Crítica


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Sinopse

Castle Rock é uma cidade fictícia localizada em Maine, nos Estados Unidos. Lá, passado e presente se cruzam através das histórias de terror vividas e sentidas por seus moradores. Nesta estranha localidade, todo o universo de Stephen King se encontra.

Crítica

O sexto episódio de Castle Rock, intitulado Filter, é marcado por uma intensidade oriunda do entrecruzamento de vários elementos, das revelações às novas (e fortes) possibilidades. Fica evidente que qualquer componente, mesmo os aparentemente insignificantes, como o zumbido auricular de Henry (André Holland), são parte de uma intrincada teia desvelada aos poucos, estrategicamente. A presença do filho do protagonista, do ponto de vista prático, deflagra o abismo que há entre eles. No plano simbólico, alude à relação pregressa do agora adulto com o pastor que lhe adotou, uma dinâmica ainda bastante nebulosa, mas, segundo Molly (Melanie Lynskey), marcada por um ódio de viés insondável, por ora. Aliás, a revelação da participação dela na morte do destacado membro da comunidade não é uma simples explanação, pois amplia a ideia de conexão com o vizinho que provavelmente desejava livrar-se do religioso por algum motivo. Enigmas são preservados como artimanhas ao porvir.

Filter, dirigido por Kevin Hooks, continua um caminho de aumento das violências em cena. A aparição da entidade de cabeça enfaixada na janela é rápida, mas suficiente para demonstrar que em Castle Rock nem os mortos conseguem descanso, pois permanecem ligados ao cruel mundo dos vivos. O prisioneiro misterioso (Bill Skarsgård) é tido, definitivamente, como uma peça imprescindível à mistificação daquele lugar. Se no princípio do episódio ele diz a Alan (Scott Glenn) que pode ajudar a “curar” Ruth (Sissy Spacek), logo depois demonstra inclinação ao mal, provavelmente provocando a morte de internos e funcionários no hospital psiquiátrico em que fora colocado. Para ampliar o impacto de mais essa situação macabra envolvendo o personagem, o diretor associa os eventos estranhos de sua chegada ao local, como o corvo morto (suicida?), ao relato jornalístico que dá conta do acontecimento, sem a necessidade de mostra-lo visualmente. É um procedimento funcional e inteligente.

Um dos grandes mistérios de Castle Rock, e que começa a ser devidamente desvendado neste episódio, é tudo o que diz respeito ao sumiço de Henry no passado. Gravações da época são encontradas, mas, sobretudo, entram em cena duas figuras que adicionam novas camadas, também ao protagonista, ajudando a desenhar sua importância naquele cenário. Misturando religiosidade e ciência, os criadores dão indícios de o porquê o pastor levava seu filho ao bosque, concebido como um lugar em que a excepcionalidade se manifesta. A natureza, portanto, é desenhada como um espaço de contato mais preciso e profundo com uma esfera intangível e transcendente. Determinadas questões permanecem, como: por que o menino tinha tanto ódio do sujeito que lhe criava como pai? O que, de fato, algo como o barulho, uma espécie de argamassa espaço-temporal, pode significar dentro daquele ambiente repleto de gente estranha? E por que o carro de um morto ajudaria a restabelecer alguém?

Dentro da consecução de componentes aprofundados, a suposta inadequação mental de Ruth é ressignificada totalmente por uma explanação quanto ao desprendimento temporal. E, fazendo uma retrospectiva, faz todo o sentido que seus lapsos, inicialmente lidos como decorrência de uma disfunção neural, possam ser indícios de breves (e literais) descolamentos do presente. Mas, como boa parte das questões de Castle Rock, essa permanece aberta, mesmo que as pistas deem contornos mais instigantes à personagem de Sissy Spacek. Como no seu predecessor, em Filter a forma de rumar ao encerramento é imprescindível ao impacto e, principalmente, para que sobrevenha a sensação de urgência. De um lado, Henry potencialmente tendo contato com um silêncio que pode lhe trazer verdades; do outro, o prisioneiro misterioso, ao redor do qual gravitam toda sorte de maus agouros, possivelmente resolvendo necessidades de sua essência com violência. Mal dá para esperar pelo próximo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.