Crítica


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Sinopse

Em 1997, o famoso estilista Gianni Versace foi morto na escadaria de sua mansão pelo serial killer e garoto de programa Andrew Cunanan. Além de analisar o assassinato do designer, a temporada mergulha no trabalho da polícia e do FBI, sobretudo nos fracassos na busca pelo criminoso e no relato do sofrimento dos famíliares de suas vítimas.

Crítica

Após Nip/Tuck (2003-2010), Glee (2009-2015) e American Horror Story (2011-), Ryan Murphy parecia pronto para sentar confortavelmente no trono como o mais irrequieto criador da televisão contemporânea nos Estados Unidos. Porém, uma mente criativa como a dele ainda está longe de se acomodar. E se o cinema não parece ser o melhor dos ambientes para suas experimentações – como os comportados Correndo com Tesouras (2006) e Comer Rezar Amar (2010) deixaram claro – é mesmo na telinha onde se sente em casa. Assim, tivemos mais recentemente o divertido Scream Queens (2015-2016) e o fenomenal Feud (2017), que comprovaram essa inquietação por subverter regras pré-estabelecidas e investigar o status quo de conceitos até então inabaláveis. E dentre todos estes exercícios, é fato que o mais bem-sucedido é American Crime Story, que após conquistar o Globo de Ouro, o Emmy, o Bafta, o Screen Actors Guild Award, o Critics Choice Award, o Satellite e mais algumas dezenas de prêmios com The People v. O. J. Simpson, a primeira temporada, exibida em 2016, ela volta com ainda mais sede de sangue – e escândalos – com The Assassination of Gianni Versace, uma trama que parece ter todos os elementos para se mostrar irresistível.

Se a temporada anterior se desenrolou por dez episódios, esta segunda está confirmada para ser narrada com um a menos, nove ao total. E é de se perguntar se haverá assunto suficiente para tanto. No primeiro, intitulado The Man who would be Vogue (O Homem que Seria Vogue, em tradução livre), ainda que a cena de abertura seja com o próprio Versace (Edgar Ramírez, quase irreconhecível) no amanhecer do dia em que acabaria sendo morto, o foco da atenção logo se desloca para a praia, onde um aparentemente desesperado Andrew Cunanan (Darren Criss) se encontra, machucado e sem ter para onde ir, carregando apenas uma mochila e, dentro dela, uma pistola. Nos minutos seguintes, os dois, que parecem serem de mundos completamente distantes, se veem um diante do outro. Na celebridade, se instaura o pânico. No desconhecido, a fúria que o instiga ao inimaginável. A arma é sacada, tiros são dados à queima roupa. O fim de tudo é também o começo.

Murphy, diretor desse capítulo de estreia, dedica muitos dos 42 minutos da produção a um estudo sobre quem era esse homem, Cunanan. Ele encontra Versace pela primeira vez no início dos anos 1990. Teriam vivido juntos durante os sete anos até o assassinato? Ou se separaram e nunca mais se viram, até o reencontro fatal? Qual a relação que se estabelece entre os dois e quais as motivações para tal barbárie? A partir do momento em que os dois se conhecem, numa balada gay, algumas bravatas do jovem são suficientes para despertar a atenção do senhor, que se sente não apenas lisonjeado, mas também envolto por um fascínio crescente. Dias depois, estão juntos na ópera. Cunanan, no entanto, mal consegue discernir o que é ou não verdade de tudo que sai da sua boca. Tão acostumado a mentir, o comportamento já se tornou patológico, como uma defesa diante do tão pouco que se considera. Ele engana amigos, amantes, conhecidos. Vende a quem lhe interessa a imagem que acredita ser a mais atraente. E para Versace, um homem que tinha tudo e estava sempre em busca de mais, é provável que esta oferta tenha vindo para saciar sua procura.

Darren Criss tem o maior desafio em mãos, ao menos pelo que aqui é mostrado. Ele acerta ao emular o vazio de alguém que precisa ser nada para poder se compor em qualquer coisa. O jovem astro, que havia atuado sob o comando de Murphy na série Glee, tem dessa vez um papel de ainda maior destaque. A responsabilidade é enorme, e se não houve espaço para descuidos até agora, será preciso ir até o fim para que se confirme estar à altura do compromisso. Muito pouco é visto de Ramirez como o protagonista, e o companheiro deste por anos, vivido pelo cantor Ricky Martin (relembrando o início de sua carreira como ator de telenovelas em Porto Rico), parece estar adequado ao tipo que lhe é oferecido. No entanto, a surpresa, mesmo, vem da irmã do falecido, que ganha uma voz inconfundível e as formas trabalhadas de Penélope Cruz. A espanhola, que domina tanto o inglês quanto o italiano, surge no controle absoluto da personagem – em entrevista, afirmou ter ido pedir à benção à própria Donatella – e logo mostra não ter tempo a perder. É ela, a partir de agora, que estará dando as cartas por ali.

Homossexual assumido, Ryan Murphy tem deixado claro com suas obras pregressas ser um forte advogado da causa LGBT em Hollywood. Se boa parte das suas séries eram calcadas em uma forte atmosfera inspirada pela diversidade, American Crime Story: The Assassination of Gianni Versace começa dando a entender que aqui ele deverá retomar o ativismo visto no telefilme The Normal Heart (2014). Morte, inveja, sedução, mentiras, desinformação, preconceito, fama e fortuna, tudo tendo como pano de fundo o hipnotizante mundo da moda. Astros que ganham uma nova chance para brilhar sob os holofotes da mídia, um olhar profundo sobre a alma dos envolvidos – o garoto que queria ser mais do que ter, o esteta insaciável, o belo em vias de desaparecer, a leoa em busca da preservação – e um cineasta sem medo de ousar são como jogadores de um mesmo time, cada um defendendo o que lhe compete com muita garra e sem medir esforços. O cenário, enfim, está montado. E se o passo inicial é auspicioso, é porque pressupõe-se estar no caminho certo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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