Crítica


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Sinopse

A história acontece na agência de talentos ASK, acompanhando os profissionais da casa. Matias é o verdadeiro empresário que tem um olhar para os negócios; Gabriel o sonhador, amante das artes e Andrea é uma workaholic que poderia ser estrela. Camille vai viver para Paris e aproveita a oportunidade para se aproximar do pai.

Crítica

O título dessa deliciosa série criada por Fanny Herrero é alusivo ao percentual pago a agentes do cinema e da televisão quando um cliente de seu portfólio fecha contratos. Em Dez Por Cento, o cenário principal e a ASK, escritório especializado em administrar as carreiras de atores, atrizes, diretores, diretoras, roteiristas e afins. O grande charme aqui está no fato de que em todos os episódios celebridades reais “se interpretam”, bagunçando as noções entre a verdade e o puramente encenado. Por exemplo, tudo começa com o imbróglio envolvendo a frustração do desejo de Cécile De France de trabalhar no próximo filme de Quentin Tarantino. Isso se dá por que ela, aos 40 anos, é tida como velha demais ao papel almejado. A trama se fundamenta nessa crise que é, concomitantemente, prática e existencial. Primeiro, porque um trabalho de anos corre o risco de ser em vão. Segundo, em virtude da discussão proporcionada acerca dessa predatória necessidade do show business de se renovar, de constantemente encontrar rostos novos e, por conseguinte, de realocar quem amadurece.

Dez Por Cento, no entanto, não fica absolutamente dependente dessas participações especiais encarregadas de oferecer ainda mais veracidade aos dramas desenrolados graciosamente nos bastidores. Há vários protagonistas, de fato, com um deles sobressaindo por episódio. Porém, Camille (Fanny Sidney), a jovem fruto de um relacionamento extraconjugal que chega à Paris para encontrar o seu pai, é imprescindível, inclusive por ser aquela que funciona como uma espécie de representante do espectador nos instantes iniciais. O contato dela com esse mundo, então novo, repleto de nuances e idiossincrasias, permite o seu desvelamento, o que a coloca como peça vital à estrutura narrativa. Logo abaixo do proprietário da agência, cuja morte precoce acarreta um dilema que perpassa a primeira temporada como um todo – afinal a viúva quer se desfazer do negócio, pondo em xeque o trabalho de todos –, atuam quatro profissionais com características e atuações diferentes. Seus estilos aparentemente antagônicos são, na verdade, complementares e interconectados.

Matias (Thibault de Montalembert), o aparentemente inescrupuloso, que profissional e pessoalmente lança mão de ardis para manter-se no topo. Todavia, há o cuidado diretivo, e da atuação, para deixar sempre uma nesga de fragilidade evidente, encarregada de afastá-lo da vilania ou mesmo da caricatura. Andréa (Camille Cottin) é a workaholic frequentemente intempestiva, a que precisa aprender a balancear sua intimidade com as demandas dos clientes, inclusive os temperamentais, como a atriz que entra em pé de guerra com o colega de cena. O envolvimento dessa personagem com a auditora fiscal responsável por adicionar outra camada de imprevisibilidade quanto ao futuro da ASK expõe bem as dificuldades dos agentes para desenvolver uma rotina privada ao largo dos compromissos múltiplos com gente pública. Gabriel (Grégory Montel), algo imaturo, é o mais claramente apaixonado por cinema, o que pensa não apenas com a razão, mas também com a emoção, demonstrando covardia, por exemplo, diante da necessidade de expor verdades às estrelas.

Portanto, os personagens centrais de Dez Por Cento, especificamente as particularidades que cada um deles carrega, garantem um interesse pulverizado. Noémie (Laure Calamy) e Hervé (Nicolas Maury), assim como Camille, assistentes dos mandas-chuvas, integram esse painel de diversos níveis que se intercalam e se entrecruzam com bastante habilidade. Sofia (Stefi Celma) é a aspirante à atriz que trabalha na recepção, responsável por trazer à tona a discussão racial. Arlette (Liliane Rovère), também agente, é uma figura menos acessada, mas tida como porto seguro pela experiência, sobretudo após a morte do fundador da empresa. Ela anda para cima e para baixo com seu cachorro chamado Jean Gabin (nome de um grande ator francês), pontualmente participando das decisões e não se revelando tanto quanto os demais nessa primeira temporada. Bem ao gosto do cinema francófono, os diálogos ligeiros e as situações tragicômicas estão presentes nos roteiros muito bem construídos para, em conjunto, gerar a ideia de amplitude sobre os bastidores da fama.

Nathalie Baye e Laura Smet representam seus papeis de mãe e filha para abordar, exatamente, uma convivência que, dentro ou fora dos sets, nem sempre é amigável, mas por motivos tão naturais quanto a expectativa de um sucesso. Line Renaud e Françoise Fabian aparecem para aludir à rivalidade das divas. Audrey Fleurot surge em cena para sintetizar os dilemas de uma celebridade não disposta a deixar os filhos pequenos sob os cuidados de babás e afins, e como isso impacta em sua carreira. Julie Gayet e Joey Starr exemplificam, interpretando a si próprios, as turras eventualmente geradas entre colegas de filmagem. E, por fim, na sexta parte, François Berléand mostra como uma pequena ausência de atributos pode gerar crises enormes, especialmente numa produção em que egos da nova e da velha guarda se chocam abertamente. Embora os títulos dos episódios de Dez Por Cento sejam consagrados aos astros e às estrelas que apresentam com seus próprios nomes na tela, os personagens vitais são os da agência ASK nessa saborosa exploração da intimidade de famosos e das pessoas imprescindíveis a suas trajetórias mais banais do que se imagina a priori.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.