Domésticas são de grande importância na vida da classe média brasileira. Ainda que muitos falem dos tempos de crise, é difícil não conhecer alguém que não chame, ao menos uma vez por semana, uma faxineira para cuidar da casa. Ou ainda uma empregada que fique durante a semana inteira cuidando dos afazeres domésticos. Mas elas não são apenas trabalhadoras. São também parte da família, se envolvendo da forma mais íntima com seus patrões, seja através de desabafos ou de organizar mesmo a vida daqueles de quem cuidam. Com a estreia do premiado Que Horas Ela Volta?, drama protagonizado por Regina Casé, uma criada e sua relação com a filha que não vê desde quando esta era criança, a equipe do Papo de Cinema resolveu relembrar grandes filmes protagonizados e co-estrelados por estas ajudantes do lar. Confira!
Rebecca: A Mulher Inesquecível (Rebecca, 1940)
Em seu primeiro longa-metragem em Hollywood, Alfred Hitchcock não teve a liberdade que gozava no Reino Unido, realizando um filme com a mão pesada de um produtor, o todo poderoso David O. Selznick. Apesar disso, este foi o único assinado pelo mestre do suspense a vencer o Oscar de Melhor Filme. Na trama, uma jovem beldade (Joan Fontaine) se casa com o ricaço viúvo Maxim de Winter (Laurence Olivier) e se muda para a mansão da família do marido. Lá, ela descobre que o “espírito” da falecida continua vivo dentro da casa. Não como aparição sobrenatural, mas com sua memória ainda mantida intacta pela governanta da casa, a soturna senhora Danvers (Judith Anderson). Indicada ao Oscar por sua interpretação como coadjuvante, Anderson rouba a cena toda a vez que aparece no filme. Ela torna a vida da sua jovem nova patroa um verdadeiro inferno por mantê-la sob vigia constante, sempre fazendo comentários desabonadores e mantendo um estressante ambiente naquela residência. Mesmo sendo a nova patroa, a senhora de Winter não consegue ter voz firme o suficiente para desafiar sua empregada. Tudo isso muda quando alguns esqueletos começam a sair de dentro do armário. – por Rodrigo de Oliveira
Cinderela (Cinderella, 1950)
A história da gata borralheira é bastante conhecida. Depois da morte do pai, Cinderela se torna não apenas uma empregada, mas uma verdadeira escrava nas mãos da madrasta e das duas filhas dela. Mesmo obrigada a fazer todas as tarefas da casa, a garota não poderia ser mais amorosa e merecedora de uma vida melhor. E então temos a Fada Madrinha, sua magia que termina à meia-noite e o Príncipe apaixonado que passa a usar o sapato de cristal de Cinderela para encontra-la. Tudo isso ganhou vida na famosa animação que a Disney lançou em 1950, que até hoje mostra sua simpatia e contagia com seus números musicais. Claro que o filme ficou meio datado com o passar do tempo, e hoje em dia já não é tão interessante que uma mulher tenha como grande chance de ser feliz o amor de um príncipe que mal conhece. Mas o remake live-action lançado em 2015 tratou de atualizar a história sem sacrificar seu coração, provando que este ainda tem potencial para render bons filmes. – por Thomás Boeira
O Cheiro da Papaia Verde (Mùi du du xahn, 1993)
É difícil encontrar obras cinematográficas vietnamitas, ainda mais no circuito brasileiro de salas. Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e vencedor da Câmera de Ouro do Festival de Cannes, o longa se passa durante a Guerra da Indochina, às vésperas da Guerra do Vietnã, o diretor Tran Anh Hung utiliza os conflitos apenas como pano de fundo para contar a história de Mùi (Man San Lu), uma adolescente que vai trabalhar como criada em uma casa no Saigão. O casal dono da propriedade passa por uma eterna crise. O marido foge e volta várias vezes, limpando a poupança da família. A esposa tenta manter tudo em ordem, ao mesmo tempo em que precisa lidar com a dor da perda de uma das filhas. Justamente a que tinha a mesma idade de Mùi. Acompanhamos todos os desdobramentos desta história sob a ótica da garota, que precisa lidar não apenas com os afazeres domésticos como os conflitos familiares ao seu redor. Uma obra sensível e contemplativa que merece os aplausos que recebeu na época. – por Matheus Bonez
Domésticas (2001)
Apenas um ano antes de surpreender com Cidade de Deus (2002), o diretor Fernando Meirelles realizou aquele que seria seu “filme-teste”, por assim dizer. Um experimento no qual ele pode exercer muito do virtuosismo e da análise que pretendia aprofundar no trabalho seguinte. Em parceria com Nando Olival – que, desde então, realizou apenas o interessante Os 3 (2011) – Meirelles construiu um mosaico de situações envolvendo, como o próprio título já aponta, a vida de empregadas domésticas e suas rotinas familiares e profissionais. A partir deste foco, estabelece-se um olhar delicado e cuidadoso a respeito da própria situação social do país, um lugar em que mulheres fazem todo o esforço apenas para manter a ordem do dia, muitas vezes em funções sem o devido crédito. Do elenco numeroso destacavam-se vários nomes, como Gero Camilo, Robson Nunes e, principalmente, Graziela Moretto – que voltaria a repetir a parceria com o cineasta no longa seguinte. São cinco batalhadoras que sofrem, lutam, se cansam, dão o melhor de si e impressionam pela sinceridade do relato apresentado. É um longa de ficção, que fique claro, mas poderia ser tranquilamente um documentário, graças ao olhar nada glamourizado da profissão e à entrega de todos os artistas envolvidos. – por Robledo Milani
Os Outros (The Others, 2001)
Arrepiante longa-metragem de suspense e horror dirigido por Alejandro Amenábar, Os Outros traz Nicole Kidman ao papel central de uma trama que, apesar de simples, se revela densa em sua atmosfera. Grace é a mãe de duas crianças portadoras de uma rara doença que as fazem extremamente sensíveis a luz do sol. Nenhuma janela deve ser descortinada e nenhuma porta aberta sem que a anterior seja trancada, explica ela aos novos empregados que contrata para ajudá-la. Não demora, porém, que a sua nova governanta, a Sra. Mills (Fionnula Flanagan), comece a entrar em conflito com a patroa devido às rigorosas exigências em relação às crianças. Gentil e, ao mesmo tempo, sombria, Flanagan constrói o contraponto da austeríssima protagonista de Kidman com um equilíbrio perfeito para sugerir a dubiedade de suas intenções. Seria ela realmente uma boa pessoa tentando ajudar? Ou alguém pretendendo fazer algum mal àquela família? O final, cheio de tensão, revela os segredos sobre as duas em uma reviravolta surpreendente graças à condução inteligente de Amenábar, que subverte a expectativa do espectador e consegue usar um clichê a seu favor. Coisa que o filme faz várias vezes, invocando sustos quando menos se espera que eles surjam. – por Yuri Correa
O Segredo de Vera Drake (Vera Drake, 2004)
Vera Drake (Imelda Staunton) é uma mulher dedicada e carinhosa, que cuida com zelo de seu marido e filhos, na Londres dos anos 50. Para ajudar no sustento de seu lar, Vera trabalha como empregada doméstica em diversas casas, mas também mantém outra atividade, da qual sua família não possui conhecimento, realizando abortos ilegais em jovens necessitadas. Quando o segredo é descoberto pela polícia, a reputação ilibada da personagem é colocada à prova, e seu mundo, aparentemente sólido, começa a ruir. O cineasta Mike Leigh volta a trabalhar o universo da classe operária britânica, através de um tema tabu e complexo, criando uma atmosfera densa e colocando o espectador a uma proximidade quase tátil do drama de sua protagonista. Sem buscar caminhos fáceis ou apelar para o panfletarismo, Leigh instiga o público a refletir sobre os dilemas morais de Vera, atingindo um resultado impactante ao contrastar a doçura inicial da personagem à crueza de seus atos perante a visão da lei. Mas a grande força do longa é mesmo Imelda Staunton, com uma atuação poderosa e magnética, que lhe valeu uma indicação ao Oscar, além do prêmio de atriz em Veneza, onde o filme também levou o Leão de Ouro. – por Leonardo Ribeiro
Babel (2006)
Antes mesmo de levar para casa o Oscar por Birdman (2014), o mexicano Alejandro Gonzalez Iñarritu ganhou projeção internacional por conta dos filmes-coral criados em parceria com o roteirista Guillermo Arriaga. Fechando a trinca dessas obras próximas estruturalmente, temos o longa cujo elenco é encabeçado por Brad Pitt e Cate Blanchett, atores que vivem um casal de norte-americanos viajando pelo Marrocos. A mulher é baleada e este incidente impacta a vida de muitos, não apenas dos que são caros e/ou chegados. Uma das afetadas é a empregada do casal, a babá que leva os filhos deles para sua terra-natal, o México. Iñarritu declarou na época do lançamento que essa personagem está lá para justificar uma abordagem que lhe é muito importante: a fronteira entre México e Estados Unidos. Interpretada por Adriana Barraza, a latina que, como tantos, tenta a sorte na parte abastada da América, seduzida pelas promessas de uma nação autoproclamada “a terra das oportunidades”, carrega consigo os filhos dos patrões a uma festa de casamento. O rancor que motiva o deslocamento expõe tensões e problematiza, ainda que não de maneira tão aprofundada quanto possível, os componentes da sempre polêmica questão imigratória. – por Marcelo Müller
A Criada (La Nana, 2009)
Produção chilena do diretor Sebastian Silva, A Criada é uma história centrada em Raquel, empregada da família Valdez por 23 anos. Depois de tanto tempo, a idade chegou para a nossa protagonista. As condições pesaram e ela realmente já não possui a mesma resistência física e paciência para certos aspectos do trabalho, mesmo que negue firmemente. Como forma de tirar um pouco do peso das atividades, a matriarca da família decide contratar uma assistente para Raquel. Mas ela não aceitará essa sua nova colega assim tão fácil e fará de tudo para que ela suma da casa dos Valdez. Protagonizado pela excepcional Catalina Saavedra, a atriz dá o tom necessário a uma pessoa que passou por bons bocados através de um semblante fechado que reflete o isolamento. Solitária, sem parentes e com dificuldades de criar uma vida além do trabalho e dos Valdez, é chegado o momento de Raquel descobrir o seu verdadeiro lugar no mundo, além da casa e da vida dos patrões. – por Renato Cabral
Histórias Cruzadas (The Help, 2012)
Skeeter (Emma Stone) é uma jornalista branca que retorna ao sul norte-americano dos anos 1960 e começa a se indignar com a forma como as empregadas negras são tratadas pelas patroas – boa parte, amigas de infância da protagonista. Ela consegue que Aibileen (Viola Davis) comece a dar depoimentos escondida, logo convencendo outras amigas a fazer o mesmo, até a revoltada Minny (Octavia Spencer). O resultado é um livro sobre a situação degradante das domésticas, um soco na cara da comunidade racista. Apesar de ter sido indicado a Melhor Filme, a performance tocante de Viola ser lembrada entre as concorrentes a Melhor Atriz e Octavia ter arrebatado o prêmio de Atriz Coadjuvante, o longa dividiu opiniões por sua condução correta e, especialmente, por se tratar de “mais uma produção em que negros precisam ser ajudados por brancos para serem ouvidos”. Skeeter, na verdade, é apenas um suporte, não a heroína. A verdadeira voz por trás das “histórias cruzadas” do título brasileiro são as empregadas, que sofrem ataques ora velados, ora bem explícitos de racismo. E talvez isto incomode mais. Saber que pessoas, apenas por ser de uma outra raça, eram (e ainda não, na verdade) tratadas de forma degradante por conta do tom de pele. Algo que o longa, independentemente de sua qualidade artística, retrata muito bem e de forma acessível ao espectador. – por Matheus Bonez
Doméstica (2012)
Antes de migrar para o cinema ficcional com o magistral Ventos de Agosto (2014) e no ainda inédito Boi Neon (2015), o pernambucano Gabriel Mascaro era apontado como um dos mais promissores documentaristas do cinema brasileiro recente, recebendo inclusive comparações elogiosas com o imortal Eduardo Coutinho. Dedicado às reflexões (des)humanas e sociais em sua obra como artista visual, Mascaro já havia apontado suas objetivas para a desigualdade social nos filmes Um Lugar ao Sol (2009) e Avenida Brasília Formosa (2010), mas seu êxito é ainda mais pungente no recorte original de Doméstica (2012). Abdicando de parte importante do processo de criação e da linguagem cinematográfica, Mascaro entregou câmeras para sete adolescentes com a missão de que estes filmassem as empregadas domésticas de suas casas durante uma semana. Com a edição do material bruto, o resultado é um retrato íntimo e delicado sobre temas como intimidade, afeto e relações de poder, com ênfase em questões sérias e ainda contemporâneas, como ineqüidade de gênero, raça e classes sociais. Extremamente exitoso em suas pretensões, Mascaro ratifica a cada trabalho o mérito de ser um jovem cineasta para se acompanhar nas primeiras filas, seja na ficção ou no documentário. – por Conrado Heoli
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