Crítica
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Sinopse
Crítica
Depois de uma segunda temporada ainda melhor do que a primeira, After Life apresentou um encerramento muito abaixo das expectativas criadas. O terceiro ano começa com Tony (Ricky Gervais) mantendo Emma (Ashley Jensen) à distância, pois ainda anulado pelas lembranças da falecida esposa. Contudo, nada mudou e nem vai mudar tanto nos seis episódios. Promessas de “seguir em frente” não se concretizam, pelo menos não da maneira esperada. E frustrar tais probabilidades poderia ser um bom caminho, mas aqui se mostra apenas uma conveniência, já que para construir novas possibilidades seria preciso pensar em desdobramentos menos confortáveis. E as coisas permanecem em banho-maria rumo à conclusão da série que apresentou figuras cativante em torno do sofrimento e da agressividade desse sujeito que evidentemente descarrega no mundo as suas frustrações e impossibilidades. Ricky Gervais – diretor, roteirista e protagonista do programa – aparentemente não está preocupado em adicionar elementos à trajetória de seu personagem, mesmo que nos momentos derradeiros tente o situar como uma espécie de anjo da guarda capaz de fazer a vida de todos ao seu redor ser menos miserável. Além disso, há uma reciclagem preguiçosa de dinâmicas que pareciam plenamente resolvidas, como a relação de Tony com o pai. A continuidade das visitas à casa de repouso, mesmo depois da morte do ente querido, ajuda a reafirmar o lado doce do protagonista ranzinza, mas soa como um apego desnecessário ao cenário emocional pai/filho. O “substituto” funciona de primeira, mas depois nem tanto.
A própria relação de Tony com Emma não ganha o desenvolvimento/a atenção merecidos. É logo evidente que Tony se sente confortável na presença de Emma, mas desde que ela não force a aproximação amorosa: “somos apenas amigos” é repetido como mantra. E essa dinâmica permanece assim do começo ao fim. Emma somente tem a iniciativa de partir para outra quando cortejada por um amor do passado, ou seja, em nenhum instante demonstra autonomia para desvencilhar-se da interdição que está lhe fazendo mal. Ela parece submetida àquela configuração "meio amigo, meio querendo ser namorado" por uma solidão que encontraremos em outros personagens. Mas, justamente por isso, porque esse traço não é trabalhado? Curiosamente, a natureza puramente reativa do breve interesse amoroso de Tony vem justamente na temporada em que Ricky Gervais mais dá atenção à subjetividade de homens e mulheres que orbitam em torno de seu protagonista. Portanto, nesse sentido, é curioso que Emma continue sendo estritamente um satélite girando em volta do comportamento do homem por quem é abertamente interessada, pouco ganhando espaço para emancipar-se ou apresentar traços de personalidade. No fim das contas, esse ano derradeiro tem como norte a observação da solidão das pessoas e a constatação dos encontros como antídotos para a melancolia desse "sentir-se sozinho". Quase todos os coadjuvantes são abordados a partir dessa necessidade de estabelecer laços e afetos.
Tony desaparece em vários instantes da terceira temporada de After Life, o que reforça a ideia de ampliar os holofotes sobre os coadjuvantes. Poderia ser uma opção interessante, afinal de contas um deslocamento sensível de perspectiva, quase uma simbólica entrega de bastão. Isso, desde que não ficasse tão repetitiva a mensagem “todos têm problemas, com graus e impactos variáveis, não apenas o protagonista”. Tanto que, por exemplo, a nova funcionária da Gazeta de Tambury é alguém que reafirma esse tom de desamparo. Ela deve servir como um aviso ao protagonista: mesmo triste pela morte precoce da esposa, ele ainda tem a capacidade de fazer a diferença na vida de alguém que possui existência/dias/futuro ainda mais miseráveis do que os dele. Essa comparação que visa aliviar o peso de um sofredor é tão clara nesse encaminhamento rumo ao fim que, em certo momento, Tony pede ao homem considerado o mais “perdedor” das redondezas que converse com o carteiro entristecido para ele perceber que sua rotina não é tão ruim assim. É como se os infortúnios alheios aliviassem o peso que cada um carrega. Para sustentar essa tese, Ricky Gervais insiste em mostrar Kath (Diane Morgan) em encontros amorosos frustrantes; em reiterar a angústia do menino que não encontra paz sequer saindo da casa da mãe; em seguir repetidamente o cunhado numa fase competitiva para desafiar seus limites e provar à esposa que é “aventureiro”; em situar o entregador de jornais inconveniente.
Ao todo, a terceira temporada de After Life possui seis episódios com cerca de 30 minutos cada. Portanto, é uma jornada relativamente curta. E por isso mesmo é cansativa essa estratégia do roteiro de apostar na repetição, na constante rima entre as pessoas que, assim, seriam mais parecidas do que as suas diferenças sugerem. Dá a impressão de que Ricky Gervais não sabe muito bem como encaminhar aquilo para o fim, ficando demasiadamente restrito a certas coisas que já pareciam resolvidas/encaminhadas nos anos anteriores. O apego às memórias da falecida esposa continua o mesmo, a dificuldade de se reconectar segue moldes antes utilizados e os coadjuvantes nem são bem explorados, mesmo ganhando mais tempo de tela. Claro que há alguns momentos excelentes, como quando Tony vai com o cunhado espalhar as cinzas do pai, assim finalmente atendendo o último pedido dele. O protagonista não perde a sua essência ranzinza e raivosa mesmo nesse instante cuja função simbólica é a da despedida. Já a antes tão bonita relação de Tony com a senhora com quem divide o banco do cemitério acaba se tornando algo protocolar devido à falta de variação. Os dois personagens interagem porque essa situação faz parte do cânone da série. Nada do que ali é dito já não havia sido dito e levado em consideração, e tampouco as pílulas de sabedoria da idosa repercutem de alguma forma em Tony. É isto: se tivermos de reduzir em poucas palavras a sensação diante da terceira temporada, seguramente “falta de ideias” estaria em posição de destaque na sentença. Pena. Realmente uma pena.
Mas, o encerramento de After Life é decepcionante não apenas pela falta de ideias que renovem a nossa atenção. Há sumiços sentidos, como o da prostituta citada pelo namorado inquieto pela forma como ela se sustenta. Se na segunda temporada esses dois coadjuvantes desempenhavam um papel fundamental – inclusive dentro da curva dramática de Tony –, aqui eles são reduzidos ao impasse do qual temos estritamente a versão masculina, especificamente o ciúme dele por ela ser prostituta. A atriz que interpreta a profissional do sexo sequer aparece nos episódios e mesmo esse namorado carteiro, exemplo de intromissão non sense, é restrito ao pesar que parece ser uma desculpa esfarrapada para mantê-lo no programa. “Preguiçoso” talvez seja realmente a melhor forma para definir a encerramento da série, uma temporada que já não apresentou a mesma acidez das anteriores e que nem ao menos trouxe algo que instigasse nossa curiosidade sobre aquele mundo típico de cidadezinha do interior. A crise matrimonial do cunhado, a esperança vã do interesse amoroso, as excentricidades dos colegas de trabalho, o suporte emocional da desconhecida de luto e até mesmo as histórias coletadas durante o exercício do jornalismo são ocasiões ora repetitivas, ora sem muita importância. Louvável que o final feliz seja, a priori, refutado em função de uma visão menos idealizada. Se bem que a reunião bem no estilo “casamento de episódio final de novela” é, de todo modo, um final feliz que trata de aproximar Tony de alguns personagens de Charles Chaplin que seguiam tristes enquanto todos sorriam.
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