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Top 10 :: Festival de Brasília

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Acontece na Capital Federal a 48ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o evento mais antigo do país dedicado à produção nacional. Entre mostras cinematográficas, seminários, oficinas, debates e lançamentos de livros, o evento que tem como seu cartão de visitas o Troféu Candango já premiou mais de 50 filmes em suas 48 edições. Que tal relembrarmos alguns deles que marcaram história? A equipe do Papo de Cinema selecionou dez destes grandes títulos, mas é claro, alguns tiveram que ficar de fora. Porém, que tal lembrarmos, ou ainda, assistirmos pela primeira vez grandes produções que podem ter passado despercebidas pelos cinemas brasileiros? Confira a nossa lista!

 

O Bandido da Luz Vermelha (1968)
O protagonista é um meliante que arromba propriedades alheias utilizando técnicas sofisticadas e, não raro, possui suas vítimas depois de longas conversas. O espólio é gasto com extravagância, geralmente na companhia da namorada, Janete Jane (Helena Ignez). A característica luz vermelha é usada pelos radialistas para identificar publicamente esse bandido que toca o terror na Pauliceia Desvairada em plenos anos 1960. Valendo-se de diversas linguagens, importando a contundência narrativa dos plantões radiofônicos, o cineasta Rogério Sganzerla faz um filme policial bastante incomum, mostrando toda sorte de personagens terceiro-mundistas no caminho do protagonista interpretado por Paulo Villaça.  “Eu sei que fracassei. Minha mãe tentou me abortar pra eu não morrer de fome. Nasci assim e quem tiver de sapato não sobra.”,”O terceiro mundo vai EXPLODIR! Quem tiver de sapato não sobra, NÃO PODE SOBRAR, NÃO PODE SOBRAR!”,  são algumas das sentenças-bomba do veemente discurso político-social contido no longa. Maior expoente do chamado Cinema Marginal, foi aclamado no Festival de Brasília em 1968, sendo visto hoje como um dos filmes brasileiros mais importantes e complexos (sem perder a inclinação popular) de todos os tempos. – por Marcelo Müller

 

Xica da Silva (1976)
Passado na época do Brasil Colônia, o longa de Cacá Diegues baseado no romance Memórias do Distrito de Diamantina, de João Felício dos Santos, se foca na figura daquela que seria conhecida como a escrava mais famosa de terras tupiniquins. Xica da Silva (Zezé Motta) é sedutora, lasciva, até estereotipada devido à beleza e sexualidade que exala. O diretor aproveita esta veia sensual para transformar a história numa comédia de costumes e crítica social  que remete ao racismo ainda existente hoje em dia. Afinal, Xica pode ter sido alforriada graças à paixão cega do Contratador João Fernandes de Oliveira (Walmor Chagas), mas respeito da sociedade (branca) ela não tinha. A produção foi feliz em pegar o início da abertura no regime militar, com filmes fugindo um pouco da estética do Cinema Marginal e do Cinema Novo, partindo para uma linguagem mais popular. Mas convenhamos: falar de alguém que quer ser livre em pleno anos 1970 é um tapa de luva de pelica na ditadura, ainda que de leve. Apesar de hoje ser muito criticado por ser mais comédia que drama e dar mais voz ao sexo do que qualquer outra coisa, Xica da Silva toca em temas pertinentes à sociedade, seja ela de séculos atrás ou na contemporaneidade. – por

 

A Hora da Estrela (1985)
Antes da possível indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro para Que Horas Ela Volta? (2015), de Anna Muylaert, a última vez que um filme dirigido por uma mulher teve essa chance foi há 30 anos com A Hora da Estrela, drama que marcou a estreia de Suzana Amaral como cineasta. Ambas as produções dialogam sobre temas que permanecem muito atuais, como a migração do Nordeste para São Paulo, dilemas entre classes sociais e a complexidade nas relações afetivas contemporâneas. A Hora da Estrela acabou não conquistando a indicação ao prêmio da Academia, porém saiu com três importantes láureas do Festival de Berlim e outras seis do Festival de Brasília, confirmando assim qualidades que se sobressaem na direção e roteiro seguros de Amaral e no carisma da atriz Marcélia Cartaxo. Nas desventuras de Macabéa, órfã dos pais e da tia que a criou, a atriz traduz em brilhante interpretação todos os sonhos e aspirações de uma moça simples e deslocada, abusada por todos aqueles que passam por sua vida. A poesia e feminilidade de Clarice Lispector, nas mãos hábeis de Suzana Amaral e nuances de Marcélia Cartaxo, torna esta obra uma pérola do cinema nacional, linda em tantos e amplos sentidos. – por Conrado Heoli

 

Baile Perfumado (1997)
Um filme sobre o Lampião em que o próprio não é o protagonista. Aqui, o destaque vai para o fotógrafo libanês Benjamin Abrahão (Duda Mamberti), homem de confiança de Padre Cícero e que acompanhou, nos anos 1930, os famosos cangaceiros em Juazeiro, no Ceará. Os registros, no entanto, foram proibidos pelo governo de Getúlio Vargas durante o Estado Novo. A proposta do filme de estreia de Paulo Caldas e Lírio Ferreira foi uma das mais inventivas dos anos 1990 no Brasil, com a retomada do cinema nacional já em alta. A trilha mangue beat em contraste com imagens restauradas desta época dão aquela mescla da modernidade resgatando a história, olhando não apenas o histórico violento de Lampião e seus asseclas. Com a visão estrangeira sobre o assunto (afinal, o filme é narrado pelo personagem libanês), há um retrato diferenciado sobre a intimidade dos cangaceiros e, especialmente, de seu líder, que encontra em Luiz Carlos Vasconcelos não apenas um intérprete, mas a reencarnação do próprio. – por

 

Santo Forte (1999)
Eduardo Coutinho era um documentarista essencialmente humano, característica que marcou sua filmografia. Sendo assim, em Santo Forte o cineasta não faz um filme sobre religiões, mas sim sobre pessoas que tem esse tipo de crença. Usando como ponto de partida a visita que o Papa João Paulo II fez ao Brasil em 1997, Coutinho entrevista alguns moradores de uma favela do Rio de Janeiro, entrando na humilde existência deles e focando em seus relatos sobre experiências religiosas, independentemente da religião em si, podendo esta ser católica ou umbandista. Mostrando um grande interesse em seus entrevistados, Coutinho traz histórias que, por vezes, podem ser absurdas quando vistas com algum distanciamento e ceticismo, detalhes que aqui devem ser deixados de lado, já que devemos tratar essas figuras com o mesmo respeito mostrado pelo diretor. São relatos que revelam o impacto que as religiões têm na vida dessas pessoas, sendo que o cineasta direciona sua câmera para elas com sensibilidade, realizando um longa admirável em sua riquíssima carreira. – por Thomás Boeira

 

Lavoura Arcaica (2001)
Baseado no livro de Raduan Nassar, Lavoura Arcaica traz na direção refrescante e ao mesmo tempo barroca de Luiz Fernando Carvalho, que transitva da televisão para o cinema, um dos grandes marcos do cinema nacional das últimas décadas. Na história, Selton Mello interpreta o jovem André que, decidido a fugir de sua família, cai em decadência e então retorna à sua casa. Melodramático e com uma linguagem poética forte, Carvalho transpõe para às telas a história de Nassar sem pudores. Incesto, patriarquismo e conflitos familiares estão todos lá, envoltos nesta bela estética do exagero. Vencedor de 50 prêmios ao longo de sua carreira em festivais e premiações, Lavoura Arcaica tem na excepcional fotografia de Walter Carvalho um de seus pontos mais fortes. Não é por nada que venceu o Candango nessa categoria em 2001, além de levar outros 6 prêmios, incluindo filme, ator (Selton Mello) e trilha sonora para Marco Antônio Guimarães. – por

 

Amarelo Manga  (2002)
Polêmica anda de mãos dadas com o diretor Cláudio Assis. Felizmente, o Festival de Brasília nunca teve medo de assuntos mais provocativos e logo em seu primeiro longa-metragem, Amarelo Manga , já concedeu ao diretor o principal prêmio pelo júri oficial – e não foi só isso, fechando uma trinca improvável com os prêmios do júri da crítica e do júri popular. Com roteiro de Hilton Lacerda (que depois faria o libertário Tatuagem, em 2013) e ótimo elenco, com destaques óbvios para Matheus Nachtergaele, Leona Cavalli, Dira Paes e Chico Díaz, o longa-metragem tem uma qualidade coral muito forte, com a trama sendo construída através da relação intensa dos seus personagens. Com tipos excêntricos e sem fazer concessões, Cláudio Assis causou impacto neste trabalho de estreia e mostrou que um raio pode cair duas vezes no mesmo lugar quando, em 2006, teve seu segundo filme, Baixio das Bestas (2006), exibido no Festival, vencendo novamente o prêmio principal em Brasília. Neste ano, com Big Jato, Assis pode repetir a dose e comemorar três vezes na capital do Brasil. Talento ele tem para tanto, assim como um elenco que abraça as ideias do seu diretor com gosto. – por Rodrigo de Oliveira

 

É Proibido Fumar (2007)
O cinema de Anna Muylaert repleto de crítica social e com todo um enfoque nos relacionamentos extrapessoais não é recente, apenas deu sorte de receber todos os merecidos louros internacionalmente com o maravilhoso Que Horas Ela Volta?. Nesta produção de 2009, vencedora de nove Candangos em Brasília, a diretora trata da história de uma professora de piano, Baby (Glória Pires), moradora de um prédio de classe média em São Paulo. Ela se apaixona pelo seu novo vizinho, Max (Paulo Miklos), um músico que toca na noite. O que Baby não faz ideia é que esse sentimento avassalador por Max a levará a descobrir um lado obscuro presente em si mesma, o qual nem sabia que existia. Com um elenco repleto de participações especiais como Marisa Orth e a cantora Pitty, Muylaert entrega uma ótima e ágil produção. Na trilha sonora, músicas de Caetano Veloso e Chico Buarque. No ar, a diretora deixa o espectador pensando sobre a necessidade de preencher um vício com outro. – por

 

Eles Voltam (2012)
Exibido de forma discreta como parte da mostra competitiva de ficção – naquele ano, Brasília premiava também o melhor documentário – este longa marcou a estreia de Marcelo Lordello neste formato. Mais do que isso, sua importância foi fazer parte de uma onda de produções pernambucanas de altíssima qualidade. Só na 45° edição do festival haviam ainda na disputa Boa Sorte, Meu Amor, de Daniel Aragão, Era Uma Vez Eu, Verônica, de Marcelo Gomes, e Doméstica, de Gabriel Mascaro – todos oriundos do mesmo estado. Em cena, o diretor coloca dois irmãos, aparentemente abandonados na beira da estrada, que no caminho de volta para casa acabam tomando conhecimento de uma outra realidade social, muito distante do universo protegido de classe média alta ao qual estavam inseridos. Quase um embrião de títulos consagrados como O Som ao Redor (2013) e Que Horas Ela Volta? (2015), esta é uma história que vai conquistando aos poucos, de forma humilde, mas ainda assim ambiciosa. Com pleno domínio do discurso que defende, revelou-se ser o verdadeiro Davi diante de tantos Golias. Sua vitória como Melhor Filme daquele ano – empatado com Verônica, é bom lembrar – não chegou a ser uma surpresa para quem nele prestou atenção com cuidado. – por

 

Branco Sai, Preto Fica (2014)
Com este segundo trabalho, Adirley Queirós inseriu, definitivamente, seu nome na lista dos mais interessantes diretores do cinema nacional contemporâneo. Assim como em seu elogiado trabalho de estreia, A Cidade É Uma Só? (2011), Queirós situa a ação em Brasília, transformando a capital nacional em um personagem com vida própria. Parte do tom documental também é mantida, tendo como base fatos ocorridos nos anos 80, em um baile de black music na periferia. Na ocasião, uma ação policial deixou diversos feridos, entre eles, dois dos personagens principais do longa. O terceiro protagonista da trama é um detetive do futuro, enviado de volta no tempo para investigar o caso. Se aproveitando da arquitetura brasiliense para emoldurar sua ficção científica metalinguística, Queirós realiza uma sátira política incisiva, criando um manifesto contra a segregação racial e social que ainda se faz presente na realidade brasileira, mesmo que de forma velada. Driblando as questões orçamentárias com extrema inventividade, o cineasta estabelece um tom de crítica anárquico, com ecos da subversão do Cinema Marginal dos anos 60/70. Ainda que sofra com o ritmo em seu ato central, a inquietação de Queirós gera uma obra complexa e instigante. – por Leonardo Ribeiro

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