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A Garota: Lança um olhar sobre a relação entre o premiado cineasta Alfred Hitchcock e então desconhecida modelo Tippi Hedren durante as filmagens dos clássicos Os Pássaros (1963) e Marnie: Confissões de uma Ladra (1964). Dessa união improvável, grandes coisas estão por vir na sétima arte.

Crítica

Alfred Hitchcock não era nenhum santo. Ao menos não de acordo com o que sempre ouvimos falar dele. Antes de ser um dos cineastas mais famosos do mundo, ele era um homem. E, como tal, repleto de aspectos positivos e negativos, não só na sua vida profissional, como também na pessoal. O grande problema de algumas biografias talvez seja o aspecto melodramático que, ao invés de tentar humanizar seus biografados, acabe por torná-los maniqueístas.

No livro Fascinado pela Beleza, do norte-americano Donald Spoto, é isso o que acontece com a figura do mestre do suspense. O problema maior é que o telefilme da HBO inspirado na obra, A Garota, segue à risca suas palavras e faz uma análise rasa da relação entre o diretor e a atriz Tippi Hedren, estrela de Os Pássaros (1963) e Marnie - Confissões de uma Ladra (1964).

Após perder sua loira preferida, Grace Kelly, assim como já havia acontecido com Ingrid Bergman, Hitchcock buscou uma nova femme fatale em Tippi, até então uma modelo "que a lente da câmera amava" (como a mulher do diretor, Alma, teria dito certa vez). O problema é que, à medida que foi ensinando a garota a atuar, também sua obsessão e paixão por ela acabaram crescendo, trazendo consequências catastróficas para ambos. Esta é a história do telefilme, que vai além dos simples bastidores de filmagens dos dois longas citados e mostra um Hitchcock (Toby Jones) monstruoso, que ataca a indefesa Tippi (Sienna Miller) a qualquer momento.

O diretor Julian Jarrold tem uma vasta experiência em produções televisivas (um dos seus poucos trabalhos para o cinema é baseado numa obra de Jane Austen, Amor e Inocência, de 2007) e sua condução da narrativa não está ruim, apesar da produção da HBO estar um pouco aquém de outros trabalhos da emissora. O que há é um problema de roteiro que não acrescenta nada de novo a quem leu a obra de Spoto, assim como apresenta esta versão unilateral ao espectador que nem conhecia a história ou só havia ouvido falar dela. Claro que todo o conteúdo é baseado em relatos de quem esteve nos bastidores da época (inclusive a própria Tippi, mãe da também atriz Melanie Griffith) e ficaria difícil ouvir o que Hitchcock tem a dizer sobre o assunto (talvez nem em uma sessão espírita).

Com isto, acaba sobrando para a dupla principal e para alguns coadjuvantes prenderem a atenção do espectador, o que é uma tarefa mais do que bem sucedida. Toby Jones literalmente encarna o mestre do suspense. Seja no andar duro com a barriga inclinada, no tom de voz pasteurizado com aquele sotaque britânico (o legítimo “batata na boca”), ou no olhar de desprezo que tem para todos ao redor. Porém, e talvez por “culpa” do roteiro mesmo, quem acaba se destacando é a subestimada Sienna Miller. Acostumada a ser relegada a papéis que não estão à altura de sua interpretação, em A Garota Sienna transforma-se não na simples heroína do filme, mas sim numa mulher que vê a oportunidade de sua carreira transformar-se num pesadelo. E nem por isso ela deixa de seguir adiante. Apesar desta configuração da personagem típica, seguindo a cartilha de Joseph Campbell em cada frame, a atriz consegue ir além e humaniza sua Tippi a ponto de não termos pena ou simplesmente torcermos por ela: Sienna acaba passando a exata noção para o público do que ele mesmo suportaria para fazer um trabalho bem feito.

Cabe ressaltar também alguns cuidados da produção que merecem aplausos, como a reprodução da ideia que Hitchcock tinha de filmar em estúdios (“aqui podemos controlar a ação do filme”) com cenas como as gravações da invasão dos pássaros dentro de casa (repetida exaustivamente a ponto de torturar o espectador – de uma forma incrivelmente boa), ao ataque na cabine telefônica, assim como a simples caminhada da introdução de Marnie – por sinal, a última cena do longa a ser gravada e que serve como uma espécie de redenção, tanto do diretor quanto de sua protagonista.

Apesar dos problemas citados com o material que tinham em mãos, diretor, elenco e toda a equipe técnica conseguem fazer um trabalho relativamente interessante e que cobre não apenas o fim da fase mais elogiada de Hitchcock (que havia começado nos anos 1950 com filmes como Pacto Sinistro, 1951, e Disque M Para Matar, 1954, e continuou até o início dos 1960, com Psicose, 1960, e os dois filmes abordados em A Garota), mas também um dos aspectos mais relevantes da vida do autor: sua predileção por loiras em cenas. Vale a espiada com um olhar cínico e não aceitando tudo que é mostrado como pura e simples verdade. Fica a esperança de que Hitchcock (a ser lançado no início de 2013), com Anthony Hopkins no papel-título mostrando o trabalho do cineasta em Psicose, seja um pouco mais humano.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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