hawkins), feito que mais de uma dezena de intérpretes já alcançaram ao trabalhar com o cineasta – a maioria, é preciso destacar, em papéis femininos. É por isso que, embalado pelo feito deste ano, decidimos apontar quais são as dez melhores atuações femininas dirigidas por Allen, tendo como campo de abrangência apenas aquelas que foram indicadas ou premiadas no Oscar – o que eliminou, por exemplo, as parcerias dele com Mia Farrow ou com Scarlett Johansson. Confira abaixo a favorita – por ordem cronológica, e não de preferência – de cada um dos críticos do Papo de Cinema, com as dez melhores mulheres criadas pelo genial Woody Allen!
Diane Keaton, em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), por Marcelo Müller
No original, Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, título nacional pra lá de bizarro, se chama Annie Hall. O nome verdadeiro de Diane Keaton, uma de suas protagonistas, é Diane Hall, Annie para os íntimos. Isso de alguma maneira já sinaliza que, por mais que Woody Allen seja, de fato, o protagonista, o narrador, a personagem de Keaton é a base afetiva mais importante do filme, pois o envolvimento com ela representa um capítulo decisivo e, portanto, inesquecível na vida desse humorista judeu e divorciado. Assim como Alvy, Annie é cheia de questões, elucubrações filosófico/existencialistas/cotidianas responsáveis por torná-la distante de suas antepassadas achatadas pelo machismo que as relegavam muitas vezes quase à insignificância. Annie Hall se vestia de maneira esquisita para os padrões, opinava, batia de frente com o namorado, discutia abertamente sua vida sexual, ou seja, representava no final dos anos 1970 os frutos da revolução ocorrida nos anos 1960, na qual a mulher ganhou perspectiva. Diane Keaton não apenas emprestou o nome ao filme, mas algo de sua própria personalidade, até onde se sabe.
Premiada como Melhor Atriz em 1978
Geraldine Page, em Interiores (1978), por Renato Cabral
Em Interiores, três irmãs têm suas vidas tiradas da zona de conforto quando seus pais decidem se divorciar. A mãe, porém, depois do divórcio, ainda acredita que há a possibilidade de reatar com o ex-marido, e isso a levará às últimas consequências psicológicas. Em seu primeiro drama, Woody Allen entrega um belo filme bergniano no qual é destacável a atuação da sempre excepcional Geraldine Page como a mãe das garotas. Indicada ao Oscar pelo filme, a atriz traz na instável Eve uma delicadeza e uma riqueza de detalhes, gestos e ações que refletem uma mulher que, sem superar o passado, não consegue prosseguir com sua história. Com isso, se prende em redecorar seu espaço e o de suas filhas e dar pitacos em tudo. Até o dia em que descobre que seu ex-marido está namorando uma outra mulher e tudo começa a desandar. Certamente um dos melhores filmes de Allen e uma das maiores atuações que já passaram pelo cinema do cineasta nova-iorquino.
Indicada como Melhor Atriz em 1979
Mariel Hemingway, em Manhattan (1979), por Rodrigo de Oliveira
Manhattan é um dos mais bem sucedidos filmes de Woody Allen. A produção levou duas indicações ao Oscar, venceu o BAFTA de Melhor Filme e o César como Melhor Longa-Metragem Estrangeiro. Nem por isso o cineasta gosta muito do resultado, quase o engavetando na época do lançamento. Difícil entender, dada as qualidades evidentes da produção. Com um elenco cheio de nomes interessantes, quem ganha destaque é a jovem Mariel Hemingway que, por incrível que pareça, encarna uma das personagens mais maduras da trama. Vivida com doçura pela atriz, Tracy mostra que ter o coração no lugar não é algo apenas para pessoas mais velhas. Apaixonada por um homem que teria idade para ser seu pai, a garota faz de tudo para conquistar o coração de Isaac (Woody Allen), mas percebe que seu namorado nunca a leva a sério por conta da idade. Hemingway emociona na cena em que é dispensada pelo namorado, em uma performance de cortar o coração. Certamente, sua lembrança ao prêmio da Academia se explica, principalmente, por causa daquela singela cena, realizada com precisão pela jovem Mariel – que viria a trabalhar novamente com o diretor apenas em Desconstruindo Harry (1997).
Indicada como Melhor Atriz Coadjuvante em 1980
Dianne Wiest, em Hannah e suas Irmãs (1986), por Danilo Fantinel
O rosto delicado, a voz meiga e a postura clássica de Dianne Wiest são perfeitos para Holly, uma das irmãs de Hannah (Mia Farrow) no filme lançado por Woody Allen em 1986. A mais frágil e volúvel das três mulheres que formam o núcleo dramático e narrativo do longa, Holly vê a si mesma de forma distorcida a partir da ótica alheia. Enxerga-se como uma clássica perdedora, desacreditada pela família, sem objetivos claros, sem projetos definidos, incapaz de realizar algo de concreto – como ser aprovada em audições do showbiz. Romântica e livre, Holly vislumbra um futuro brilhante no mundo literário e, ao revelar em texto certos segredos familiares, acaba colocando em evidência pequenas fissuras e laços emotivos que antes pareciam imperceptíveis. A instabilidade geral da personagem cessa não apenas quando encontra o amor, mas principalmente quando tem na figura do marido um amigo que a reconhece como criativamente capaz. Mickey (Woody Allen) a torna parte efetiva de algo. E a natural doçura de Dianne Wiest reforça em Holly essa eterna necessidade de pertencimento que existe em todos nós.
Premiada como Melhor Atriz Coadjuvante em 1987
Judy Davis, em Maridos e Esposas (1992), por Robledo Milani
Em Maridos e Esposas, filme que ficou marcado como o último da parceria entre Woody Allen e Mia Farrow, quem realmente chama atenção no elenco é Judy Davis – outra presença constante nos filmes do cineasta, tendo aparecido em meia dezena deles. Nesse estudo sobre os relacionamentos amorosos modernos, em que casais se separam para poderem ficar juntos e outros permanecem unidos apenas para descobrir a possibilidade futura da separação, Davis é aquela que percorre o mais interessante arco dramático: no começo avisa que está se separando com um sorriso no rosto, para então surtar ao descobrir que o ex-marido rapidamente se envolveu com outra mulher. Na sequência, logo descobre os prazeres da solteirice, para enfim debater consigo mesma se deve ou não aceitar a volta do antigo companheiro para casa. Cenas como a ida para a ópera com um pretendente – precedida por uma série de telefonemas à beira de um ataque de nervos – fazem da australiana dona de um temperamento que deve ter provocado sorrisos em Almodóvar. Se o Oscar a ignorou, no BAFTA a festa foi completa: ela não só ganhou, como o fez na categoria principal. Afinal, os méritos são todos dela!
Indicada como Melhor Atriz Coadjuvante em 1993
Dianne Wiest, em Tiros na Broadway (1994), por Conrado Heoli
O ator representado no cinema geralmente é concebido a partir das excentricidades tão comuns a muitos desses artistas; sua figura é constantemente espelhada nas fragilidades, futilidades e recalques de uma profissão marcada pela egolatria e mau-caratismo. Woody Allen não foi muito além dessa concepção quando desenvolveu seus protagonistas para Tiros na Broadway, porém o brilhantismo de Dianne Wiest na construção de sua Helen Sinclair eternizou em película uma das mulheres mais cômicas e encantadoras da carreira do diretor. “Don’t speak!”, com este bordão, Wiest, que já havia trabalhado com Allen em outros quatro filmes, garantiu seu segundo Oscar como coadjuvante nesta produção, reconhecida também por sua direção de arte e fotografia sublimes, assim como por seus figurinos de época. Escolada em sua prolífica carreira como uma atriz dos palcos, Wiest deu corpo e personalidade à protagonista ideal do diretor teatral interpretado por John Cusack, com quem divide cenas excepcionais. Junto com Mia Farrow, Diane Keaton e outras musas de Woody Allen, Dianne Wiest ocupa lugar privilegiado entre tantas mulheres que compuseram a cinematografia mítica do cineasta e que colaboraram com seu reverenciado conhecimento na representação do universo feminino.
Premiada como Melhor Atriz Coadjuvante em 1995
Mira Sorvino, em Poderosa Afrodite (1995)
Por Matheus Bonez
O nome de Mira Sorvino pode ter pouca relevância no cinema atual. Porém, em 1996, a atriz estava nos holofotes ao receber o Oscar, Globo de Ouro e outras tantas premiações por sua atuação como a sensível prostituta Linda Ash, de Poderosa Afrodite, com a qual Lenny (Woody Allen) acaba tendo uma relação. Allen, mestre em tirar atuações inspiradas de seu elenco, fez com que Mira mostrasse toda a ingenuidade de sua personagem, tornando-a até um pouco ignorante em relação à vida, mas sempre otimista. Um trabalho realmente digno de premiações. O filme ainda dialoga com a tragédia grega de forma inspirada, evocando mitos como os de Jocasta e Cassandra. Uma pena que Mira teve pouco destaque desde então. Talvez seja a tão falada “maldição do Oscar” das atrizes coadjuvantes que fez a intérprete ser relegada ao limbo. Ou, apenas, decisões mal tomadas na carreira. Após Poderosa Afrodite, a atriz até conseguiu alguns bons papéis, seja na despretensiosa comédia Romy e Michele (1997), na ação Assassinos Substitutos (1998) ou no excelente, porém pouco visto, O Verão de Sam (1999). Uma pena, pois na época, Mira parecia ir longe.
Premiada como Melhor Atriz Coadjuvante em 1996
Penelope Cruz, em Vicky Cristina Barcelona (2006), por Dimas Tadeu
Não é segredo que Woody Allen gosta de dialogar com outros cineastas. Vira e mexe alguém comenta suas aproximações, até frequentes, com Bergman ou Billy Wilder, por exemplo. Mas quem poderia imaginar que um diretor de estilo relativamente sóbrio e leve pudesse, de repente, brincar de Almodóvar? É o que acontece quando, em Vicky Cristina Barcelona, Allen coloca Penélope Cruz no meio de uma já explosiva mistura: o triângulo amoroso formado entre os personagens de Rebecca Hall, Javier Bardem e Scarlett Johansson. Ensandecida, exagerada, sexy, esganiçada, violenta, estereotipada… Penelope coloca o filme em ebulição, como nem o calor de Barcelona é capaz de fazer. Materialização da mulher espanhola, ela surge como a reviravolta mais bem vinda do roteiro. Uma performance tão boa que lhe valeu o Oscar naquele ano. Se as atrizes americanas interpretam Vicky e Cristina, talvez seja justo dizer que Penelope, nesse triângulo, é a própria Barcelona.
Premiada como Melhor Atriz Coadjuvante em 2009
Sally Hawkins, em Blue Jasmine (2013), por Thomas Boeira
Cate Blanchett é a razão de ser de Blue Jasmine, sem dúvida alguma. No entanto, é inegável que ao seu lado há uma ótima atriz arrebentando em seu respectivo papel. Interpretando Ginger, a irmã de Jasmine, Sally Hawkins aparece como o completo oposto da protagonista, nos apresentando a uma mulher muito mais humilde, jovial e sensível, que tenta apoiar Jasmine mesmo que esta se sinta desconfortável em seu universo sem grandes regalias e ainda seja responsável por alguns momentos infelizes de sua vida, o que inclui o fim de seu casamento. Ginger, de certa forma, lembra um pouco Poppy, personagem que a própria Hawkins interpretou em Simplesmente Feliz (2010) e que a deixou em evidência. Com grande carisma, Hawkins não se deixa ofuscar ao longo de Blue Jasmine, protagonizando alguns grandes momentos do filme, como a discussão que ocorre entre as irmãs no terceiro ato. Sua indicação ao Oscar por esse belo trabalho serve para coroar seu talento.
Indicada como Melhor Atriz Coadjuvante em 2014
Cate Blanchett, em Blue Jasmine (2013), por Yuri Correa
Jasmine é um monstro. Jasmine também é uma vítima, fruto de seu próprio habitat, que quando inserida num cenário diferente, se torna uma figura frágil e alquebrada. Interpretando a protagonista de um filme que basicamente repete (com talento) a trama de Uma Rua Chamada Pecado (1951), Cate Blanchett vive uma complexa personagem escrita por Woody Allen; sua Jasmine é digna de pena tanto quanto passível de duras críticas. Em certo momento, ela hesita sair de um carro, claramente esperando que abrissem a sua porta, mas logo percebendo que isso não aconteceria, sai cabisbaixa do veículo, um detalhe de fundo de quadro que demonstra a afinidade aqui entre realizador e intérprete. É a postura que arruma ao atender um telefonema, o tom condescendente com que se dirige à pessoas comuns, e o choro fútil, mas sincero, da protagonista. Todos motivos para se admirar esta instigante criação de Blanchett e Allen. Pois sim, o mérito deve ser dado aos dois, já que a linha que divide o que foi responsabilidade de um e o que coube ao outro fica muito anuviada conforme acompanhamos seu cativante resultado. Queremos chacoalhá-la e gritar com ela, mas também queremos dar um abraço em Jasmine.
Premiada como Melhor Atriz em 2014
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