A temática homossexual está cada vez mais presente no cinema contemporâneo. Se a televisão brasileira finalmente liberou o beijo entre duas pessoas do mesmo sexo, o casamento gay é uma realidade mundial e filmes como os franceses Um Estranho no Lago (2013) e Azul é a Cor Mais Quente (2013) frequentaram com impressionante intensidade as listas dos melhores do ano, o cinema brasileiro tem contribuído com timidez, porém persistência, neste aspecto. O último exemplo dessa intenção é o delicado Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014), que neste ano ganhou o Prêmio Teddy, dedicado a filmes que abordam questões homossexuais, no mais recente Festival de Berlim. E muitos outros títulos deverão chegar às telas nos próximos meses, mantendo um cardápio bastante diverso e atraente a todos os que se demonstram interessados num cinema de qualidade e alheio às convenções mais burocráticas. Neste sentido, a Equipe do Papo de Cinema se reuniu para eleger os dez melhores – ou mais relevantes, digamos – ‘Filmes Gays’, um termo que por si só pode ser reducionista, mas que também serve de porta de entrada para questões muito mais amplas e universais. Confira!
Festim Diabólico (Rope, 1948)
Dois “melhores amigos” cometem um assassinato na mesma noite em que são anfitriões de um jantar para vários convidados, que sequer suspeitam que os pratos serão servidos logo acima do corpo da vítima. Festim Diabólico (1948) é um dos filmes mais analisados de Alfred Hitchcock, geralmente a partir dos artifícios e técnicas do cineasta para a narrativa apresentada em apenas um plano-sequência. Em outra perspectiva está a curiosa tese que considera todo o homoerotismo implícito na relação dos protagonistas do filme. Os diálogos e postura dos personagens Brandon e Phillip são os maiores indicativos da relação dúbia que eles possuem, em especial no desafio que travam com o personagem de James Stewart a partir de investidas psicológicas carregadas de desejo e admiração. O que é evidente e confirmado na produção é a quantidade de pessoas importantes em sua realização assumidamente homossexuais, incluindo seu roteirista, o compositor da trilha sonora e um de seus protagonistas, Farley Granger, que posteriormente estrelaria outra produção hitchcockiana com subtexto gay: Pacto Sinistro (1951). Acima de qualquer suspeita, incluindo as muitas que consideram o próprio Hitchcock como um homossexual enrustido, Festim Diabólico é um de seus trabalhos mais brilhantes, repleto de humor negro e tensão tão característicos do mestre do suspense. – por Conrado Heoli
Amor e Restos Humanos (Love and Human Remains, 1993)
Não importa o gênero, a orientação sexual, as taras, todos em Amor e Restos Humanos (1993) tateiam desorientados procurando algo a mais, uma satisfação que parece improvável em meio à dificuldade dos relacionamentos ou mesmo frente aos perigos à espreita, sejam eles virais ou humanos. O primeiro filme em inglês de Denys Arcand se foca nas patologias típicas de uma urbanidade caótica, onde convivem personagens essencialmente soturnos e noturnos à caça de algo que dê suporte às suas vidas repletas de frustrações, desgostos, de um vazio mais geracional do que particular. A televisão é sintomática da desordem. Cada troca de canal expõe uma desgraça diferente, mostra um mundo fraturado em sua ordem social. O sexo é a via pela qual trafegam as mais diversas pulsões, isso visto não apenas na figura da dominatrix (e sensitiva) que realiza as fantasias alheias, mas também no serial killer, no garoto fascinado pelo protagonista e, sobretudo, no próprio, alguém que parece vagar mais do que qualquer outro, a despeito da aparente segurança. Amor e Restos Humanos radiografa muito bem o início dos anos 1990 e seus insones em busca de afeto entre o que restou. – por Marcelo Müller
Filadélfia (Philadelphia, 1993)
O que um cineasta faz após vencer um Oscar por um brilhante suspense como O Silêncio dos Inocentes (1991)? Se o diretor em questão for Jonathan Demme, a resposta está em um filme completamente diferente. E bastante corajoso. Em uma época em que a AIDS ainda despertava muitas dúvidas, medo e desconfianças, Filadélfia chegou para enfrentar a doença de frente e ensinar uma ou duas coisas para o espectador. Muito além de ser sobre uma séria doença, este é um trabalho contra preconceitos. Tom Hanks interpreta um advogado gay que contrai HIV e é demitido por isso. Ao buscar justiça, encontra no homofóbico advogado interpretado por Denzel Washington uma chance de lutar. Hanks tem uma atuação sublime, minuciosa, de entrega. Washington não fica atrás. Ele representa uma boa parcela do público, que tinha receio apenas ao ouvir a palavra AIDS e que simplesmente não suportava a ideia da homossexualidade. O desenrolar da história o transforma, em um movimento interessante de descoberta e amizade. Ainda que não chegue a mostrar um beijo gay entre Hanks e Antonio Banderas (uma das grandes críticas em relação ao namoro dos personagens na época), Filadélfia foi muito importante em seu tempo, e continua emocionando e quebrando barreiras até hoje. – por Rodrigo de Oliveira
Priscilla, A Rainha do Deserto (The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert, 1994)
Alegre, espalhafatoso, emocionante. Quem diria que a vida gay poderia ser tão… esplendorosa? Hoje essa ideia pode até ser considerada lugar-comum, mas há exatos vinte anos essa não era uma certeza absoluta. Após os conflitos de Stonewall em 1969 – luta que virou símbolo contra o preconceito – e o forte ataque da AIDS durante os anos 1980, foi preciso que esse filme, vindo lá no interior da Austrália – país cujo apelido literal é ‘de cabeça para baixo’ (!) – mostrasse o lado humano, transformador e divertido das pessoas que se assumem exatamente como são e, nem por isso, se deixam ser rebaixadas por preconceituosos ou conservadores tradicionalistas. Pois é exatamente o que acontece com três drag queens que atravessam o deserto australiano a bordo de um incrível ônibus – a Priscilla do título – e, em seu trajeto, vão mudando suas vidas e as daqueles com quem entram em contato. Como resultado, um Oscar na bagagem e uma refilmagem hollywoodiana não-oficial – Para Wong Foo, Obrigado por Tudo, Julie Newmar (1995) – estrelada por três ‘machões’ do cinema de ação. E o começo de uma saga embalada por uma trilha sonora contagiante que repercute até hoje! – por Robledo Milani
O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005)
Nos últimos anos, poucas histórias de amor foram tão tocantes quanto a de Ennis Del Mar e Jack Twist no premiado O Segredo de Brokeback Mountain. Cowboys que encontram um no outro uma forma de escapar de existências infelizes em suas respectivas realidades, Ennis e Jack se revelam personagens fascinantes, lutando para viver um amor proibido diante das opressões que podem sofrer na sociedade. Na verdade, por mais que o romance gire em torno de pessoas do mesmo sexo, isso no fim acaba não importando tanto, já que o roteiro é hábil ao fazer da história algo universal. E se Ang Lee (que levou seu primeiro Oscar de Melhor Direção) demonstra uma sensibilidade ímpar na condução da narrativa, Heath Ledger e Jake Gyllenhaal entregam atuações absolutamente memoráveis nos papeis principais, e até por isso é difícil não se identificar com os personagens ao longo da trama. Mesmo tendo causado controvérsia na época de seu lançamento, O Segredo de Brokeback Mountain chegou como franco favorito para ganhar o Oscar de Melhor Filme em 2006. Mas para surpresa de boa parte das pessoas, perdeu para o também excelente Crash: No Limite (2004), o que fez a Academia ser acusada de homofobia. – por Thomas Boeira
Milk: A Voz da Igualdade (Milk, 2008)
Politicamente necessário, Milk: A Voz da Igualdade foge em parte dos dramas suburbanos que a linha de filmes gays tende a apresentar, mostrando normalmente dois adultos – ou jovens – se envolvendo, descobrindo um ao outro através de seus complexos relacionamentos. Aqui, embora acompanhemos, sim, a relação entre o oscarizado protagonista vivido por Sean Penn e o personagem de James Franco, a trama abrange mais do que a vida pessoal daquele casal, e mesmo ela é afetada pelas grandes ambições de Harvey Milk, que durante a década de 1970 foi um político ativista dos direitos dos homossexuais nos Estados Unidos. Figura importante e de destino trágico, é retratada por Penn de maneira tocante e sensível, tal qual a direção de Gus van Sant o é em relação a todo o seu arco dramático. Não esquecendo jamais que política é feita por pessoas e para pessoas, diretor e ator criam aqui uma obra memorável que provoca revolta, satisfaz e faz pensar em medidas iguais. Muito necessário em tempos de Feliciano e Malafaia, entre outros, que atrás de um perigoso discurso populista que aparentemente visa o bem de todos, escondem uma inconfundível repressão a quase todo o tipo de oposição. – por Yuri Correa
Direito de Amar (A Single Man, 2009)
Quem diria que um dos maiores nomes do universo da moda contemporânea também se sairia tão bem como realizador cinematográfico? Pois foi preciso que Tom Ford – o homem responsável pela revitalização da marca Gucci – assumisse o romance de Christopher Isherwood (autor do clássico Cabaret, 1972) e fizesse dele sua estreia como cineasta. Tem-se aqui um drama repleto de belas imagens e emoções ainda mais fortes. Colin Firth entrega sua primeira grande interpretação – chegou a ser indicado ao Oscar, prêmio que recebeu no ano seguinte, quase como compensação, pelo competente, porém inferior, O Discurso do Rei (2010) – como um professor devastado pela morte do amante / marido / namorado. Os dois haviam construído uma vida juntos, e agora, após o acidente que lhe tirou o companheiro, ele não sabe mais o que fazer consigo próprio. Os amigos – como uma exuberante Julianne Moore, indicada ao Globo de Ouro – temem uma atitude drástica da parte dele, ao mesmo tempo em que o protagonista relembra os principais momentos daquela história de amor que tanto lhe marcou. Poucas vezes a dor inesperada pelo fim de um relacionamento foi tão bem retratada nas telas. Um filme absolutamente gay, porém de temática universal, com o qual qualquer pessoa que alguma vez já amou um outro conseguirá se identificar em níveis muito mais profundos do que o imaginado num primeiro momento. – por Robledo Milani
Weekend (Weekend, 2011)
Weekend tem um grande diferencial em relação à maioria dos chamados “filmes gays”, assim digamos. A relação de Russell (Tom Cullen) e Glen (Chris New) poderia ser a de qualquer outro casal hetero, homo ou outro termo finalizado em “sexual”. Ambos se conhecem numa festa e passam a noite juntos. O primeiro, mais tímido e ainda saindo do armário, não tem medo de gostar de alguém. O segundo, totalmente assumido, não costuma ter namorados. Mas é neste final de semana do título que os dois acabam se conhecendo, passam boa parte do tempo juntos e descobrem um sentimento que pode ser maior que uma paixão fugaz. A forma como o casal traça seus diálogos e sua química remetem a Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy), protagonistas da trilogia Antes… (1995, 2004 e 2013), porém, é claro, tocando e desconstruindo fundamentos do meio gay. Mas a questão principal é esta: como lidar com a separação eminente, já que no domingo Glen irá seguir seus sonhos em outro país? Há como manter esta relação ou ambos devem aproveitar o pouco tempo que tem juntos? A cena da possível despedida, na estação de trem, apenas com imagens e o som ambiente, é de cortar o coração de qualquer um. Ao aproximar o espectador desta realidade o filme ganha seu público e o que mais queremos é ver Glen e Russell juntos novamente. Por favor. – por Matheus Bonez
Tatuagem (2013)
Parece haver uma certa vocação do cinema nacional para se voltar ao cotidiano, ao micro. Se as produções de proporções épicas ou superlativas geralmente soam cafonas e desajustadas, o olhar sobre o outro, o comum, é sempre carregado de sutilezas e sensibilidades que acabam dizendo mais sobre nossa cultura e sociedade do que os pretensos blockbusters que surgem aqui e acolá. É o que acontece com Tatuagem, de Hilton Lacerda. Dá para fazer um top só com filmes sobre a ditadura (como fizemos aqui). Mas nenhum deles contará essa história sob um ponto de vista tão particular que nos faça pensar em suas marcas que resistem, ainda hoje, tatuadas na pele de uma sociedade que mal chegou à idade adulta. Poucos conseguirão combinar comédia, drama, suspense e teatro de forma tão orgânica. E nenhum terá a “polka do cu” na trilha sonora, mostrando que amar e ser você mesmo eram, são e sempre serão uma das maiores formas de revolução. O vencedor do Festival de Gramado em 2013 é gay, mas tem muitos e muitos mais motivos para ter orgulho. – por Dimas Tadeu
Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014)
Bonitinho, fofo, descolado e apaixonante são adjetivos que caem com facilidade no colo do cineasta Daniel Ribeiro. Para chegar a esse resultado, no entanto, o diretor e roteirista percorreu um caminho complexo e tecnicamente muito preciso, refinado o bastante para lhe render o Teddy e o Prêmio da Crítica na Mostra Panorama do Festival de Berlim. O roteiro, um dos pontos fortes do filme, é brilhante, criando situações tocantes e fazendo com que não haja cena que não “vire”, contando algo sobre alguém ou alguma coisa sem ser excessivamente expositivo ou abusar de diálogos didáticos. A fotografia assume sua função narrativa e conta entrelinhas com imagens. Os atores se confundem com seus personagens e fazem um trabalho apaixonante. A direção de arte faz a história parecer algo que acontece com seu vizinho. Tudo fruto de uma direção segura e surpreendentemente madura para um longa de estreia. Brasileiríssimo, um filme “gay” que supera o rótulo e se mostra uma bela e virtuosa obra da cinematografia nacional. – por Dimas Tadeu
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São filmes de muito sucesso, alguns desde que eu vi e eu preciso descobrir como muitos, não há dúvida de que o cinemagays é bastante preciso, embora, por vezes, é um pouco vulgar, do meu ponto de vista.
Ah, poxa. Tem um filme tão engraçado que assisti a muito tempo chamado "A Gaiola das Loucas". Cara... Me diverti muito e o tema é muito interessante também.