Crítica


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Sinopse

Depois de muitas histórias vividas ao longo de duas décadas de amizade, Carrie, Miranda e Charlotte começam a perceber que a realidade é ainda mais complicada quando se chega próximo de completar 50 anos.

Crítica

Há uma geração de admiradores de Sex and the City (1998-2004) que ainda lembra com carinho de personagens como Carrie, Samantha, Charlotte e Miranda. Mesmo com o lançamento de dois longas-metragens posteriores – Sex and the City: O Filme (2008) e Sex and the City 2 (2010), que mais serviram para estremecer essas relações do que para angariar novos fãs – mais de uma década longe dessas garotas (ou melhor dizendo, mulheres) e suas aventuras românticas se mostrou ser um preço alto demais, tanto para o público quanto para aqueles por trás (e também à frente, ou quase isso) das câmeras. And Just Like That foi anunciado inicialmente como uma minissérie, uma retomada pontual apenas para matar saudades e oferecer uma atualização não muito profunda, mas abrangente o suficiente, do que elas estariam fazendo hoje em dia. Mas foram tantos os problemas ao redor da produção, ao mesmo tempo em que se mostrou necessário jogo de cintura para contorná-los, que a sensação, após o término dessa leva de dez episódios, não só é de missão cumprida, mas também de que “foi o melhor que se podia fazer dentro das condições apresentadas”. É pouco, claro, para um programa que tanto provocou e promoveu ao longo de suas seis temporadas originais. Mas, também, é sinal de comprometimento e dedicação, deixando claro a estima que os artistas envolvidos possuem por estas histórias.

O primeiro dos imbróglios foi o anúncio de que uma das quatro protagonistas não havia aceitado o convite para retornar a sua mais famosa criação. Kim Cattrall fez de sua Samantha a verdadeira representante do “sexo” do título, enquanto as demais lutavam para ver quem melhor encarnava o espírito da “cidade”, por assim dizer. Porém, não era de hoje que a atriz se estranhava com suas colegas, principalmente com Sarah Jessica Parker. É certo que sua ausência foi sentida, mas também é fato que os realizadores Darren Star (Emily in Paris, 2020) e, principalmente, Michael Patrick King (Murphy Brown, 1988-2018) se esforçaram ao máximo para minimizar os danos provocados pelo seu não comparecimento. Aliás, Samantha pode não estar de corpo presente, mas de forma alguma foi ignorada – felizmente! Pior ainda seria terem colocado uma outra intérprete no papel – o que também foi evitado. Pelo contrário, sua partida é tratada abertamente desde o primeiro episódio (teria tido um desentendimento com as demais, o que a motivou a se mudar para Londres), e mesmo sem se materializar, volta e meia sua influência era sentida, até mesmo através de trocas de mensagens pelo celular. Um modo inteligente de dar-lhe adeus sem, de fato, ter se despedido.

Mas se éramos quatro, três seguiram firmes e fortes. Carrie (Parker, tão confortável quanto antes) se mostra a mais fiel à personalidade elaborada ao longo de décadas. Segue uma alma livre e despreocupada, uma artista, enfim. Ainda escritora, tem ocupado seus dias entre eventos sociais e como participante de um podcast sobre relacionamentos. E se após seis temporadas e dois filmes teria finalmente realizado seu sonho – casado com Mr. Big (Chris Noth, de The Good Wife, 2009-2016), sua verdadeira paixão, entre tantas idas e vindas – era preciso que algo muito forte acontecesse para que saísse de sua zona de conforto. Essa “mexida” vem de forma inesperada: Big morre de um ataque do coração logo no segundo episódio. Assim, entre a dor do luto e a necessidade de se reconstruir, o que se vê ao longo da temporada é quase uma retomada do viés original pensado para Carrie: reencontrar o seu lugar na vida amorosa de uma das maiores metrópoles do mundo.

Se para ela, portanto, And Just Like That representou uma volta às origens, tanto Miranda (Cynthia Nixon, que está também na recente A Idade Dourada, 2022) quanto Charlotte (Kristin Davis, frequente em produções genéricas da Netflix, como o suspense-fenômeno Por Trás da Inocência, 2021) se viram na obrigação de se reinventar – e, sob certos aspectos, indo um pouco além da conta. Se a última sempre foi mimada e até mesmo intransigente em suas visões mais tradicionais, será na vida familiar que se verá ocupada. Apesar do casamento com Harry (Evan Handler, de Power, 2019-2020) se apresentar como um mar de tranquilidade – tão saudável a ponto de render um nu masculino inesperado (e indesejado) na tentativa de exemplificar o quão ativa é a vida sexual dos dois – será no trato com as filhas que colocará suas certezas em cheque. Não apenas Lily (Cathy Ang, de A Caminho da Lua, 2020), que começa a lidar com a descoberta da própria sexualidade, como também precisará entender Rose (Alexa Swinton, de Billions, 2016-2021) – ou Rock, como passará a exigir como tratamento a partir de quando se descobre não binária (“não quero ser definida por nenhum conceito externo”, afirma). A inserção desse debate é feita de modo natural, não impositivo, e por se colocar junto a uma figura tão conservadora – mas ansiosa pela adequação – acaba gerando discussões interessantes (por mais que não tão profundas quanto se poderia almejar).

Por fim, há a grande pedra no sapato de And Just Like That: Miranda Hobbes. Sua intérprete, Cynthia Nixon, se casou com Christine Marinoni em 2012, e desde 2018 vem afirmando se identificar com o termo queer ao se definir. Ela, que também é produtora da série e diretora do sexto episódio (Diwali, justamente aquele no qual Miranda assume estar apaixonada por Che, personagem de Sara Ramirez, a popular doutora Callie Torres de Grey’s Anatomy, 2006-2022), certamente teve forte influência nos novos rumos impostos a sua figura. Se por anos negou a possibilidade de se envolver com outra mulher e reiteradas vezes afirmou o desejo de permanecer ao lado de Steve (David Eigenberg, de Chicago Fire, 2012-2022), ela agora se dispõe a dar uma guinada de 180º, encerrando o casamento, iniciando uma nova relação – e com alguém que não se define nem como ela, nem como ele – e disposta até mesmo a abandonar os estudos e trabalhos para seguir, em nome dessa paixão, para o outro lado do país. Transformações são interessantes, e quando bem trabalhadas, oferecem frescor a velhos conhecidos. Porém, o que acontece aqui é por demais radical e disruptivo, a ponto de tornar irreconhecível um tipo pelo qual tantos tinham afeição e que, agora, percebem dificuldade em se identificar.

A esse impasse frente a tantas mudanças foi somado outros fatores alheios ao universo ficcional. Chris Noth, logo no começo das gravações, foi acusado de assédio por antigas colegas de trabalho (de um outro projeto), e apesar de Big ser dado como morto, a intenção original era que seguisse participando da trama, em lembranças e sonhos de Carrie – o que não foi mais possível. Da mesma forma, foi chocante a partida de Willie Garson (White Collar, 2009-2014), que faleceu em setembro de 2021, aos 57 anos, vítima de um câncer. Sem o melhor amigo de Carrie por perto, ela perdeu mais um dos seus apoios. Por outro lado, foi possível aumentar a participação de Mario Cantone – como se substituir um gay pelo outro fosse o mais lógico a ser feito – e se permitiu também agregar recém-chegadas, como a poderosa corretora Seema (Sarita Choudhury, de A Lenda do Cavaleiro Verde, 2021), a independente doutora Nya Wallace (Karen Pittman, de Luke Cage, 2016-2018) e a sofisticada Lisa Todd Wexley (Nicole Ari Parker, de Empire, 2017-2020). Não por acaso, as três representando minorias de forma positiva e sedutora. E assim, como quem não quer nada, And Just Like That cumpriu sua missão original de encurtar uma distância afetiva, ao mesmo tempo em que propôs trocas sintonizadas com tempos contemporâneos. Parece pouco, mas é assim que revoluções são feitas: um passo de cada vez.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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