Crítica
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Sinopse
A história acontece na agência de talentos ASK acompanhando os profissionais da casa. Matias é o verdadeiro empresário que tem um olhar para os negócios, Gabriel o sonhador, amante das artes e de atores, e Andrea é uma femme fatale que poderia ser uma estrela. Camille vai viver para Paris e aproveita a oportunidade de ser assistente de Andrea.
Crítica
Para algumas pessoas o grande apelo da série Dez por Cento é a participação especial de nomes célebres do cinema francês interpretando versões ficcionais de si mesmos. Na segunda temporada temos episódios focados em Virginie Efira, Ramzy Bedia, Fabrice Lucchin, Norman Thavaud, Isabelle Adjani, Guy Marchand e Juliette Binoche. Esse charme, no entanto, não é a principal qualidade do programa. Tal posto pertence aos personagens fixos, àqueles que fazem da agência de talentos ASK um espaço propício para discussões ora comuns, ora concernentes única e exclusivamente ao panteão de astros e estrelas do firmamento cinematográfico. Camille (Fanny Sidney), a protagonista do primeiro ano – o fato dela ser novata era uma desculpa e tanto para sermos introduzidos conjuntamente nesse universo – demora a voltar aos holofotes, numa operação que não tem como meta eclipsá-la, mas garantir que o conjunto não dependa única e exclusivamente das suas angústias de filha bastarda na jornada de reconhecimento e aproximação com o pai.
Desse modo, as outras figurinhas carimbadas da ASK ganham espaço para expor suas personalidades, numa articulação narrativa deliciosa em que não há a sensação de uns privilegiados e outros preteridos. O episódio inaugural fala da crise instaurada no seio de um casal famoso, cujo vínculo é publicamente conturbado pela infidelidade de um deles. Algo de cunho pessoal ressoa no profissional e Mathias (Thibault de Montalembert), agente de ambos, precisa atuar como bombeiro, apagando incêndios consecutivos. Porém, o que aumenta a nossa adesão com essa missão é o fato do veterano estar, ele mesmo, passando as suas com a separação. Isolado da família, prestes a ver seu apartamento vendido, ele ainda é incomodado pela reformulação societária da empresa, ocasionada pela aquisição por parte do arrogante Hicham (Assaad Bouab), empresário jovem e agressivamente competitivo que dá uma chacoalhada no ambiente. Aliás, o sujeito gradativamente deixa de ser “o inimigo", se acostumando com aquela rotina diferente, logo integrando-se à sua maneira.
A entrada em cena de Hicham potencializa Andréa (Camille Cottin), antiga colega de escola. Incumbida de dar uma rasteira na concorrência, ela está às voltas com turbulências sentimentais, algo que ganha contornos ainda mais densos quando uma improvável gravidez a faz se reaproximar da mulher amada. Dez por Cento mantém essas figuras centrais resolvendo problemas cabeludos de talentos reconhecidos internacionalmente, com o sobrepeso das turbulências domésticas pelas quais estão passando. Mathias e Camille se aproximam meio aos trancos e barrancos, numa progressão entravada por tudo que cerca essa relação paterna/filial tardia. Enquanto isso, ele se enrabicha pela impagável Noémie (Laure Calamy), abrindo espaço para uma dinâmica que promete apimentar as coisas nas temporadas seguintes. Já Gabriel (Grégory Montel) demonstra ambivalência diante da evolução artística de sua namorada, Sofia (Stéfi Celma), apelando ao cúmulo de fazer coisas passíveis de abominação. Chega-se ao fim do segundo ano achando que seus erros são irrevogáveis.
Frente aos astros afetados por condições médicas que colocam produções caríssimas em risco, mentiras encobrindo erros crassos, descontentamentos internos por conta da promoção de uns e o preterimento de outros, Dez por Cento mantém-se relevante, leve (porém não superficial) e prazerosa. O episódio derradeiro, no qual uma dama do cinema francês tem de esquivar-se das investidas de um milionário que pode complicar o financiamento de seus projetos futuros, mira essa suposta onipotência facultada aos homens poderosos. Outros elementos como a vaidade, a fragilidade de egos, a dificuldade para reconhecer determinadas questões não necessariamente nobres, são alguns dos motores das partes que se desenvolvem de modo orgânico e interessante. Hervé (Nicolas Maury), por sua vez, continua sendo um alívio cômico imprescindível, inclusive contrapondo as aparências ao demonstrar imensa empatia quando percebe uma colega de trabalho mergulhada na fossa – depois de espinafrar a outra por despeito. Ao mesmo tempo, a série permite a desconstrução do olimpo das celebridades, vítimas de problemas banais, demonstrando-lhes ternura.
Parece que entre a primeira e a segunda temporada de Dez por Cento nem houve um intervalo, tamanha é a continuação daqui da qualidade deflagrada acolá. Aos poucos, Camille vai retomando espaço, implicada em circunstâncias tragicômicas – como o encontro com Christopher Lambert –, a única que parece disposta a largar tudo por não aguentar a pressão após um segredo ser repentinamente revelado. Cumprindo a função de instigar o espectador à continuidade, o ano dois deixa vários ganchos e pontas soltas, sobretudo os que dizem respeito às encruzilhadas dos personagens. Andréa abraçará a pegadinha do destino e assumirá a maternidade? Gabriel conseguirá contornar a besteira gigantesca que compromete a carreira da mulher amada? Mathias terá reconciliado seu casamento? Hicham será exitoso em se integrar definitivamente nesse mundo novo? Arlette (Liliane Rovère) e seu fiel cachorrinho, Jean Gabin, seguirão como figuras pitorescas, de presença esporádica, mas de valor afetivo? As perguntas permitem o vislumbre de ótimas dinâmicas por vir.
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