Crítica
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Sinopse
Sofia assumiu o comando da produtora de filmes pornográficos que o marido, falecido há pouco, lhe deixou como herança - e do qual ela não tinha o menor conhecimento. O que a preocupa agora é a paixão que sente por Marcello Mastroduro, o grande astro do estúdio. Conseguirá ela levar adiante um romance com um ator pornô?
Hard
Hard :: T02
Hard :: T01 (Parte 2)
Hard :: T01 (Parte 1)
Episódio | Data de exibição |
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Hard :: T01 :: E01 | 17/05/2020 |
Crítica
Apesar da HBO, que exibiu a série produzida pela Gullane (Ninguém tá Olhando, 2019), ter considerado tudo uma coisa só, o fato é que os seis primeiros episódios de Hard foram exibidos separadamente, com o intervalo de um ano entre a segunda leva, que chegou apenas em 2021. Não se sabe se essa era a intenção desde o começo ou se foi consequência da pandemia da Covid-19, mas é fato que tudo foi filmado de uma só vez, de forma ininterrupta – como o ator Fernando Alves Pinto, que interpreta o personagem Pierre, revelou em live exclusiva com o Papo de Cinema. No entanto, chame-se de duas temporadas, parte um ou dois ou apenas uma minissérie (não há notícias de continuidade até o momento, ao menos), o que se percebe é que há, sim, um novo direcionamento e um tom ainda mais leve ao ser empregado neste segundo ano. Se o programa inspirado no francês homônimo (que durou de 2008 até 2015) estreou prometendo ousadia, em uma combinação de sexo com valores morais “da família tradicional brasileira”, o que se verifica agora é uma acentuação ainda maior do segundo ponto em detrimento do primeiro. O que, evidentemente, não deixa de ser uma lástima.
Afinal, o show dirigido por Rodrigo Meirelles (Psi, 1015-2017), Júlia Pacheco Jordão (Cidade Invisível, 2021) e Diego Martins (Toda Forma de Amor, 2019), a partir de roteiro de Juliana Soares (Boca a Boca, 2020) está longe de alcançar o nível de sensualidade e provocação que seus primeiros materiais de divulgação davam a entender. Se no primeiro ano a trama estava centrada nas dificuldades de Sofia (Natália Lage, nunca mais do que apenas correta) em lidar com a incômoda herança deixada pelo marido, que morre de modo inesperado no primeiro episódio – ele era dono de uma produtora de filmes pornôs e agora é ela quem precisa assumir o comando do negócio – estes seis capítulos seguintes se ocupam basicamente com o romance – e a aceitação por parte dela – que a coloca ao lado de Marcello (Julio Machado, o melhor do elenco, pois seguro tanto no ambiente de trabalho como nas sequências mais íntimas ao lado da protagonista), o maior astro do estúdio (ou seja, o ator pornográfico que é estrela de quase todas as produções da casa. Havia antes uma diversificação de interesses, como a necessidade da nova proprietária em tornar o produto que vende mais “artístico” (ainda que mal executadas, estas sequências rendiam bons momentos de humor) e a descoberta de uma nova demanda de consumo (o que ampliava a discussão entre o ético e o profissional – afinal, estavam atuando ou se prostituindo?). Agora, no entanto, o que sobra é apenas uma paixão passageira que só resiste pela insistência dos realizadores.
Afinal, por melhores intérpretes que sejam – e ele, particularmente, se esforça nesse sentido – Lage e Machado não convencem como casal. Ela assume o lado ‘travado’ da relação – a mulher que se preocupa com os filhos, com o lar, com o negócio, com o que os amigos vão pensar, com os pais, menos com o homem que diz amar – enquanto ele tenta, de mais de uma maneira, se adequar às expectativas dela, seja abandonando a antiga ocupação, experimentando uma vida caseira e até explorando novas opções como ator. Essa necessidade é que abre espaço para os melhores momentos desse ano: as participações de Daniel Infantini, que surge como um diretor de teatro de vanguarda, altamente respeitado e conhecido pelos métodos e abordagens pouco convencionais, que acaba o escalando no seu próximo espetáculo e, justamente pela presença do ex-ator pornô em cena, começa a forçar os limites entre arte e pornografia no palco. Por mais que tal representação não seja necessariamente inovadora, ao menos possibilitaria uma graça e um atrevimento que cairiam bem ao conjunto – afinal, trata-se de uma série de comédia. Porém, resulta em apenas mais um caso de uma conjunção feliz que acaba desperdiçada.
Sofia e Marcello estão juntos. Mas até quando? A eterna preocupação dela de que tal relacionamento não consiga sobreviver além da cama – afinal, o sexo entre os dois, ainda que nunca chegue a ser discutido, parece ser ótimo – começa a contaminar suas demais decisões, como as novas urgências da empresa, o trato com os filhos e o relacionamento com a melhor amiga, vivida por Martha Nowill. Aqui, o espectador se depara com mais uma lista de ocasiões que nunca chegam a atingir o potencial prometido. Por mais que não goste do que se vê obrigada a fazer, Sofia termina por se ajustar até com certa facilidade, partindo para o lema do “se não vejo, não me afeta”. Ou seja, que sigam fazendo – os funcionários – o que sempre fizeram, e a deixe fora disso. Seu envolvimento com as discussões de trabalho, como a utilidade de uma ninfomaníaca na equipe, o fato de um dos rapazes se recusar a qualquer encenação gay – quiçá bissexual – ou mesmo o desdobramento em outros produtos comerciais se mostram sempre rasos, desaparecendo com a mesma agilidade que surgem no debate, como se ali estivessem apenas para preencher uma lista de compromissos, e nunca propor uma reflexão saudável.
Assim segue também em suas relações com os demais personagens. Violeta (Nathália Falcão, de Desalma, 2020) tinha como hábito transformar tudo em listas e, a partir delas, propor uma diferenciada visão de mundo. Júlio (Pedro Konop), por sua vez, é o menino defensor dos animais e da natureza que parece alienado do resto da casa, mas tem ciência exata do que se passa ao seu redor. Os dois poderiam facilitar momentos de descontração e divertido incômodo para a protagonista, mas ela parece sempre não saber como lidar com os filhos, fazendo de sua inadequação com a verdade que enfrenta no dia a dia um peso, e não uma porta a ser desvendada. Agora, nada é pior do que as participações de Nowill, fundamental no ano anterior, mas aqui quase ausente. Ela, assim como o já citado Alves Pinto ou a também excelente Denise Del Vecchio (como a sogra completamente a par – e à vontade – com o empreendimento do filho). Os três representavam partes fundamentais da jornada de Sofia: a que abre seus olhos para as possibilidades que se apresentam, o confrontador que a tira de sua zona de conforto e a mão segura que a conduz por esse novo universo. Porém, uma vez que está assentada nesse lugar, ao invés de ganharem novas funções, eles são simplesmente descartados, o que evidencia a falta de habilidade dos realizadores em gerar desdobramentos aos seus personagens, além das funções iniciais.
Em um ano rico para o mercado de séries nacionais – foram mais de 30 veiculadas por diferentes plataformas de streaming e emissoras de televisão (de sinais aberto ou fechado) em 2020 – Hard tinha tudo para se mostrar como uma das mais interessantes, seja pela expertise de sua equipe – a Gullane é uma das mais tradicionais e premiadas do cenário brasileiro – pelo elenco reunido, que combina talentos experientes com novatos que vem chamando atenção, e, principalmente, por se tratar de uma adaptação de um programa de sucesso comprovado no exterior. No entanto, se conforma como um produto de resultados comedidos, como se receoso de todo esse potencial. Seja pelo momento conservador que o país atravessa ou pela incerteza do alcance que poderia ter almejado, apresenta-se como não mais do que uma história de amor convencional, igual a tantas outras, a despeito de um pano de fundo original e capaz de despertar curiosidade. Elementos para ir além estavam a seu alcance. Faltou coragem de colocá-los em uso. E quando se fala de arte, covardia é tudo o que não se espera.
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