Crítica
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Sinopse
Dos anos 1930 até a atualidade, um mergulho na importância das cineastas mulheres para a história do cinema brasileiro.
Crítica
A existência da série documental As Protagonistas é algo a ser celebrado. Isso porque há enormes lacunas quando o assunto é o aprendizado consistente da história do cinema brasileiro. E a situação não é tão diferente mesmo em instituições superiores. Estuda-se muito sobre as vanguardas europeias e não como se deveria os capítulos essenciais da trajetória iniciada por aqui antes do encerramento do século 19. Dentro dessa perspectiva de escassez de saberes e informações, a participação das mulheres se torna um capítulo ainda mais negligenciado. Exemplo disso, o fato da precursora francesa Alice Guy-Blaché ter ficado décadas obscurecida, praticamente relegada às notas de rodapé de uma arte que ela ajudou como poucos a germinar em seus passos iniciais. Assim, não será espantoso (embora triste) se a maioria dos espectadores for apresentada por essa série a nomes vitais como Gilda de Abreu, Cleo de Verberena e Carmen Santos. Antes tarde do que nunca. Quem comanda as aulas, como diretora e apresentadora, é Tata Amaral, uma das principais cineastas do período chamado de Retomada. Aliás, se há uma falha no programa é não sublinhar como poderia o valor das cineastas que começaram fazendo curtas nos anos 1980 e que debutaram em longas na década seguinte para que o cinema brasileiro retomasse sua confiança. No entanto, o dado imprescindível é trazido à tona e sinalizado.
A abrangência da pesquisa que sustenta os episódios de As Protagonistas é, ao mesmo tempo, um pilar determinante e um calcanhar de Aquiles. Tata Amaral e equipe passeiam pelo período que vai do início da atividade cinematográfica no Brasil até a nossa atualidade repleta de desafios, na qual a televisão precisa ser entendida como membro valioso da cadeia ampliada pela nomenclatura audiovisual. Nesse trajeto, figuras recorrentes nos insuficientes estudos sobre a matéria são intercaladas com outras ainda mais apagadas. A italiana Maria Basaglia, cujo arrojo estava em assumir a direção de filmes num período (anos 1950) em que a função era reservada aos homens, é reconduzida ao lugar que lhe cabe. Também são enfatizadas a exceção cinemanovista de Helena Solberg e as aventureiras que diversificaram o cinema dos anos 1970. As principais expoentes da videoarte, a transformação do panorama experimental preconizado pela chegada ao país de equipamentos novos, tudo isso está ali destacado. Claro, não há tempo para um mergulho vertiginoso em cada segmento – levando em consideração que os 13 episódios têm cerca de 30 minutos. Se não permite uma densidade satisfatória, o recorte amplo pelo menos se encarrega de iluminar uma área grande. A bem-vinda iniciativa passa rapidamente por inúmeras histórias ricas, mas pelo menos temos contato com um pouco delas.
O problema dessa extensão é exatamente a sensação de insuficiência, algo que fica ainda mais evidente em certas partes, como na encarregada de constatar a existência de uma rede de cineastas indígenas. É muito interessante a conversa com Graciela Guarani, mas o próprio teor do diálogo deixa evidente a impossibilidade de reduzir uma produção múltipla e repleta de particularidades para fazê-la caber embaixo de um guarda-chuvas que tende às generalizações. As Protagonistas alterna o resultado dessa investigação histórica com o testemunho de mulheres importantes do nosso cinema, de realizadoras a gestoras. Ana Maria Magalhães, Ana Maria Veiga, Helena Ignez, Heloísa Buarque de Hollanda, Júlia Rezende e Vera Figueiredo são algumas das personalidades que enriquecem a proposta com suas experiências e opiniões. Contudo, a série não abre seu alcance para as divergências, tensões e afins. Assim como não dá para dizer que todas as indígenas fazem o mesmo cinema, tampouco é viável sustentar a ideia de que as mulheres que participam do cinema brasileiro pensam sempre em direções convergentes. Então, fica também uma ressalva para esse aparo sutil de arestas em prol da manutenção de um panorama totalizante. A intenção de Tata Amaral parece ser concentrar-se na hercúlea tarefa de traçar um painel vasto o suficiente, ainda que isso signifique fazer determinadas concessões.
Do ponto de vista da linguagem, As Protagonistas é bastante conservador. O que temos na tela frequentemente é Tata Amaral desempenhando a função de mestre de cerimônias, além de grafismos simples, depoentes registrados estaticamente e trechos de filmes igualmente funcionando para exemplificar. O cenário em que a cineasta fica é sempre o mesmo: a imitação de bastidores do cinema. A frugalidade que parece extraída nos programas de televisão antigos sobre o tema acaba servindo a uma austeridade enviesada. É possível identificar o desejo de privilegiar as informações distribuídas ao longo dos 13 episódios também pelo comportamento comedido da apresentadora. Diga-se de passagem, em algumas partes Tata gesticula um pouco mais, insinuando uma atuação menos discreta. E essa tentativa tímida não gera efeitos, sobretudo porque Tata Amaral parece se sentir desconfortável com a variação. Visualmente é tudo próximo do franciscano, às vezes beirando o rudimentar. Essa natureza dura pode afastar o espectador em busca de experiências capazes de extrapolar o apanhado eficiente de dados e vivências que ajudam a completar lacunas essenciais. A falta de oscilações contribui para a repetição que alimenta uma sensação monocórdica. Há um esquema básico seguido praticamente à risca: introdução, depoimentos, comentários, nomes de mulheres importantes flutuando e fragmentos dos filmes citados. Raramente as idealizadoras escapam desse modelo.
As Protagonistas possui uma linguagem convencional. Compensa essa fragilidade, em parte, com a atenção ao assunto e aos recortes feitos para apresenta-lo de modo didático, direto e sucinto. A parte técnica deixa a desejar em vários momentos, como no par de vezes em que a montagem expõe falhas que poderiam ser minimizadas com um trabalho edição afinado. Dentro desse universo riquíssimo, é preservado o espaço devido aos feitos paradigmáticos, como o de Adélia Sampaio que, ao lançar Amor Maldito em 1984, se tornou a primeira mulher negra a estrear comercialmente um longa-metragem de ficção no Brasil. Tata Amaral se coloca diante da câmera estática como um símbolo metalinguístico, afinal de contas é uma das tantas mulheres que lutaram (e lutam) bravamente contra as engrenagens que continuam consagrando aos homens a primazia de contar histórias. Inúmeras nuances e sutilezas acabaram ficando de fora em prol da síntese. O norte é evidentemente uma sucessão de esclarecimentos compensatórios. A série pode ser compreendida como passo significativo. Elementar, mas significativo. Mesmo com jeitão de aula – montado para transmitir conhecimentos, menos para refletir a partir deles –, e que tenha abordagem engessada, o programa tem méritos. E o principal deles é a capacidade de resgatar do limbo nomes e feitos invisibilizados. Sua estrutura narrativa pode afastar os afoitos que resolverem maratonar os 13 episódios justamente pela falta de inflexões.
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