Crítica


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Sinopse

Ruth Wilder é uma atriz desempregada e batalhadora na Los Angeles dos anos 1980, que encontra sua última chance de virar estrela ao entrar de cabeça no mundo do glitter e dos colãs da luta livre de mulheres. Além de trabalhar com 12 mulheres excêntricas de Hollywood, Ruth precisa competir com Debbie Eagan, uma ex-atriz de novelas que deixou sua carreira de lado para ser mãe, mas voltou ao trabalho quando percebeu que sua vidinha perfeita não era bem o que parecia ser.

Crítica

Uma aspirante a atriz faz um teste poderoso em que a personagem é forte, dona de si e cheia de confiança. Quando a cena acaba, descobrimos que Ruth Wilder (Alison Brie) lia o papel do homem, e não da mulher. No caso, uma secretária que apenas fala “telefone para você, senhor”. Esta luta por igualdade entre os sexos dá a tônica já no início de Glow, nova série da Netflix que retrata os bastidores das Gorgeous Ladies of Wrestling (Belas Moças da Luta Livre, numa tradução bem livre). A produção é inspirada no hit televisivo exibido entre o final dos anos 1980 e início dos 1990, que buscou inspiração justamente no sucesso cheio de testosterona capitaneado por Hulk Hogan na época.

Em seus dez episódios de trinta minutos, Glow mostra a protagonista, uma jovem insegura que, aos 30 anos, luta para pagar as contas enquanto tenta uma chance ao estrelato. Sua principal parceira é Debbie (Betty Gilpin), uma atriz de telenovelas que se afastou da carreira para ser mãe. Mas logo esta descobre que a melhor amiga tem um caso com seu marido, causando um dos principais conflitos que vai rondar a primeira temporada. Elas vão se reencontrar no ringue com outras várias mulheres que, sem perspectivas, aceitam participar da produção do show, comandado por um desiludido diretor de filmes B, Sam Sylvia (Marc Maron).

Dos testes iniciais ao treinamento das garotas e até a escolha de uniformes e nomes para suas personagens no programa, o roteiro da série criada por Liz Flahive e Carly Mensch, com produção executiva de Jenji Kohan, mente por trás de Orange is the New Black (2013-), esmiuça suas criaturas em subtramas que ajudam a explicar porque elas estão naquele ringue fingindo lutarem umas contra as outras. Mesmo com a tônica dos anos 80 em alta (do figurino à trilha sonora, com destaques para sucessos de Roxette, Scorpions e Go-Gos) e a evidente exclusão das mulheres em papéis fortes no ramo audiovisual – tema bem atual, diga-se – a série não quer tornar suas mulheres em frágeis pedaços de carne. Muito pelo contrário. Mesmo com todas as suas fraquezas, Ruth é inteligente o bastante para saber se posicionar e mostrar o porquê de seu protagonismo, assim como Debbie, que logo é contratada por ser a única atriz conhecida da produção e que pode conseguir patrocinadores e uma chance real de audiência como Liberty Belle.

Alias, a caracterização de cada uma das várias mulheres em cena é um primor. Se a Liberty Belle representa o sonho americano em meio ao sombrio cenário da Guerra Fria, Ruth encarna sua antagonista, a russa Zoya, The Destroya. Assim temos a treinadora Cherry (Sydelle Noel), que faz par com a The Welfare Queen (Kia Stevens) como a dupla de negras contra a Klu Klux Klan, a cantora Kate Nash como Brittanica, a mulher mais inteligente do mundo, Carmen “Machu Picchu” (Britney Young), filha de um famoso lutador que busca ser como o pai, entre tantas outras que se destacam por apresentarem estereótipos de raças e sexo, mas irem além deles. Uma crítica muito bem-vinda que revela o outro lado deste grupo de mulheres fortes que lutam bem mais do que só no ringue.

É justamente a união dessas mulheres, que podem estar ali aparentemente para apenas competir uma contra as outras, que realça o combate ao machismo que a produção invoca a todo momento, seja em doses superficiais com piadinhas sobre seu diretor, ou então mais profundos, como o fato do marido de Debbie sempre menosprezar os feitos profissionais da esposa. Além, é claro, do descrédito do público e dos patrocinadores, que não acreditam que o “sexo frágil” seja capaz de sustentar porrada de verdade para a audiência. Algo que elas provam a todo momento que vão muito além.

Glow pode parecer romantizado e até superficial pelo seu tema central, mas acaba revelando que suas protagonistas elevam a própria auto-estima ao serem donas do jogo, e não reles coadjuvantes de poucas palavras. São histórias de superação que emocionam e fazem rir sem precisar apelar para situações melodramáticas. Com atuações impecáveis que vão do elenco principal até o secundário, além de uma atmosfera oitentista deliciosa, a série é o retrato de sonhos despedaçados pela sociedade nada delicada e que ganham uma nova chance. As belas garotas da luta livre são gente como a gente do lado de cá da tela. Talvez por isso mesmo, acabemos torcendo por cada uma sem precisar desmerecer as outras, como o próprio feminismo busca almejar. E se era este o intuito da série, ele acertou o golpe em cheio.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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