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Crítica
O motor da primeira temporada de Disque Amiga para Matar é a culpa. Judy (Linda Cardellini) matou acidentalmente o marido de Jen (Christina Applegate). Depois que elas se aproximam, tornando-se melhores amigas, o segredo vira uma bomba relógio prestes a explodir. À sequência os responsáveis pelo programa preferiram caminhos seguros, apostando em reiterações, convenções e simplismos para assegurar a manutenção dos elos construídos entre as personagens principais. No segundo ano, o que mais chama a atenção, logo de cara, é a utilização acintosa da identificação como dispositivo facilitador. Não é permitido aos integrantes dessa dramédia, que demora a engrenar, criar empatia, pois quase todos eles são submetidos a espelhamentos que reconduzem os seus comportamentos. A começar pela corretora de imóveis, antes a vítima da mentira, credora em virtude da falha alheia, que se transforma em endividada. A reconciliação esperada vem integralmente, boa parte porque agora é ela quem teme justamente pelo débito com sua aliada.
A geração desses reflexos poderia ser uma ferramenta e tanto, não fosse a aposta desajeitada dos idealizadores em sua primazia. Não é apenas a inversão de papeis que nutre a segunda temporada, mas o reconhecimento forçado de certas conjunturas nas problemáticas alheias, inclusive nas dinâmicas ordinárias. Por exemplo, quando a colega de Henry (Luke Roessler) abrevia casualmente a vida do passarinho de estimação, Jen sugere que ela esconda a verdade pelo bem do vínculo, ou seja, algo que ela faz em relação a Judy, já que as circunstâncias do nebuloso homicídio de Steve (James Marsden) são parcialmente reveladas à cúmplice. Isso também ocorre quando a mãe enlutada desabafa pesarosamente com a assassina do filho, processo mediado por um reconhecimento mútuo a partir da óbvia condição materna. É como se os personagens precisassem ser lembrados de dados importantes sobre si próprios pela conduta dos interlocutores imediatos. A utilização tortuosa do procedimento elevado à imprescindibilidade a torna cansativa e gera um vício complicado.
Outro ponto objetável nesse segundo ano de Disque Amiga para Matar é a qualidade de algumas ferramentas. A principal destas ruins é o chroma key, os fundos verdes/azuis nos quais são projetados conteúdos na etapa de pós-produção. Vide, especialmente, os vários instantes de alguém dirigindo. É gritante que o veículo não está em movimento, que as paisagens foram (mal) inseridas a posteriori. Esse artificialismo é ainda mais berrante nas cenas com pessoas dialogando nas entradas das casas. O indivíduo na parte externa claramente está contra o fundo falso que abrigará a imagem do quintal, ruído perceptível pela precariedade da integração entre a figura humana e o recurso digital. Algumas outras intrusões típicas de pós-produção, como a adição de fumaça, acentuam essa displicência com os arremates de ordem meramente técnica. Voltando à questão do roteiro, são exageradas as coincidências sem as quais a história não andaria de acordo com a necessidade direta dos encarregados pela série. É difícil engolir um par de imprevistos convenientes que a alavancam.
Esse desleixo com a estrutura se repete no amadurecimento dos personagens. Quanto aos coadjuvantes, há pouco o que se dizer. Isso porque enquanto se demoram no desenho de conjunturas completamente descartáveis, tais como a infidelidade do marido da vizinha impertinente, os responsáveis por Disque Amiga para Matar reduzem tais figuras a meros reflexos das atitudes de Jen e Judy. Sobre estas, a inversão que poderia ressaltar suas diferenças frente às circunstâncias parecidas acaba, como um tiro que saiu pela culatra, evidenciando as similaridades e sua banalidade. Então, esconder da amiga "inocente" a verdade sobre a morte do cônjuge alheio continua sendo a principal engrenagem da narrativa, pouco importando se, no fim das contas, um homicídio seja doloso e o outro culposo. Assim como no primeiro ano, há frequentes vislumbres de escrotidão masculina amenizando qualquer julgamento profundo aplicado à ré confessa. Se ao menos isso servisse para adensar a leitura de uma toxicidade masculina. Mas não, é somente uma muleta inoportuna.
Christina Applegate e Linda Cardellini continuam fazendo o que podem, esbanjando carisma e conseguindo dirimir as fragilidades do desenvolvimento de suas personagens. Jen ganha uma carga enorme de dilemas, precisando assumir uma posição de provedora da família à medida que vê virtualmente reconfigurada sua relação com a melhor amiga. Já Judy fica asfixiada no apêndice da boazinha. Um dado bem-vindo é a chegada do novo amor. Há uma luz no fim do túnel, mesmo para quem acredita na impossibilidade de felicidade aos que cometeram atos hediondos. A julgar pela forma esquemática como a trajetória de uma é banalmente transferida à outra, pode-se imaginar que a antes viúva enlutada, agora assassina arrependida e em busca de redenção, percorrerá um trajeto semelhante. E um indício forte disso é o envolvimento com Ben (James Marsden), o gêmeo (sério? para manter o ator no elenco precisava ter recorrido à gemelaridade?) com jeitão bobo, mas de bom coração. Porém, senhores roteiristas, era necessário armar outro elo amoroso ameaçado por culpas? Pela última cena, está engatilhado mais um perdão fundamentado em possíveis infrações do credor.
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Daniel Oliveira | 6 |
MÉDIA | 5 |