Neste final de semana chega ao fim mais uma edição do Festival de Cinema de Gramado. A mostra que ocorre na serra gaúcha é conhecida não apenas pelos filmes brasileiro de destaque, mas também por seu olhar perante o cinema latino-americano. E é destes longas estrangeiros premiados que falaremos esta semana. A equipe do Papo de Cinema selecionou dez dos melhores títulos que já foram laureados com o kikito de melhor produção. Confira!

 

Morango e Chocolate (Fresa y chocolate, 1993)
Primeiro filme cubano a concorrer ao Oscar, Morango e Chocolate foi o grande premiado da edição de 1994 do festival da Serra Gaúcha. No longa de Tomás Gutiérrez Alea, do excepcional Memórias do Subdesenvolvimento (1968), encontramos a história de David, um estudante de sociologia e comunista convicto. Junto de Diego, um artista gay, eles mantém uma forte, apesar de contraditória, amizade.  É com a homofobia instaurada pelo regime político e militar do país que ambos se aproximam ainda mais, fortalecendo seus laços de amizade, tolerância e os questionamentos a respeito do próprio socialismo que se espalha pela ilha. Baseado no conto El Lobo, el bosque y el hombre, de Senel Paz, Alea constrói um dos mais interessantes exemplares da cinematografia cubana, que apresenta títulos pontuais, mas riquíssimos em temática. Além do Kikito de Ouro de Melhor Filme Latino, a produção ainda angariou outros 5 prêmios no festival, incluindo ator (para ambos protagonistas) e reconhecimentos de ambos júri da crítica e popular. – por

 

Um Lugar no Mundo (Un Lugar en el Mundo, 1993)
Vencedor do kikito de Melhor Filme Latino e indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, o título dirigido por Adolfo Aristarain é um longa humanitário e humanista. Narrado a partir do olhar de Ernesto, um rapaz de doze anos, acompanhamos seu amadurecimento a partir de sua vivência com seus pais em uma região isolada da periferia Argentina. Mario, o patriarca, administra uma escola local onde ensina crianças carentes e organiza uma cooperativa. Sua mulher, Ana, é médica e dirige uma clínica. Em cena, mais um personagem que, fosse um filme clichê, seria “o vilão” da história: Hans, um geólogo que trabalha para uma grande empresa que quer se aproveitar da pobreza local, mas o próprio se interessa em ajudar aquele vilarejo. Enquanto isso, Ernesto se apaixona por uma menina e precisa lidar com a profusão de sentimentos e hormônios de início da adolescência. Sensível, o longa desenvolve seus personagens e sua relação com aquele lugar ao mesmo tempo em que acompanhamos que aquele “lugar no mundo” também serve como meta de vida para muitos que se dedicam a causas em prol dos outros. – por

 

Pantaleão e as Visitadoras (Pantaleón y las Visitadoras, 2000)
O militar burocrata Pantaleão Pantoja é destacado para um missão inusitada: cuidar de um pelotão de “recrutas do prazer”. O objetivo das tais visitadoras do título é neutralizar o estresse, o verdadeiro inimigo dos soldados no front da Amazônia peruana, que andam cometendo crimes sexuais. Escolhido a dedo por ser casado e pela retidão na conduta, o capitão se entrega de corpo e alma para que o projeto com fins militares dê certo. Primeiro foi de alma e só depois de corpo, ao perder a cabeça com uma de suas “funcionárias”. Adaptado do livro de Mario Vargas Llosa, Pantaleão e as Visitadoras faz uma crítica bem sacana ao exército e também a igreja. Muito bem dirigida pelo premiado Francisco J. Lombardi, essa produção do Peru (sem trocadilhos) e Espanha pode pecar pela baixa qualidade em alguns pontos, como o som, mas a história é ótima, o roteiro envolve e o elenco nada hollywoodiano funciona. Salvador del Solar segura o protagonismo e os cinéfilos mais atentos reconhecerão Pilar Bardem e a exótica Angie Cepeda. Aclamado pela crítica e premiado em festivais, como o de Gramado onde ganhou sete prêmios, é garantia de um programa sexy, sarcástico, suarento e, claro, divertido. – por Roberto Cunha

 

Segunda-Feira ao Sol (Los Lunes al Sol, 2002)
O longa estrelado por Javier Bardem retrata um grupo de pessoas que pode passar uma segunda-feira descansando sob o sol – e a referência não é a pessoas em colônias de férias. O retrato aqui é dos desempregados, homens sem perspectivas e sem ilusões, que lutam para acordar de manhã e enfrentar todas as horas livres que têm pela frente. Os tipos são bastante representativos: desde aquele que não se rende, aceitando condições de trabalho aquém das anteriores, até o boa-vida que espera que a boa sorte lhe caia do céu. Sem finais felizes óbvios ou resoluções inesperadas, Segunda-Feira ao Sol ainda consegue indicar caminhos futuros melhores aos seus retratados, confiando na amizade que os une e em suas singularidades como os únicos resquícios de suas forças, às quais se agarram como última esperança. A conclusão oferece ao espectador uma mensagem interessante, apontando para uma realidade muito mais próxima de nós do que talvez possamos imaginar – ou gostaríamos de acreditar. – por

 

Whisky (2004)
A dupla uruguaia Pablo Stoll e Juan Pablo Rebella conquistou o público e a crítica de Gramado em 2004, levando três Kikitos, com esta comédia minimalista e quase silenciosa. A história acompanha Jacobo (Andrés Pazos) um judeu na casa dos 60 anos, dono de uma pequena fábrica de meias, cuja mãe faleceu recentemente. O evento faz com que Herman (Jorge Bolani), irmão de Jacobo que vive no Brasil e também possui uma fábrica de meias, retorne a Montevidéu depois de 20 anos. Impulsionado por um sentimento de disputa fraternal, Jacobo pede que sua empregada na fábrica, Marta (Mirella Pascual), se passe por sua esposa durante a estadia de Herman. Os cineastas se utilizam de uma montagem meticulosa e de uma encenação sem grandes artifícios, com longos planos estáticos, para extrair as sensações desejadas de pequenos atos cotidianos. Humor, romance e drama surgem de maneira sutil, mas mesmo sem pesar na carga emocional, causam empatia de um modo peculiar. Os poucos diálogos, geralmente triviais, não impedem que os intérpretes deste triângulo amoroso idiossincrático realizem um trabalho marcante, em especial Mirella Pascual, já que Marta possui o arco dramático mais complexo, como deixa claro o tocante final deste belo filme. – por Leonardo Ribeiro

 

A Teta Assustada (La teta asustada, 2009)
A herança que Fausta (Magaly Solier) carrega é histórica. Segundo as crenças locais, ela tem o que se chama de “teta assustada”, doença transmitida durante a amamentação por mães estupradas num período conflituoso do Peru. Diz a lenda, os filhos dessa brutalidade vivem sem alma, fadados a suportar o medo e o sofrimento de suas progenitoras violentadas. Fausta introduz uma batata em sua vagina. O tubérculo é uma barreira física a qualquer tentativa de agressão sexual que venha a sofrer. É um símbolo do medo, sensação que, se por um lado, nos traz prudência e proteção, por outro, tira-nos a paz. O filme da cineasta Claudia Llosa (sobrinha do escritor Mario Vargas Llosa), vencedor, entre outros prêmios, do Kikito no Festival de Gramado e do Urso de Ouro no Festival de Berlim, mergulha nas raízes do Peru, evocando a ancestralidade e uma total comunhão entre o ser, a história que o precede e seu entorno. Representante da força cinematográfica latino-americana, este filme dialoga com a emoção do público, sobretudo, por meio do olhar profundo e a voz melancólica da atriz Magaly Solier, um verdadeiro achado, assim como a visada transcendente de Llosa. – por Marcelo Müller

 

Artigas: La Redota (La Redota: Una Historia de Artigas, 2011)
A força da imagem. Em 1884, o governo uruguaio dá ao retratista compatriota Juan Manuel Blanes (1830 – 1901) a missão de retratar José Artigas (1764 – 1850). Motivos políticos à parte, a tarefa era grandiosa. Para os uruguaios, el libertador Artigas foi mais que o rosto de um homem corajoso. Pelos ideais cultivados e feitos realizados, o homem se confunde com a identidade uruguaia e o mais primitivo dos anseios do humanos: liberdade. O denso material histórico e político compõem a trama que tem na incumbência do pintor o ponto de partida para a reconstrução de um mito fundador. Ao vasculhar o material que lhe é dado para produzir a pintura, Blanes (Yamandú Cruz) se depara com as notas de Guzmán Larra (Rodolfo Sancho). Larra é um espião espanhol enviado para se infiltrar entre os revolucionários e matar Artigas (Jorge Esmoris). Emblemática a cena em que, no campo, o comandante espalha o esqueleto de um gado. Para cada parte da carcaça, o mundo que desejam se constrói em oposição ao anterior. Não há mais volta, pois o passo dado foi muito largo. Para os que foram tão longe e deixaram tudo, não servem mais migalhas. Até porque sem liberdade não há vida que lhes reste. – por 

 

Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual (Medianeras, 2011)
Não é todo cineasta que lança seu primeiro longa-metragem em Gramado e já sai com o kikito de Melhor Filme na mão. Este, porém, foi o caso do argentino Gustavo Taretto que, em 2011, lançou esta produção no Festival de Cinema da serra gaúcha. Na trama, somos transportados para a selva de pedra de Buenos Aires. Martín e Mariana estão um tanto perdidos neste mundo. Ele está começando a sair de um confinamento autoimposto. Ela terminou um relacionamento e sua vida está de cabeça para baixo. Os dois, praticamente vizinhos, perambulam pelas ruas, tentam encontrar um sentido, mas nunca se esbarram. Em um mundo onde as pessoas se conectam pela internet, ainda existe possibilidade de uma conexão maior? Esses são alguns dos pensamentos que Taretto traz em seu roteiro de estreia, um belíssimo trabalho de construção de personagens. O filme teve uma resposta bastante positiva em Gramado, recebendo não só o kikito de Melhor Filme Estrangeiro como também o de Melhor Diretor e o prêmio do Júri Popular.  – por Rodrigo de Oliveira

 

Caçando Vagalumes (Cazando Luciérnagas, 2012)
Escrito e dirigido por Roberto Prieto, Caçando Vagalumes é, antes de tudo, uma aposta sensorial. Boa parte do filme transcorre unicamente pelo encaixe suave das paisagens cotidianas, com destaque para o belo e harmonioso trabalho de Sara Millán, na direção de arte, e Eduardo González, na de fotografia. O isolamento não suprime a imprevisibilidade. Por isso, a rotina hermética de Manrique, resignadamente vivida pelo experiente colombiano Marlon Moreno, sofre sobressaltos com o aparecimento de um cachorro que gosta de caçar vagalumes e a chegada de Valéria, a filha adolescente que desconhecia. Uma filha e um cão. Os visitantes inesperados inspiram mudanças no protagonista. Investir na incógnita que são as relações humanas, trabalhar o minimalismo da afetividade e esculpir o tempo. Os três pilares em que se apoia o primeiro filme de Prieto não condizem com sua inexperiência. Filmar requer coragem. Mais do que correto, o resultado é bonito e legítimo – pleno. Exemplo que demonstra que o cinema pode ser aprimorado, como qualquer técnica, mas sobrevive pelo essencial, presente em alguns realizadores como a farinha na hóstia – sagrada e imaculada. – por

 

O Lugar do Filho (El Lugar del Hijo, 2013)
Ariel é estudante de Psicologia, em Montevidéu. A cena inicial nos leva para dentro de uma sala de aula tomada pelo movimento estudantil, onde somos informados da morte do seu pai. A partir de então, o jovem de 25 anos tem de voltar para Salto, cidade em que reencontrará a história da família e iniciará a construir a sua. Segundo longa de Manolo Nieto, O Lugar do Filho procura encaixar a descoberta pessoal do personagem com a crítica social, em especial a relação entre trabalhador, empresário e Estado. Em Salto, Ariel terá de lidar com as dívidas paternas, com um amor que amadurece entre reivindicações sindicais e a pressão para assumir as terras deixadas pelo pai. Apostando em um registro realista, Nieto desenvolve o longa ancorado na atuação de Sebastian Blanquer, que constrói um Ariel enigmático, responsável por levar o público até o fim da sessão, à espera de respostas. – por

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