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Sinopse
Apresentado à cocaína ainda na adolescência, um rapaz da classe média carioca acaba se tornando o líder de uma violenta e influente gangue criminosa que frequentou muito as páginas da crônica policial dos jornais fluminenses.
Crítica
Breno Silveira não é um cineasta qualquer. Nome fortemente ligado à retomada do cinema nacional, foi diretor de fotografia do filme marco desse recomeço – Carlota Joaquina: Princesa do Brazil (1995) – e logo no seu primeiro projeto solo, deixou uma marca difícil de ser ignorada: 2 Filhos de Francisco (2005) foi um imenso sucesso de bilheteria, com mais de 5 milhões de espectadores e 4 troféus no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e outros 4 no Prêmio Guarani (as duas mais importantes premiações do cinema nacional). Em todos os seus trabalhos posteriores, inclusive em sua primeira série de televisão (1 Contra Todos, 2016-2020, com quatro temporadas e 4 indicações ao Emmy Internacional), uma característica marcante volta e meia se manifestava: o forte aspecto familiar. Esse é também o cerne da ação de Dom, a primeira série nacional de ficção da Amazon Prime Video. Nela, pai e filho precisam se encontrar, ao mesmo tempo em que ambos lidam, de modos distintos, com a influência das drogas em suas vidas. Por mais que tenha esse caráter crítico presente, é no olhar carinhoso a respeito dessas relações que reside o maior atrativo do programa. Segurando até mesmo eventuais deslizes que terminam por se manifestar até mais do que o desejado.
Dom é um título nobre, mas, nesse caso, trata-se de alguém com apenas um dente no meio de tantos desdentados. Pedro Dom (Gabriel Leone, quando adulto, e os jovens Marc Szwarcwald e Guilherme Garcia, em suas versões criança e adolescente) é um rapaz de classe média, morador da zona sul do Rio de Janeiro. Isso significa que, mesmo não sendo de uma família rica, possui as condições necessárias para garantir uma vida relativamente tranquila. Mas a proximidade com a favela, com as comunidades periféricas, o colocam em contato com entorpecentes ilegais desde cedo. Enquanto Victor e Marisa, seus pais – vividos por Flávio Tolezani e Laila Garin, ambos dedicados aos tipos que defendem – se veem tendo que lidar com as constantes recaídas do filho, entre contravenções e o início de um vício traiçoeiro, o qual reluta em admitir, ao mesmo tempo o espectador é convidado a acompanhar outras duas linhas narrativas: pai e filho, os dois já adultos, e os paralelos que se estabelecem entre eles. Pedro sai de casa, abandona a família original e forma uma própria, a qual chama de ‘bonde’, e passa a assaltar apartamentos e casas de abonados cariocas. Por outro lado, Victor (agora na pele de Filipe Bragança) também devido a conflitos familiares, termina por se envolver com o mundo do tráfico, mas por outro viés: como agente infiltrado da polícia.
A proposta é interessante, isso não se nega. Mas talvez tenha sido ambiciosa demais para uma temporada de apenas oito episódios. Dom é baseado na vida de Pedro Machado Lomba Neto, que se tornou conhecido na crônica policial do Rio de Janeiro como o ‘bandido gato’. Garoto bonito, loiro e com pose de playboy, chefiou uma violenta quadrilha que se especializou em assaltar edifícios de luxo na capital fluminense. Morto com apenas 23 anos, em 2005, deixou um legado que agora é revisitado, tanto para o bem, como para o mal. Afinal, não teria ido tão longe se não fosse o racismo estrutural da sociedade, aqui aplicado em reverso. O acesso facilitado que lhe era garantido em condomínios de luxo e edifícios de elite só era possível pela aparência que ostentava, tornando desnecessárias quaisquer outras apresentações. Tal aspecto não é desprezado pela narrativa de Silveira, mesmo que não chegue a receber o desenvolvimento merecido. Como dito, as atenções estão mais voltadas ao privado do que ao que veio a se tornar público.
Assim, Dom se vale muito das conversas que o realizador teve ao longo de mais de uma década com o pai do protagonista, já falecido, e às pesquisas feitas pela produção. Victor Dantas lançou também um livro relatando a sua versão dos fatos, além de expandir a narrativa à sua juventude, colocando em evidência o quanto a história de sua família esteve, por décadas, relacionada à questão das drogas. É essa abordagem ampla que Silveira tenta abraçar, ainda que nem sempre alcance os melhores resultados. Ao longo dessa temporada de estreia, algumas verdades se tornam evidentes. Para começar, o relacionamento conturbado do jovem Victor com o pai (Roberto Birindelli, em participação discreta), que se desdobra em outras duas figuras paternas (o policial vivido por Wilson Rabelo, de Bacurau, 2019, e o bandido representado por Fabio Lago, ambos com presenças mais efetivas) poderia ser melhor desenvolvido, assim como a infância de Pedro, por se reduzir a constantes recaídas e intermináveis discussões familiares, melhor teria sido se apenas sugerida, sem essas desnecessárias representações visuais. Dessa forma, as duas outras linhas temporais ganhariam mais espaço, inclusive criando oportunidades para desenvolver a impactante atuação de Gabriel Leone como o personagem-título.
Mesmo com uma caracterização que soa estranha num momento inicial – mais para se aproximar da figura real do que por uma necessidade narrativa – Leone é tanto o mais desafiado como o que melhor se mostra pronto para o que tal persona representa. Dom era um rapaz que, por trás de um semblante insuspeito e até mesmo adorável, escondia demônios que poucos imaginavam. O vício nas substâncias ilegais, no entanto, acaba por esconder essas outras carências, e elementos que também deveriam lhe ser caro, como o apreço pelos excessos que o dinheiro lhe proporcionava, além de sexo e amizades descontroladas, são mais sugeridas do que exploradas da maneira como se poderia esperar. O comportamento reservado do diretor se confirma também ao abordar tais temáticas, investindo mais no potencial de determinados assuntos do que na real constatação imagética desses elementos e na força que os mesmos poderiam assumir caso tivessem sido expostos em cena. A impressão, por fim, é que apesar do tanto que havia a ser debatido, o que de fato era caro ao cineasta era o conflito entre pai e filho, restando ao resto apenas uma posição coadjuvante.
Entre uma postura enérgica de Tolezani, como o pai que tenta ser duro mas não resiste aos apelos de um filho em constante queda, e uma Garin subaproveitada como a mãe que parece alheia ao drama que se desenvolve no quarto ao lado do seu, quem também surpreende no elenco é Bragança, que deixa as comédias adolescentes para trás, mostrando-se preparado para voos mais audaciosos. Assim, graças a uma reconstituição histórica detalhada, que contribui de forma decisiva na ambientação da trama, e uma montagem engenhosa, que se esforça para driblar certos imbróglios do roteiro, Dom consegue ir além das armadilhas pelo próprio programa criadas, deixando para trás tropeços difíceis de serem relevados, ao mesmo tempo em que eleva as expectativas para os possíveis rumos a serem tomados em um inevitável segundo ano. É de se esperar, portanto, que assim como os riscos deverão aumentar, da mesma forma se amplie o espectro da discussão. Afinal, além do embate íntimo, há uma realidade social que não pode seguir ignorada.
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