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Sinopse

Castle Rock é uma cidade fictícia localizada em Maine, nos Estados Unidos. Lá, passado e presente se cruzam através das histórias de terror que não só se ouve falar, como é vivida e sentida por seus moradores. Nesta estranha cidade, todo o universo de Stephen King se encontra.

Crítica

Baseada no universo literário do escritor Stephen King, a série Castle Rock, nova produção original do Hulu, tem um primeiro episódio bastante impactante, competente, sobremaneira, por estabelecer rapidamente uma atmosfera de tensão, partindo da soma de duas ocorrências insólitas. Uma delas, o desaparecimento de um menino nos anos 90. Construída por meio de relances, ela é lapidada ao longo da trama. O sibilar do vento que deflagra a presença da criança no centro do lago congelado é suficiente para que se instaure, logo abaixo da camada mais visível da narrativa, uma suposição quanto ao sobrenatural influenciando o ambiente. O outro evento é o suicídio traumático de Dale (Terry O'Quinn), diretor da mítica prisão Shawshank, cenário de vários trabalhos de King, entre eles Um Sonho de Liberdade (1994). Aqui, sobressai a encenação das minúcias, das filigranas, culminando com o carro caindo de um penhasco e uma corda amarrada no pescoço do sujeito.

Os pormenores são imprescindíveis a esse clima de apreensão, bem como para robustecer a concepção do ambiente marcado por um suspense com toques terríficos. A prisão Shawshank está sob nova direção, numa privatização mencionada repetidamente pelos personagens, consolidando a ausência de um poder regulador, no caso o Estado, que, provavelmente como Deus, negligencia os trancafiados, e também os agentes da lei que tentam manter as coisas em ordem. Os frequentes planos aéreos do local visam, justamente, criar essa sensação de que o maligno, ou o insondável, está naquelas paredes, conjuntura potencializada pela descoberta do prisioneiro misterioso vivido por Bill Skarsgård, tratado como um animal enjaulado, apartado dos demais detentos. O isolamento e as condições sub-humanas nas quais era mantido, acrescidas de seu olhar enigmático e ameaçador, amplificam a noção de perigo, reconfigurada com o suicídio (será?) de um rato.

O primeiro episódio de Castle Rock lança diversas perguntas quase simultaneamente. Há a evidência de que alguma força estranha condiciona certos comportamentos. O elo entre o prisioneiro misterioso e Henry Deaver (André Holland), advogado especializado em sentenciados à morte no Texas, outrora o menino que reapareceu inexplicavelmente enquanto seu pai fora gravemente ferido, trata de destacar que os fenômenos realmente não são isolados. A câmera passeia elegantemente pelos espaços, espreitando os deslocamentos, numa encenação que recorre apenas uma vez ao famigerado jump scare, mas com autoridade para não ser banal. Além de tudo isso, a mãe adotiva de Henry é vivida por Sissy Spacek, atriz que, curiosamente, ficou famosa encarnando uma célebre protagonista de Stephen King, a jovem assustada e com poderes extraordinários de Carrie: A Estranha (1973). Bill Skarsgård, por sua vez, foi Pennywise em It: A Coisa (2017). Easter eggs para o deleite dos fãs.

Ainda é cedo para saber como as intrigas e as potencialidades vão se desenrolar, mas a julgar pela habilidade já demonstrada, com as peças se encaixando caprichosamente para apresentar, de cara, um painel que consigamos identificar de pronto, a série possui um potencial e tanto. O diretor Michael Uppendahl dá espaço para o espectador conjecturar sobre determinadas circunstâncias, saindo da esfera da sugestão, expondo a força destrutiva escondida atrás de olhares furtivos e vagos. O personagem de Bill Skarsgård surge, de cara, como uma ameaça cabalística, em passo acelerado deslocada da posição de vítima a provável algoz. Óbitos sucessivos e possivelmente interligados; pessoas lidando diretamente com o fim; gente de passado nebuloso; figuras sinistras. Ingredientes bem orquestrados que garantem a pronta adesão, bem como a curiosidade sobre o que acontecerá nessa terra silenciada e cheia de enigmas, na qual um simples meneio pode significar agonia.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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