Julgamentos são feitos a toda hora, com acusações e defesas, seja no campo social ou nos tribunais. O cinema já retratou diversos casos de juiz e júri de forma excepcionais e, com a estreia de O Juiz, filme estrelado por Robert Downey Jr., a equipe do Papo de Cinema resolveu julgar quais são os melhores filmes do gênero ao longo dos anos. Será que seu favorito está na lista? Confira!
Testemunha de Acusação (Witness for the Prosecution, EUA, 1957)
Agatha Christie é uma das escritoras mais publicadas de todos os tempos no mundo inteiro, e seu sucesso não seria diferente no cinema. No entanto, um dos primeiros longas baseado em um texto da escritora inglesa a repetir na tela o mesmo impacto que os livros de sua autoria até hoje alcançam entre seus leitores foi esse thriller comandado pelo genial Billy Wilder. Ambientado na Inglaterra da metade do século passado, este é o filme que praticamente cunhou a expressão “drama de tribunal”, pois é neste espaço onde a maior parte da ação se sucede. Quando um homem afirma não ser o responsável pelo crime que é acusado e sua esposa aparece no tribunal como testemunha – não de defesa, mas de acusação – cria-se a possibilidade de uma série de pequenos espetáculos, como o dessa mulher fria e calculista, o histórico do acusado e, principalmente, aquele vivido pelo advogado responsável por desvendar a verdade por trás disso tudo, com provas e suspeitas surgindo a todo instante. Marlene Dietrich, Tyrone Power e Charles Laughton são um show à parte, e as seis indicações recebidas no Oscar – inclusive a Melhor Filme – são apenas consequência da excelência apresentada! – por Robledo Milani
12 Homens e uma Sentença (12 Angry Men, 1957)
12 Homens e uma Sentença é um daqueles trabalhos irretocáveis, dirigido por um estreante Sidney Lumet. Um “filme de tribunal” no qual o espectador faz o papel de décimo terceiro jurado. Escrita por Reginald Rose, a trama acompanha um caso aparentemente indefensável: um rapaz foi preso após ter sido acusado de matar o pai. A situação é bastante complicada para o réu, que tem testemunhas oculares o condenando do crime – e a pena para tal delito é a morte. Cabe aos doze jurados a sentença. Para que o rapaz seja libertado ou condenado, o júri deve sair de sua saleta com uma resolução unânime. Não parecia um grande problema, visto que qualquer um que observasse o caso não teria dúvidas da culpabilidade do réu. Qualquer um, menos o jurado #8 (Henry Fonda), que pede a seus colegas que repensem tudo o que observaram durante o julgamento, para ao menos terem certeza absoluta. A partir dali, cada um dos jurados terá de enfrentar seus preconceitos, crenças e agendas pessoais para dar ao réu um julgamento justo. Passado quase completamente dentro da sala dos jurados, 12 Homens e uma Sentença é um filme de diálogos e, diferente de muitas histórias de tribunal, não acompanhamos o julgamento. Indicado ao Oscar nas categorias Melhor Filme, Diretor e Roteiro Adaptado. – por Rodrigo de Oliveira
O Vento Será Tua Herança (Inherit the Wind, 1960)
Que ciência e religião sempre bateram de frente, isto não é novidade para ninguém. Porém, nos idos da década de 1920, um caso que envolvia este embate em uma escola foi um divisor de águas para a sociedade norte-americana e, porque não dizer, mundial. Em 1925, um professor é julgado criminalmente por ensinar a Teoria da Evolução de Darwin em uma instituição pública. A acusação, apoiada pelo fanatismo religioso, era feita pelo pastor Matthew Harrison Brady (Fredric March), candidato à presidência dos EUA, enquanto a defesa cabia a Spencer Tracy), famoso advogado a favor dos direitos civis. O debate no filme de Stanley Kramer tem ecos inclusive no atual momento político do Brasil, onde uma candidata à presidência sugeriu voltar o ensino do Criacionismo nas escolas. Fato que vai muito além e discute até que ponto a religião pode afetar a vida das pessoas. O Vento Será Tua Herança se passa quase que integralmente dentro do tribunal e é um dos exemplares máximo do gênero que não envelhece. Afinal, uma discussão destas é recheada de argumentos e pontos de vista que ecoam até hoje.- por Matheus Bonez
O Sol é para Todos (To Kill a Mockingbird, 1962)
Adaptação do clássico literário escrito por Harper Lee, traz Gregory Peck em um dos papeis que definiram sua carreira: o advogado Atticus Finch, que lhe rendeu um Oscar de Melhor Ator. Situado na cidade de Maycomb, no Alabama dos anos 30, o filme acompanha Atticus e seu envolvimento com um caso no qual precisa defender Tom Robinson (Brock Peters), um homem negro que é acusado de ter estuprado a jovem branca Mayella Ewell (Collin Wilcox Paxton). Como a cidade é predominantemente racista, Atticus e seus filhos Scout (Mary Badham) e Jem (Phillip Alford) passam a ser mal vistos pelas pessoas, enquanto ele tenta provar a inocência de Tom. Seguindo fielmente a história do livro, tem-se aqui um filme bastante simples em sua execução, mas grandioso em sua história e seus personagens, tratando com propriedade um tema social relevante. E se Gregory Peck brilha no papel de Atticus, o restante do elenco não fica muito atrás, desde Mary Badham como Scout até Robert Duvall em sua pequena participação como Arthur “Boo” Radley. Todas essas peças o ajudam a ser um clássico primoroso. – por Thomás Boeira
O Veredicto (The Verdict, 1982)
Depois de ter construído um filme inteiro dentro da sala dos jurados em 12 Homens e uma Sentença, Sidney Lumet retornaria aos filmes de tribunal com um exemplar mais convencional, mas não menos brilhante, em 1982: O Veredicto. Estrelado por Paul Newman em uma grande performance, o longa-metragem foi indicado a cinco Oscar no ano de 1983 – Melhor Filme, Diretor, Roteiro Adaptado, Ator (Newman) e Ator Coadjuvante (James Mason) – mas acabou não levando nenhuma estatueta. Com roteiro de David Mamet, a trama acompanha a trajetória do advogado beberrão Frank Galvin, que vê a chance de reverter sua falta de sorte num caso facílimo, solucionável com um acordo extrajudicial: hospital administrado por igreja comete um erro e deixa uma mulher grávida em coma. Os familiares da vítima não desejam ir a julgamento, muito menos os médicos envolvidos e a instituição. Uma crise de consciência, no entanto, não o deixa seguir o caminho fácil. É bem verdade que todo o caso é solucionado com um personagem surpresa, parecendo mais sorte de Galvin do que propriamente juízo. Mesmo assim, o roteiro de Mamet conduzido magistralmente por Lumet acerta muito mais do que erra. Somando-se às belas atuações do elenco, O Veredicto é mais um trabalho merecedor de distinção na carreira do diretor e do próprio Paul Newman. – por Rodrigo de Oliveira
Filadélfia (Philadelphia, 1993)
Tom Hanks já viveu um montante admirável de papeis em sua carreira, nunca se saindo menos do que ótimo, ainda que aqui e ali alguns filmes possam não terem sido tão dignos de contarem com as suas performances. Um dos dois que lhe agraciaram com um Oscar de melhor ator é este que vive em Filadélfia. Homossexual e agora HIV positivo, Andrew sente que sua recente demissão tenha sido causada por preconceito de seus superiores, então contrata um advogado (Denzel Washington) para processar sua antiga firma e seus chefes. A época, claro, não poderia ter sido melhor para o lançamento do filme; a comunidade LGBT do começo dos anos 1990 estava revoltada com os anos de descaso do governo para com os casos de AIDS entre seus membros, chamada até então de “câncer gay”, e pouco ou nenhum investimento era feito para se desenvolver um tratamento ou cura. Foi apenas no final dos anos 1980 que a doença passou a se disseminar entre toda a população de forma pública o que forçou as lideranças a tomar providencias. Montado neste espírito de justiça, Filadélfia trazia e ainda traz uma certa catarse com o bater de um martelo. Ao menos no filme, a justiça foi feita. – por Yuri Correa
As Duas Faces de um Crime (Primal Fear, EUA, 1996)
Lançado nos cinemas numa época em que Richard Gere ainda lutava para se manter como astro viável e chamariz de bilheteria e a novata Laura Linney era pouco mais do que uma revelação, o que realmente causou surpresa neste thriller foi o impressionante desempenho do até então desconhecido Edward Norton, que não só teve aqui sua estreia no cinema como também, logo de cara, já faturou uma indicação ao Oscar (na categoria de Melhor Ator Coadjuvante). Ele aparece como o coroinha acusado de ter assassinado o padre ao qual era ligado, e quanto mais se investiga o caso mais a verdade se torna turva e confusa. Quem, afinal, é vítima e quem é carrasco nesta história? A despeito da direção segura de Gregory Hoblit e do envolvente texto baseado no livro de William Dihel, nada chama mais atenção do que os esforços destes dois advogados em descobrir o que de fato teria acontecido e a inesperada força que por trás está manipulando todos os acontecimentos. Com uma das conclusões mais chocantes daquela temporada, é um filme competente em sua proposta e execução, mas que se torna muito maior graças à excelência dos talentos envolvidos. – por Robledo Milani
O Povo Contra Larry Flynt (The People vs. Larry Flynt, 1996)
Pornografia já é um assunto polêmico por si só. Há quem goste e não revele, tem os que acham uma ofensa à moral e os bons costumes e por aí vai. Portanto, foi corajoso da parte do diretor Milos Forman entregar uma cinebiografia que fala, justamente, de um dos grandes nomes por trás da indústria, o dono da Penthouse (publicação voltada ao público masculino com conteúdo.. você sabe de quê), Larry Flynt. Aqui defendido de formas dramática e comicamente sensacionais por Woody Harrelson (em atuação indicada ao Oscar), conhecemos um pouco da trajetória desta figura excêntrica, que inclusive chegou a ir ao tribunal vestido de militar só para expôr sua crítica, mais do que contundente: afinal, como condenar a pornografia e exaltar os horrores da guerra? Dois pesos e duas medidas. Flynt sofreu vários processos por conta de seu “atentado” à moralidade e o filme de Forman defende sem pestanejar seu protagonista. Afinal, sexo é tabu ainda por que? Contando ainda com uma ótima performance da roqueira Courtney Love como a ex-prostituta e esposa do personagem principal, O Povo Contra Larry Flint é um debate caloroso sobre como o ser humano de falar sobre um tema que nem deveria mais ser polêmico. – por Matheus Bonez
Erin Brockovich: Uma Mulher de Talento (Erin Brockovich, 2000)
Erin Brockovich, de Steven Soderbergh, é baseado em fatos e já começa com um julgamento. De um lado, a personagem que dá nome ao filme, do outro, o médico que a feriu num acidente de trânsito. Causa perdida em virtude de seu comportamento, e Erin, mãe solteira de três filhos, até então desempregada, começa a trabalhar no escritório do próprio advogado, sendo responsável por serviços gerais. Meio que por acaso, ela se depara com o litígio simples entre uma aposentada e uma grande empresa de energia da região. A investigação deflagra surpreendentemente a grave ocorrência da contaminação da água local pelo cromo utilizado nos processos de produção. Erin, então, toma a frente dos reclamantes, das pessoas que foram prejudicadas pela irresponsabilidade da PG&E, protagonizando uma mobilização judicial quase sem precedentes, levando a corporação à corte, ao julgamento que de fato justifica o filme, bem como o percurso insólito de Erin. Atuando como protagonista, Julia Roberts faturou alguns dos principais prêmios da indústria, reconhecimentos merecidos para este que é um de seus melhores (senão o melhor) trabalhos no cinema. – por Marcelo Müller
A Separação (A Separation/Jodaeiye Nader az Simin, 2011)
O que está em julgamento no início de A Separação, longa-metragem do iraniano Asgard Farhadi, não é uma causa que visa reparação pecuniária ou qualquer outro litígio envolvendo bens materiais. Mais que discutir a separação do casal, a dissolução da instituição considerada religiosamente sagrada, os argumentos mostram um choque nas fundações do Irã. A única – mas capital – discordância entre homem e mulher é a permanência no país. Ele quer ficar, cuidar do pai doente, fazendo jus à tradição que prega aos filhos a responsabilidade sobre os progenitores incapacitados de seguir por si. No campo metafórico, tal obrigação é o sentimento de que não se deve abandonar sua pátria, por mais caótica e convulsionada que ela esteja. Já ela quer garantir o futuro da filha – e seu próprio – noutro lugar que lhe negue menos a liberdade. Simbolicamente, ela se desliga da tradição, da necessidade de permanecer, de ser apenas uma peça da engrenagem social iraniana, para buscar a individualidade, o porvir que mais lhe parece ideal. Julgamento sem certos e errados, apenas evidência de um abalo muito mais violento que a simples separação matrimonial superficialmente deixa ver. – por Marcelo Müller
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