Crítica


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Sinopse

Retrata as consequências da morte de Hannah e a difícil jornada dos personagens rumo à recuperação. A escola Liberty se prepara para ir a julgamento, mas alguém quer impedir a todo custo que a verdade sobre a morte de Hannah venha à tona. Fotos ameaçadoras levam Clay e seus colegas à descoberta de um segredo terrível - e uma conspiração para encobri-lo.

Crítica

Em 2017, a primeira temporada de 13 Reasons Why causou um rebuliço, acusada de utilizar problemas sensíveis da adolescência, tais como o suicídio, o abuso sexual e a solidão de forma gráfica e explícita, a fim de chocar e chamar atenção. Mas, independentemente da série promover o debate ou de trazer apenas um amontoado de gatilhos irresponsáveis, era difícil defender a encomenda de uma segunda leva de episódios – apesar de alguns pequenos ganchos, a linha cervical da trama, exatamente as fitas deixadas por Hannah (Katherine Lanford) depois do suicídio, estava resolvida. Mas os novos capítulos foram confirmados em seguida, e com isso ficou patente que, se não fez isso na temporada um, a Netflix certamente iria capitalizar de forma inconsequente em cima dessas temáticas numa vindoura segunda.

Frente a isso, dar continuidade orgânica aos eventos anteriores é o menor dos problemas, e a história, de fato, encontra um caminho natural para seguir. Basicamente repetindo a estrutura, a trama se foca no processo judicial dos pais de Hannah contra a escola, acompanhando como eles, Clay (Dylan Minnette) e os demais alunos e educadores reagem (antes às fitas, agora) aos rumos da investigação. Até as narrações de Hannah, antes pautadas por áudios deixados para trás, agora são substituídas pelos depoimentos dos personagens no tribunal. O que não compensa, de forma alguma, a série utilizar assuntos delicados (desta vez exclusivamente) como recurso narrativo voltado a manter o espectador grudado na tela pelos novos 13 episódios.

E, Netflix, não adianta abrir a temporada com vídeo avisando sobre as cenas fortes e os gatilhos, tampouco pontuar cada capítulo com informações de onde pessoas podem encontrar ajuda. Não se a trama é desaconselhada justamente para pessoas que sofrem de problemas como depressão, bullying, abuso etc. – é como se oferecer para apagar um incêndio que você mesmo começou. Pois, o seriado, ao invés de debater, cria expectativa em torno desses eventos traumáticos. Por exemplo, como já se suspeitava, Tyler (Devin Druid) realmente evoluiu para se tornar um desses atiradores que entram nas escolas cometendo massacres. As “pistas” não são muito sutis: o baú de armas, a fixação por vingança e a crescente exclusão que ele enfrenta dentro do círculo de amigos e na escola. Até porque, a ideia é clara: criar expectativa na audiência e mantê-la ansiosa para descobrir se o garoto vai ou não se “quebrar” ao ponto de protagonizar uma tragédia dessas – entende o erro? Ao invés de criar tensão no espectador, por causa do suspense, a segunda temporada de 13 Reasons Why gera, na verdade, uma torcida para que tais coisas aconteçam. Prova de que essa era a intenção dos roteiristas, o desfecho do arco só chega na cena derradeira da nova leva de episódios.

Esse maniqueísmo nem chega a ser a pior parte, pois o desfecho é tratado de forma absolutamente irresponsável, o que será discutido mais adiante, com os devidos avisos sobre spoilers. Antes disso, é preciso reconhecer coisas. Sim, enquanto produto audiovisual, 13 Reasons Why tem uma narrativa magnética – mesmo perdendo tempo reafirmando situações, “enchendo linguiça”. Sério, quantas vezes era preciso mostrar Jessica (Alisha Boe, ótima) recusando pedidos para testemunhar? Ou ainda, era necessário focar tanto a mãe de Hannah entrando em conflito com todos ao redor? Aliás, Kate Walsh tem uma das tarefas mais ingratas da temporada. Se anteriormente Olivia era um dos destaques, agora a mãe enlutada faz força para não ser uma figura unidimensional – e as caras e bocas que Walsh é obrigada a fazer para que os montadores possam entrecortar todos os depoimentos no tribunal com suas reações, renderia um longo e aborrecido supercut.

Já as transições entre passado e presente ainda mantêm a dinâmica funcional da primeira temporada, com cores mais frias no agora, e mais quentes no antes. Mas, os movimentos de câmera que introduzem flashbacks dentro do mesmo plano começam a soar como um recurso cansativo lá pela metade da história. Além disso, se antes as “alucinações” de Clay possuíam uma dubiedade curiosa, aqui elas já surgem desmistificadas e, pior ainda, desmascaradas como mera muleta narrativa – suas trocas de diálogo com o “fantasma” de Hannah encontram motivo apenas na exposição de roteiro. Ainda assim, Dylan Minnette continua a convencer, mesmo vivendo um personagem cada vez menos plausível, o que pode ser dito de quase todos os adolescentes da série – se contarmos somente os problemas de disfunção erétil entre os jovens da Liberty High, diria que o problema da escola não é o bullying, pois deve ser alguma coisa na água, mesmo.

Falando nela, a escola é outro elemento utilizado de forma injusta pelo projeto. A entidade vira o bode expiatório de todas as acusações que a produção recebeu no ano passado. Flagrante é um embate entre Clay e o diretor Gary Bolan (Steven Weber), quando este é tratado como o vilão, apesar de trazer alguns pontos bastante sensatos sobre a abordagem que a temática do suicídio deveria receber na instituição – talvez ele possa estar errado, mas sua preocupação é genuína e mereceria ser levada em consideração. Aliás, a forma como os “pró-Hannah” batem de frente com qualquer um que ouse questionar a morte ou a história da garota, se assemelha mais a um culto religioso do que a uma militância por justiça. Isso só reforça um dos principais erros da primeira temporada: fetichizar o suicídio (já passou do ponto da mera romantização). Se outrora era problemático demonstrar como a morte de Hannah fazia com que a vida de todos os seus amigos, desafetos e familiares passava a girar em torno dela (e esse é um dos impulsos que levam pessoas a cometer o ato, o desespero por atenção, mesmo que póstuma), aqui isso atinge níveis estratosféricos quando um julgamento movendo mídia, oficiais e praticamente toda a cidade é posto em andamento para avaliar, simplesmente, se ela tinha razão ou não – aliás, outro ponto inacreditável é o modo como provas e testemunhas são adicionados ao processo de um dia pro outro porque ADOLESCENTES assim decidem.

Ok, no meio disso tudo há arcos bem definidos. O do orientador Kevin Porter (Derek Luke) é um dos mais tocantes nesse sentido, muito devido à performance do intérprete. Caso parecido com o de Alex (Miles Heizer), que tem a chance de transformar seu hipster blasé num dos jovens mais interessantes, representando uma espécie de (estranho) contraponto ao caso de Hannah, enquanto Brandon Flynn repete o bom papel de Justin, ainda uma das figuras mais comoventes em tela, ganhando rumos insuspeitos – caso se dedicasse a desdobramentos mais sutis como esses da culpa de Porter e Jessica, da recuperação de Alex e de Justin, 13 Reasons Why poderia encontrar uma temporada realmente inclusiva, sensível e pronta para os debates que apenas alude querer insuflar, por enquanto.

O que nos traz de volta a Tyler.
E aqui daremos alguns SPOILERS (só siga a leitura se já assistiu à temporada).

No dia do lançamento dessa segunda temporada, ocorreu no Texas mais um massacre escolar cometido por um atirador. Pode-se argumentar sobre a coincidência infeliz da série e a tragédia terem vindo à tona no mesmo dia. Mas a realidade é que esses tiroteios são assustadoramente comuns nos Estados Unidos. O ponto é: no seriado, Tyler surge como um personagem introspectivo, abusado e excluído do círculo de amigos. O ápice de seu tormento chega numa cena brutal de estupro que se equipara em grafismo ao suicídio de Hannah na primeira temporada, a gota final para que recupere seu baú de armas do porão e siga em direção ao baile de inverno da escola munido de várias pistolas e um rifle de assalto.

Se, por um lado é preciso alertar que o estupro e abuso sexual acontecem fora do espectro da atração, e mostrar que eles podem vitimar qualquer um, inclusive em virtude de ódio e repulsa, por outro, o roteiro reafirma uma narrativa comum e errônea. Não é preciso violência, abuso psicológico e emocional extremos para que um indivíduo pegue uma arma e saia atirando em outras pessoas – a tragédia pode ser motivada por coisas muito menores e diferentes, e é preciso atentar a elas também. Além disso, a derrocada de Tyler é acompanhada de perto em cada virada. A série, assim, corrobora a ideia igualmente trôpega de buscar no assassino as respostas para uma situação que é, no cerne, insana – o principal problema é toda uma cultura de assédios, empoderamentos que se somam ao item mais explosivo dessa fórmula: a liberação do porte de armas. Humanizar o assassino, infelizmente, cria para o público médio uma personalidade famosa, que vai ganhar defensores e detratores, e isso vai inibir os debates necessários.

Por último, a série transmite uma mensagem muito perigosa (para não dizer suicida) ao mostrar Clay se colocando entre Tyler e os estudantes para impedir o massacre. Tudo bem, tentar se conectar com pessoas feridas e magoadas tão profundamente é saudável, mas ANTES, não quando elas já estão apontando um rifle para você. E note que Clay sabia o que Tyler faria e escolhe deliberadamente não chamar a polícia e resolver ele mesmo. Outra mensagem maluca. O problema é que Tyler, Clay e os personagens de 13 Reasons Why são fictícios e estão servindo a um roteiro que visa somente prender a atenção ininterrupta. Não representam a realidade, muito embora o projeto tente se conectar com o lado de cá da tela. Se fosse apenas pela narrativa, estaríamos falando de um thriller até que bem interessante, mas Arte não existe no vácuo, ela SEMPRE tem um contexto que é preciso ser levado em conta.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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