Não estamos falando sobre adultério. As traições daqui escapam da mera natureza dos relacionamentos amorosos. Motivados pela estreia de Velozes e Furiosos 8, filme que chega nesta semana ao cinemas, no qual o personagem de Vin Diesel trai sua “família”, tornando-se antagonista dela, resolvemos dar uma olhada no passado para eleger dez entre as tramas cinematográficas que abordam a traição. Esse é um tema, aliás, tão potente quanto antigo. A crucificação de Cristo, por exemplo, não seria possível sem a deslealdade de Judas. Diversos personagens de Shakespeare são levados a apunhalar amigos e/ou amantes para conseguir o que desejam. E alguém esquece a história de Marcus Junius Brutus, general do império romano que conspirou contra Julio Cesar? No cinema estamos cheios de traidores e traídos, como vemos a seguir. Confira nossa seleção especial e não deixe de comentar.
Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971)
Este, que é um dos melhores filmes de todos os tempos, tem a traição como parte importante. O personagem principal é Alex (Malcolm McDowell), jovem líder de uma gangue que anseia por violência. Depois da escola, ele e seus amigos cometem crimes, tais como roubos, espancamentos e estupros, por pura maldade e diversão. O protagonista, apaixonado por música, especialmente pela de Beethoven, busca apenas o prazer. Seus drugues, porém, começam a desejar maior organização para lucrar financeiramente, enquanto ele defende a permanência do hedonismo. E é aí que a traição entra em cena. A gangue parte para mais uma noite “normal”: invade uma casa e a moradora é morta. Na sequência, porém, Alex é traído por seus amigos, que quebram uma garrafa na sua cabeça, o deixando desacordado e para trás. Ele, então, é preso, agredido, condenado a 14 anos de prisão e passa por um tratamento inovador. A liberdade de escolha, a repressão social, a podridão da sociedade e a violência são, é claro, temas centrais do longa, uma adaptação do livro de Anthony Burgess. Já a traição, como vimos, tem um papel muito importante e fundamental no desenrolar da trama. – por Gabriel Pazini
Golpe de Mestre (The Sting, 1973)
O improviso é uma arte. E o diretor George Roy Hill fez deste o tema de um de seus melhores trabalhos na telona. Paul Newman e Robert Redford dão vida à dupla de vigaristas que, na América dos anos 30, planeja uma vingança contra o chefe da máfia local, responsável pelo assassinato de um amigo em comum. Porém, não apenas de estratégias e mentiras é feito o filme de Hill. Os protagonistas constroem toda uma atmosfera de amizade com a vítima para não deixarem brechas à desconfiança. Mas, o que parece perfeito no início da trama vai ganhando reviravoltas criativas, num dos roteiros mais bem acabados do cinema norte-americano da década de 70. Dividida em atos, quase como uma peça de teatro, a produção faz com que o espectador seja testemunha tanto da idealização da traição como de seu efeito sobre as vítimas. O suspense fica por conta das estratégias frustradas que precisam ser resolvidas de última hora, rendendo os melhores momentos da dobradinha Newman/Redford. O sucesso de público e crítica foi concretizado com sete estatuetas do Oscar, incluindo as de Melhor Filme e Melhor Direção. – por Bianca Zasso
Alien: O Oitavo Passageiro (Alien, 1979)
Neste clássico de horror e ficção científica, a tripulação da nave Nostromo está a caminho da Terra quando encontra vestígios de seres extraterrestres num pequeno planeta. No instante em que uma estranha criatura agarra o rosto de Kane (John Hurt), um dos tripulantes que saem para investigar o local, o Oficial de Ciências Ash (Ian Holm) quebra o protocolo de quarentena e leva o colega de volta à nave, ameaçando a segurança dos demais passageiros. A suposta imprudência de Ash acaba se tornando fatal para seus companheiros. Kane transforma-se em mero hospedeiro da criatura que sai violentamente de seu peito, na cena mais famosa – e uma das mais grotescas – do filme; o alienígena passa, então, a perseguir e matar cada um dos tripulantes. É só no terceiro ato que a heroína, Ellen Ripley (Sigourney Weaver), compreende as verdadeiras intenções de Ash: além de ser um robô se passando por humano (algo que ela descobre quando percebe que o “amigo” tem uma cabeça removível), ele tinha ordens de levar o alienígena à Terra, mesmo que isso custasse as vidas dos tripulantes. Pior do que ser traído por um colega é descobrir que ele é, na verdade, um androide programado para a traição. – por Marina Paulista
Os Bons Companheiros (Goodfellas, 1990)
No universo em que vivem Henry Hill (Ray Liotta), Jimmy Conway (Robert De Niro) e Tommy DeVito (Joe Pesci), protagonistas desta obra-prima de Martin Scorsese, traições são relativamente comuns. No entanto, as consequências advindas delas costumam ser pesadas, já que se trata aqui da máfia italiana em Nova York, entre as décadas de 1950 e 1980. Daí a paranoia de Henry nos momentos finais do filme, quando, encurralado pela lei e prestes a ser condenado a um longo tempo na prisão por tráfico de drogas, decide entregar seus antigos companheiros de crime. Scorsese é brilhante na construção da trajetória desse personagem, desde a adolescência, entre os mafiosos, destacando seu encantamento com um estilo de vida e os prazeres que ele possibilita. Por isso o momento posterior à traição cometida pelo sujeito é tão emblemático no sentido inverso, já que construído pelo diretor sobre uma profunda sensação de derrota e mediocridade, abraçada por Henry em troca da sobrevivência possível. Ao encantamento anterior, Scorsese sobrepõe o absoluto tédio da vida anônima a que o personagem se submete – e o desempenho excepcional de Liotta, provavelmente o melhor de sua carreira bastante irregular , é fundamental para a criação desse contraponto. – por Wallace Andrioli
Caçadores de Emoção (Point Break, 1991)
Neste vigoroso filme dirigido por Kathryn Bigelow, Keanu Reeves interpreta Johnny Utah, agente novato do FBI encarregado de investigar uma gangue de assaltantes de banco que utilizam máscaras de ex-presidentes dos Estados Unidos. Conclui-se que os meliantes provavelmente são surfistas, especialmente por conta das características dos crimes. Utah resolve, então, se infiltrar numa comunidade de pegadores de onda no Sul da Califórnia, onde conhece o carismático Bodhi (Patrick Swayze), com quem rapidamente estabelece uma relação de proximidade. Mesmo diferente, diante do sonho compartilhado de surfar a maior onda do mundo, o personagem de Reeves vê se aproximar o momento em que precisará escolher entre o novo amigo e o dever, já que fica clara a culpa de Bodhi. O maior mérito de Kathryn Bigelow aqui é exatamente a construção do vínculo entre os protagonistas, ao passo em que sabemos ser praticamente impossível um final feliz, dada à natureza incorruptível de Utah. Como bem vemos no encerramento desta grande realização, trair o companheiro em prol da missão pode ter efeitos irreversíveis. Todavia, é possível redimir-se um pouco ao apunhalar também a lei para proporcionar a eternização da liberdade, mesmo que isso, no fim das contas, represente levar à morte. – por Marcelo Müller
Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, 1992)
Esta produção com roteiro e direção de Quentin Tarantino é um caso raro de “filme de assalto” no qual nunca vemos o golpe sendo executado. Joe Cabot (Lawrence Tierney) planeja roubar uma joalheria e, para isso, recruta seis bandidos que não se conhecem para realizar o trabalho. Cada um utiliza um pseudônimo – para, caso de algo sair errado, ninguém poder delatar seus companheiros. São eles: Mr. White (Harvey Keitel), Mr. Blonde (Michael Madsen), Mr. Orange (Tim Roth), Mr. Pink (Steve Buscemi), Mr. Brown (Quentin Tarantino) e Mr. Blue (Eddie Bunker). Algo realmente dá errado e, agora, os “cães de aluguel” terão de descobrir quem foi o delator que avisou a polícia sobre a operação. Tarantino é hábil em costurar a história de forma não linear a ponto de o espectador descobrir apenas quem o traidor em questão depois da metade da trama, deixando o suspense aberto e a tensão na cabeça da plateia, a respeito de como os demais bandidos responderão àquele embuste. Mais interessante ainda é o fato do traidor ser um policial infiltrado. No universo tarantinesco, os bandidos são os heróis e aquela figura da lei só poderia ser vista como um homem desleal. – por Rodrigo de Oliveira
O Rei Leão (The Lion King, 1994)
Scar não é um traidor qualquer. Com uma inveja incomparável do irmão, o rei Mufasa, o ardiloso vilão usa apenas suas palavras mesquinhas para criar climas de desconfiança entre o primogênito da família e o seu sobrinho, o ingênuo Simba. E é através de um trágico plano que ele tira a vida do líder dos animais e expulsa o pequeno e heroico protagonista de seu lugar de direito. É claro que sua inteligência vilanesca tem limites e ele não sabe administrar o reino sem muitas perdas. Oportunidade perfeita para um já adulto Simba voltar com tudo e desbancar o tio arrogante e vil do poder. Com a dublagem incrível de Jeremy Irons, Scar se torna ainda mais odioso e perigoso, mesmo que seu corpo franzino demonstre o contrário. Tido como um dos maiores vilões da Disney, sua fama não é à toa. Porém, acima das maquinações, o perigo maior que ele representa vem de dentro, de seu ciúme incontrolável que o deixou sozinho e disposto a tudo, já que não tem o que perder nessa guerra de egos. – por Matheus Bonez
Kill Bill: Vol. 1 (Kill Bill: Vol. 1, 2004)
A Noiva foi traída por toda sua irmandade de assassinos, a começar pelo amante. Ao ter o novo namorado, assim como seus amigos, assassinado, e levar um tiro na cabeça, perdendo a filha (ainda que ela demore a descobrir de que forma), a personagem de Uma Thurman busca sua vingança começando pelas que considerava íntimas. Tudo pode iniciar pela luta doméstica ensandecida com Verónica Green (Vivica A. Fox), passar pela rivalidade eterna com Elle Driver (Daryl Hannah) e atingir o ápice da busca antes de chegar a Bill com Budd (Michael Madsen), mas é claro no final que sua melhor amiga, O-Ren Ishii (Lucy Liu), foi uma das principais causadoras de sofrimento, tanto físico quanto psicológico. Como lidar com uma amizade entre assassinos quando um deles resolve cair fora do grupo? Honra e poder formam a equação que, infelizmente, traz apenas dor. A chamada Boca de Algodão sabe que fez mal à Noiva, mesmo que sua altivez como líder criminosa a impeça de reconhecer e pedir perdão. A luta no jardim japonês é uma bela poesia sobre até que ponto uma traição pode chegar. Sempre, é claro, sem nenhum ganho para ambos os lados. – por Matheus Bonez
Watchmen: O Filme (Watchmen, 2009)
O ato pode não ser traição se visto de uma determinada perspectiva? E mesmo que ainda seja, a famosa “faca nas costas” pode ser justificada por bem maior? E quando a trairagem é não com uma ou outra pessoa, mas com milhões delas? Ou pior, e se a atitude traiçoeira for contra seus próprios valores, mas ainda assim, em detrimento dos mesmos? Bom, essas devem ter sido algumas das questões que cruzaram a cabeça de Adrian Veidt (Matthew Goode), tido como o homem mais inteligente do mundo, antes dele colocar em curso o plano terrível e grandioso de massacrar inúmeras pessoas para garantir uma existência pacífica entre as sobreviventes. Ozymandias foi concebido para ser o mais esclarecido e pragmático de todos os Watchmen. Portanto, poético que seja ele o responsável pela vilania na história, pois é uma reflexão digna do pessimismo de Alan Moore estabelecer que mesmo o melhor dos homens não pode evitar ser coagido pela sociedade a ser seu grande algoz, em prol justamente de vencer todo o mal. Aliás, como Goode e o filme nos fazem crer que Adrian age realmente por acreditar nas suas boas intenções é que o enxergamos como a maior vítima de sua traição. – por Yuri Correa
A Rede Social (The Social Network, 2010)
As traições estão no centro da criação da rede social mais popular do mundo, o Facebook, tendo importância fundamental também na trama da adaptação cinematográfica da história, dirigida por David Fincher. A narrativa, que acompanha o fundador da rede, Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg), desde a criação de um site para medir a beleza das alunas de Harvard, é entrecortada pelo registro de dois processos judiciais encarados pelo protagonista. O primeiro é movido pelos gêmeos Winklevoss (papel duplo de Armie Hammer), que haviam contratado Zuckerberg para desenvolver uma rede social exclusiva dos estudantes de Harvard – utilizada como base para o Facebook. O segundo, pelo brasileiro Eduardo Saverin (Andrew Garfield), companheiro de dormitório de Zuckerberg e responsável pelo algoritmo-chave do site, que acaba tendo sua porcentagem nos negócios reduzida de 34% para 0,03%. Vencedor dos Oscars de Melhor Edição, Trilha Sonora e Roteiro – para o brilhante texto de Aaron Sorkin – além de ser indicado em outras cinco categorias, o longa, comandado com precisão por Fincher, apresenta uma figura complexa e controversa sob fina e melancólica camada de ironia: a do homem que, ao criar um meio para a manutenção virtual de amizades, acaba traindo seu melhor, e talvez único, amigo real. – por Leonardo Ribeiro
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