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Crítica
Diferentemente de determinadas séries que se impõem de pronto, Forever (2017-), a despeito do carisma imediato, demora para se estabelecer integralmente, sobretudo por conta da ousadia do trajeto drasticamente alterado a partir do terceiro episódio – fato substancial, levando em consideração que a primeira temporada tem somente oito partes de cerca de 30 min. Depois do excelente travelling compreendendo anos, um sumário que apresenta os momentos-chave do relacionamento de June (Maya Rudolph) e Oscar (Fred Armisen), há o desenho efetivo da rotina desse casal que obviamente permanece cultivando as suas afinidades, mas cujas discrepâncias acabam se avolumando ao longo dos anos. Sem, contudo, forçar a barra com uma dicotomia pétrea, os criadores promovem um estudo singelo desse vínculo mantido firme por ventura dos esforços de ambos. Ela é expansiva, mas se adequa ao ritmo de vida pacato do casal. Ele, satisfeito com o marasmo, frequentemente foge de possíveis discussões para manter “saudável” a convivência. Os dois se entendem bem.
Os diálogos bem humorados, as singularidades da relação, vide as conversas aparentemente destituídas de sentido em que se tenta chegar a um consenso quanto às melhores coisas a se fazer em situações banais, tornam deliciosos os episódios inicias, donos de um leve tom melancólico que assevera o olhar maduro às complexidades matrimoniais. Maya Rudolph e Fred Armisen funcionam muito bem juntos, conseguindo, ao mesmo tempo, consolidar individualmente os personagens e a interação que os une por anos, isso apesar das naturais dificuldades. Pequenos costumes, tais como ir anualmente à casa do lago, são modificados, não sem um resquício de dúvida, para que as coisas sigam funcionando. Encaminhamentos dessa natureza apontam à pouca disposição da série a trilhar caminhos simplórios. Ela tenta observar com acuidade o desenvolvimento de algo inevitavelmente permeado por intempéries, que precisa resistir a tantas turbulências corriqueiras.
Todavia, do terceiro episódio em diante, Forever muda o ambiente em que se passa, oferecendo diversas possibilidades. Depois de um instante de desespero, em que a depressão ameaça June e deflagra a falta que Oscar lhe faz, é instaurado um cenário que coloca em xeque a plenitude do “felizes para sempre”. Para evitar spoilers, aqui não se vai mencionar efetivamente o que acontece, mas a dupla é transportada literalmente a outro espaço, conversando diariamente com um jovem de 15 anos, mas que nasceu nos anos 70, vendo as pessoas de sempre, comendo o que bem entende e caindo numa dinâmica sem qualquer percalço material. Passada a euforia do reencontro, mesmo numa realidade absolutamente distinta, as velhas fissuras voltam paulatinamente, deixando expostas a acomodação de um, baseada numa passivo-agressividade que vem à tona adiante, e a inércia da outra. June é incapaz de expressar seus descontentamentos por medo de ferir o cônjuge.
Essa nova “instância” promove uma reviravolta em Forever, não necessariamente na sua essência, que continua residindo na reflexão sobre as idiossincrasias à manutenção dos relacionamentos. Porém, a reconstrução da lógica interna impõe certas regras não tão bem apontadas no decurso das tramas. Exemplo disso, a urgência de acostumar-se com a intangibilidade de objetos pertencente à esfera dos mortais. Num episódio é mostrada a primazia de quem consegue mover coisas simples, mas, depois, esse princípio é praticamente descartado, o que não dá uma noção totalmente clara do funcionamento do entorno. Realmente, o grande calcanhar de Aquiles da série é essa displicência com a mitologia que inadvertidamente passa a pautar a existência dos personagens, até dos novos, como Kase (Catherine Keener), que, com sua inquietude, surge em cena para motivar um abalo no vínculo já sustentado a duras penas e com tantas concessões.
Forever extrai sua força do texto recheado de sinalizações agridoces e do excelente desempenho do elenco, como um todo. Isso, todavia, não compensa integralmente a negligência dos criadores com o "mundo" que permite, de maneira ainda mais profunda, a discussão da virtual impossibilidade de um “felizes para sempre”. O encerramento, embora bonito, inclusive do ponto de vista visual, soa excessivamente conciliatório, transparecendo uma contingência de produção, pois não há garantias da renovação para uma segunda temporada. Dessa forma, arestas são aparadas rápido demais, com bons elementos, vide o esquecimento paulatino à obtenção de uma eternidade destituída de fardos, sendo completamente subaproveitados. Ainda assim, há momentos inspirados e que conferem consistência ao conjunto, a maioria deles fundamentados no que o enredo tem de comezinho, não na sua esfera fantasiosa. De bônus, temos a ótima participação especial de Peter Weller, como o sujeito enigmático que aponta à idílica e hedonista Oceanside.
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