Crítica


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Sinopse

A enfermeira Anne necessita de antipsicóticos para equilibrar sua saúde mental. Ela vaga de cidade em cidade com a filha adolescente, afanando dos hospitais onde trabalha o suprimento para manter-se em equilíbrio. Isso até chegar à cidadezinha de Castle Rock, que vive a tensão entre dois irmãos em disputa.

Crítica

Diferentemente da primeira temporada de Castle Rock que, de modo engenhoso, formulou perguntas ao longo de dois terços, mas apresentou resoluções frustrantes na parte final, a segunda leva de episódios desta antologia baseada na obra de Stephen King demora menos para perder o prumo e sair dos trilhos. Há vários personagens e situações contidos nos livros e contos do escritor gravitando em torno da protagonista de Louca Obsessão, Anne (Lizzy Caplan, de atuação excepcional), a mesma que, levada aos cinemas, rendeu a Kathy Bates um Oscar de Melhor Atriz. Para os fãs ardorosos de King, deve ser um deleite a busca por easter eggs distribuídos em cena. Alguns deles são sutis, como rápido vislumbre do Plymouth Fury 1958, de Christine: O Carro Assassino, numa parada, ou a brevíssima sinalização da fronteira de Castle Rock com Derry, cidade lembrada mais comumente por ser o cenário de It: A Coisa. Mas, aos não iniciados, muito disso se perde.

Nos primeiros acontecimentos da segunda temporada de Castle Rock, somos convidados a conhecer mais profundamente a singularidade psicológica de Anne, enfermeira que vaga na companhia da filha, Joy (Elsie Fisher), obviamente fugindo de alguém. Para conferir matizes à presença delas na localidade do Maine, os idealizadores criam uma dinâmica evidentemente shakespereana como pano de fundo relevante. Pop (Tim Robbins) é como um rei das cercanias que testemunha dois de seus filhos adotivos, Abdi (Barkhad Abdi) e Ace (Paul Sparks), brigarem pelo “trono”. Essa contenda vai perdendo força aos poucos, tornando-se obsoleta, quando muito periférica, especialmente a partir do instante em que tantos outros elementos são adicionados, o que insufla desmedidamente o escopo da história. Há um desnível na comunicação dessas pequenas narrativas, com o foco sendo deslocado meio que a esmo em diversos momentos. Às vezes parece que o principal é acompanhar Anne em sua luta diária contra o passado e a conturbada condição psiquiátrica.

Desajeitadamente, as atenções são redirecionadas às dificuldades de Joy. Ela é circunstancialmente tirada do “conforto” ao lado da mãe, apresentada pelos novos amigos às possibilidades de um cotidiano menos cartesiano. Todavia, logo se misturam, num fluxo que vai minando as potencialidades de todos os vieses, os problemas de consciência de Pop, os contratempos da doutora Nadia (Yusra Warsama) e certa aura fantástica que embola as coisas de vez, tão logo um personagem importante seja brutalmente assassinado. Castle Rock tem, daí em diante, no mínimo, duas dimensões fortes que disputam de maneira trôpega os espaço de destaque do enredo. Tudo o que acontece ao redor de Anne, com direito a um flashback bem didático que ajuda, inclusive, a esclarecer o porquê dela ser tão interessada por literatura; e a ameaça oriunda do Lote de Salem, demarcada por moradores centenários revivendo hospedados nos cadáveres alheios.

Assim que a esfera sobrenatural começa a guiar a trama, as disputas shakespereanas se esvaem e Anne se transforma numa mãe-coragem disposta a defender a filha. Antes, no entanto, há um desperdício enorme quanto à questão familiar envolvendo a enfermeira, a menina e a mulher que retorna para reivindicar espaço. O modo como os roteiristas articulam a chegada e a despedida dessa coadjuvante aponta à pouca disposição para substanciar algo tratado como essencial quando deflagrado. As ocorrências novas vão se impondo, ganhando corpo na medida em que as engrenagens trabalhadas até ali são acintosamente negligenciadas. A natureza antológica de Castle Rock também é posta em xeque, pois, embora a segunda temporada tenha figuras e circunstâncias novas, se trata, como bem vemos adiante, de uma sequência direta, dotada de personagens icônicos voltando, cujo âmago permanece enigmático, embora seja parcialmente revelado.

Considerando que a segunda temporada é uma continuação da primeira –  a julgar por peças importantes da primeira leva mencionadas diretamente –, a construção fica ainda mais exposta às ressalvas. A Castle Rock desta vez é completamente diferente, com uma configuração social bastante peculiar. Para começo de conversa, como Pop, morador proeminente da comunidade, não é citado no ano inaugural? Uma vez que a série lida com múltiplas realidades, é possível imaginar uma interdimensionalidade operando, configuração, quiçá, a ser revelada em eventuais incursões futuras. Porém, a maneira como os realizadores cravam certas ligações, sobretudo as do rapaz desconhecido preso nas catacumbas de Shawshank pelo diretor que comete suicídio em Castle Lake, aponta para uma fragilidade conceitual, que tange à dificuldade de tornar crível o fato de se tratar da mesma cidade. Embora menos oscilante, repleta de personagens fortes com os quais é fácil criar vínculos (méritos do elenco afiado), é uma pena que a segunda temporada ainda deixe tanto a desejar.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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