Crítica


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Sinopse

Ed, funcionário da estação de trem, descobre que vários passageiros rumam a uma cidade que não deveria existir. Quando ele investiga por si mesmo, fica cara a cara com uma realidade alternativa que o força a confrontar suas próprias lutas em torno de seu relacionamento com sua esposa Mary e seu filho Sam.

Crítica

O protagonista de The Commuter, terceiro episódio da antologia Eletric Dreams, é um homem comum seduzido pela possibilidade inesperada de uma vida sem contratempos, tranquila e prazerosa. Ed (Timothy Spall), movido pela curiosidade diante do imponderável, seguindo as indicações de uma misteriosa usuária do trem na estação em que trabalha, salta entre destinos conhecidos, entrando numa cidade que não deveria sequer existir. Macon Heights é um lugar destituído de dores, no qual os visitantes passeiam despreocupadamente pelas ruas organizadas e os novatos chegam a ganhar bolo gratuitamente como sinal de boas-vindas. O cotidiano de Ed opera no sentido inverso, pois os clientes são constantemente mal-educados, a esposa demonstra fadiga diante da estagnação familiar e o único filho, cometido por uma psicose de efeitos crescentes e alarmantes, parece caminhar ao inevitável precipício. Quem não abriria mão da realidade?

O diretor Tom Harper, mais do que ficar preso na construção da natureza insólita desse espaço de exceção, se concentra na reação do protagonista diante da alternativa de encontrar alguma paz em meio a tantas turbulências pessoais. Sua primeira visita à cidade é sucedida por uma sensível melhora na interação com as demais pessoas de seu dia a dia, inclusive porque o filho parece ter sido completamente alijado da nova versão. Timothy Spall delineia uma figura cansada, sublinhando essa sedução pelo lugar onde não há inquietações, mas cuja organicidade é ameaçada por eventos que se repetem, como se pré-programados para tal. Falta um pouco de densidade nessa transição dos estágios da adequação/inadequação do sujeito, ambas motivadas por conflitos entre a individualidade e o afeto por um ente querido. Ainda assim, o episódio funciona bem.

Mesmo que a história se assente nos cerca de 50 minutos de duração, fica a sensação de que certos desdobramentos, sobretudo os derivados de revelações que mantém doses calculadas de nebulosidade, poderiam ser mais bem trabalhados. Um dos pontos alto é a sinalização do padrão que une trabalhadores, ocupantes e visitantes de Macon Heights. Ed chega a demonstrar insensibilidade diante da necessidade alheia de desabafar. Ele não está ali para ser o típico personagem que transcende falhas a fim de garantir a salvaguarda alheia, a não ser a do próprio filho. Esse egoísmo pode também ser conferido nos instantes em que o colega de estação praticamente implora à sua permanência no posto a fim de garantir a normalidade dos serviços. E o protagonista não se presta ao mau-caratismo porque seu sofrer determina esse comportamento.

The Commuter carrega um tom amargo em virtude da prevalência da implacabilidade dessa angústia humana. Ainda que façam parte voluntariamente da farsa cotidiana, os transeuntes de Macon Heights não escapam de deixar à mostra as suas misérias. Pena, no entanto, que os criadores do episódio não se atenham aos pontos sensíveis que unem os tipos centrais e os coadjuvantes. A subtrama do idealizador do local, a essência da herdeira aparentemente responsável pelo legado, isso além das implicações domésticas das atitudes de Ed, são elementos mantidos em terrenos subentendidos. Há pontas deliberadamente soltas que poderiam ser unidas em prol da potência das mensagens. Da forma como se apresenta, esse terceiro episódio de Eletric Dreams demonstra uma falha comum aos seus predecessores, ou seja, o pouco tempo ao desenvolvimento do enredo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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