Crítica


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Sinopse

Castle Rock é uma cidade fictícia localizada em Maine, nos Estados Unidos. Lá, passado e presente se cruzam através das histórias de terror vividas e sentidas por seus moradores. Nesta estranha localidade, todo o universo de Stephen King se encontra.

Crítica

Intitulado The Queen, o sétimo (e até agora melhor) episódio de Castle Rock é um primor narrativo, por diversos motivos. A começar pela forma como centraliza completamente a ação em Ruth (Sissy Spacek), conseguindo desvendar a sua importância maiúscula à trama, mas sem esgotar as possibilidades da personagem, coadjuvante em múltiplas ocasiões, mas que a partir desse vital momento assume protagonismo. Se antes tudo parecia convergir inevitavelmente à relação do prisioneiro misterioso (Bill Skarsgård) com Henry (André Holand), a esse elo insondável, agora os rumos da série claramente ganham novos contornos, pois condicionados pela singularidade dessa mulher em torno da qual muito se desenrola. Seus lapsos já haviam sido retrabalhados como possíveis deslocamentos temporais, sem a confirmação da literalidade do excepcional, tampouco, no sentido contrário, a comprovação de tratar-se de metáfora para uma doença qualquer. Dessa vez, o Alzheimer é mencionado como vilão. Porém, isso não impede a permanência da bruma.

Seguindo a construção de um terreno arenoso, em que as possibilidades não são exauridas, no qual o peremptório inexiste, The Queen expande essa comunicação entre a doença e o extraordinário. Tudo gira em torno das viagens no tempo de Ruth, das suas constantes visitas a ocorrências do passado, algumas delas determinantes para o andamento do enredo. O arranjo do roteiro nos permite tomar conhecimento de dados importantes, como o temperamento delirante do pai de Henry, a ausência que desde o princípio está no epicentro dos enigmas, afinal de contas o próprio sumiço do garoto, anos antes, na companhia desse pai que acabou ferido gravemente, ainda é algo não resolvido. Ao mesmo tempo, conseguimos nos aproximar inapelavelmente dessa matriarca que anteriormente parecia apenas desligada momentaneamente da realidade. Para isso, vários instantes já vistos são reapresentados pelo ângulo de quem temporariamente divaga a outro âmbito temporal, criando uma forte teia.

The Queen amarra algumas pontas, mas deixa outras soltas, o suficiente para estabelecer novos impasses. O prisioneiro misterioso interage com Ruth de um jeito curioso, demonstrando ciência de informações concernentes apenas ao seu falecido marido, como o segredo de um cofre e as circunstâncias da compra de um vinil emblemático ao casal desfeito outrora pela morte. Não é desta vez, porém, que nos é desvelada propriamente a natureza de tal personagem absolutamente intrigante, mas sua proximidade com a mãe de Henry torna as coisas ainda mais perturbadoras. Seria ele uma espécie de reencarnação do pastor, ou alguém que inadvertidamente se comunica com o mundo dos mortos, acessando conhecimentos? Pelo visto, é um trunfo que os criadores guardarão para gradativo desvendar nos quatro episódios restantes ao encerramento do ciclo – lembrando que, como antologia, estamos diante de uma história totalmente fechada, que será devidamente encerrada na décima primeira parte.

Castle Rock tem o dom, reafirmado a cada fragmento, de trabalhar habilmente os mistérios que a alimentam inexoravelmente. A cada passo dado temos satisfeitas certas curiosidades, mas sempre é deixada uma área cinzenta para trás, um espaço a ser iluminado adiante, o que mantém o suspense em alta. Em The Queen, essa capacidade atinge seu ápice, auxiliada pela estrutura narrativa que conjuga expressivamente forma e conteúdo. Na medida em que mergulhamos na psique fracionada de Ruth, na sua faculdade – mental ou sobrenatural – de revisitar acontecimentos do passado, entende-se melhor o medo que Henry tinha do pai, o papel de Molly (Melanie Lynskey) e, de quebra, há a delineação de uma figura trágica, no caso Alan Pangborn (Scott Glenn), o apaixonado que se tornou guardião. Seguindo a linha de seus predecessores, este episódio se encerra dramaticamente, lançando questões a serem respondidas e adicionando uma nova e significativa camada a essa personagem fascinante que é Ruth. O ontem e o hoje se misturam criando uma liga densa, cuja vocação é difícil de prever.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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