Crítica
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Crítica
“Convivendo com o(s) inimigo(s)” seria um bom jeito de sintetizar a essência de Disque Amiga para Matar, série original Netflix. Tudo começa com a apresentação do luto da corretora de imóveis Jen (Christina Applegate). Ela recorre a um grupo de apoio para tentar mitigar os efeitos lancinantres da recente perda do marido. O homem foi correr e não voltou, pois atropelado por alguém não identificado. Ela tem uma atitude negativa, agressiva, bem mais propensa a afastar do que a necessariamente suscitar a empatia alheia. Mas a solar Judy (Linda Cardellini) se aproxima, rapidamente virando uma espécie de emplastro imprescindível. Bonita a maneira como os idealizadores mostram elas fazendo companhia uma a outra, encontrando assim alento. Mas, logo o espectador é submetido à verdade, já que justamente a nova amiga é quem acidentalmente provocou tanta dor na família da protagonista. É possível compensar um erro enorme com doses paulatinas de bondade? Tal pergunta, que poderia gerar tantos desmembramentos, acaba nutrindo discussões superficiais.
Judy se penitencia por ter assassinado involuntariamente alguém. Mas, principalmente, ela tem medo de perder o afeto da família desamparada por sua atitude. Gradativamente, entra no cotidiano da mãe e dos dois filhos remanescentes, sendo essencial nesse processo de cicatrização das feridas abertas, mas também se beneficiando de tal dinâmica, uma vez que igualmente sofreu perdas. No plural. Esses dilemas poderiam substanciar uma personalidade mais contraditória, instável, mesmo que o intuito da série seja permanecer irremediavelmente num terreno agridoce, não pendendo ao dramalhão e tampouco abdicando de boas doses de comédia. Todavia, em determinados momentos as questões de ordem moral são equivalidas às intempéries amorosas, à dificuldade que ela tem para se desvencilhar de seu relacionamento com Steve (James Marsden). Essa falta de gradação se encarrega de equalizar de modo contraproducente todas as questões que a afetam.
Já Jen oscila tortuosamente em seu processo de luto. Compreensivelmente, não consegue sustentar um comportamento ponderado, eventualmente explodindo em irascibilidade, seja com o vizinho que adora transitar pelo bairro em alta velocidade ou diante dos policiais que não lhe oferecem respostas satisfatórias. À medida que ela passa a se tornar emocionalmente dependente de Judy, a problemática principal da série é exposta. É como se uma bomba relógio fosse instalada na narrativa. No hipotético instante da revelação da verdade, todo o trajeto compartilhado pode ser colocado por água abaixo. Até mesmo essa dramaticidade subjacente ganha contornos amenizados pelos desenvolvimentos do enredo e das várias subtramas, com gravidades ganhado proporção de relativização, isso sem que as perspectivas sejam desenvolvidas consistentemente. Alguns lugares-comuns, como as turbulências filiais que sobrevém à morte da referência masculina e a rivalidade com a sogra destemperada, são dispostas burocraticamente, pouco sobressaindo.
A necessidade de mudar paradigmas na interlocução binária entre os gêneros masculino/feminino é frequentemente professada. Geralmente é Judy quem chama a atenção da viúva sobre coisas como culpar automaticamente a amante incauta em caso de atividade extraconjugal; submissão ao homem na conjuntura matrimonial; e o costume deplorável de tachar de “louca” as mulheres para desautoriza-las. Embora muito bem-vindos, esses apontamentos valem o quanto pesam suas manifestações verbais imediatas, ou seja, não são percebidos tanto de um jeito prático. Mesmo que bradem aos sete ventos a importância da sororidade, que seu elo configure um mútuo suporte, as personagens não são essencialmente guiadas por uma vontade de juntar-se contra um patriarcado nocivo. Pouco ajuda, nesse sentido de compreensão de uma engrenagem social complexa, ter como exemplo de macho dominante a caricatura endinheirada criada por James Marsden.
Disque Amiga para Matar – aliás, que nome horrendo a Netflix colocou na série, aludindo levianamente a Disque M para Matar (1954), filme de Alfred Hitchcock –, trata indagações morais e éticas com a carga disponível às interrogações afetivas, do tipo: “devo ou não voltar ao casamento que claramente não levava em consideração a minha subjetividade?”. Falta textura aos personagens, embora os talentos de Christina Applegate e Linda Cardellini amenizem a superficialidade dessa mirada com verniz de profundidade. Dead to Me (Morto(a) pra Mim, em tradução livre), o título original, possui mais acuidade quanto ao jogo em voga, alimentado pela importância que determinadas pessoas assumem nas vidas alheias, e como a morte, seja ela simbólica ou literal, pode modificar os que permanecem num estado de aparente normalidade. Nos últimos minutos dessa irregular primeira temporada, surge um movimento conveniente para equiparar Jen e Judy, apagar as suas diferenças e aproxima-las ainda mais. Pode ser uma chacoalhada ou comodidade. Vamos ver.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 5 |
Daniel Oliveira | 7 |
MÉDIA | 6 |