Crítica


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Sinopse

Um grupo de aspirantes ao estrelato mira a conquista de Hollywood como objetivo após a Segunda Guerra Mundial. Eles estão dispostos a praticamente qualquer coisa para virarem astros nesse firmamento, mas não demoram a encarar o corporativismo, prova de que a meca do cinema norte-americano não é tão amistosa e convidativa.

Crítica

Quando foi inaugurado, o famoso letreiro nas colinas de Los Angeles continha ainda outras quatro letras, e em sua formação original dizia: “Hollywoodland”. Ou seja, era o indicativo mais do que óbvio de que aquela era a “Terra de Hollywood”. A relação imediata era com a expressão “dreamland”, “terra dos sonhos” em tradução direta. Pois essa também é a palavra-chave para boa parte dos personagens de Hollywood, minissérie em sete episódios de Ryan Murphy, mais uma importante peça do Murphyverse, por assim dizer. Afinal, ele volta a trabalhar em parceria com o produtor Ian Brennan, que esteve ao seu lado em Glee (2010-2015), e com atores já vistos em outras produções suas, como David Corenswet (The Politician, 2019), Darren Criss (American Crime Story: The Assassination of Gianni Versace, 2018), Jim Parsons (The Normal Heart, 2014), Dylan McDermott (American Horror Story, 2011-2019) e Patti LuPone (Pose, 2019), por exemplo. O resultado, portanto, não poderia ser muito diferente daquilo que qualquer um dos seus admiradores poderia esperar. E assim o realizador vai direto ao ponto, agradando a uma claque já catequizada, mas fazendo pouco para agregar novas audiências.

Jack Castello (o galã Corenswet, que tem tudo para ser um dos novos rostos em ascensão do momento) recém chegou da guerra e se mandou para Hollywood em busca de uma carreira como ator. Ray Ainsley (Criss, em participação mais apagada) sonha em dirigir seu primeiro longa-metragem, sem deixar de lado sua herança familiar asiática – a mãe era filipina. A namorada dele, Camille (Laura Harrier, com a mesma cara de sono que lhe é característica, denotando uma visível falta de ânimo), quer se destacar como atriz, mas todos os papéis que consegue é o da empregada ou da escrava – graças ao tom escuro da sua pele, é claro. Archie (o novato Jeremy Pope), não apenas negro, mas também gay, quer conquistar um espaço na indústria como roteirista. Cada um, de uma forma ou de outra, está tentando quebrar barreiras, mudar conceitos e propor novas maneiras de ver as coisas. Estão atrás de posições que nunca foram ocupadas, e, justamente por isso, não será simples para eles alcançar tais lugares.

Enquanto esses descritos acima são personagens ficcionais, Hollywood não se exime de inseri-los em contextos povoados por figuras reais. Para se ter uma ideia, a primeira atriz que Ainsley convida para um projeto seu é Anna May Wong (Michelle Krusiec, que havia aparecido em um episódio de Nip/Tuck, 2010, do mesmo Ryan Murphy), que no seu tempo chegou a ser considerada a primeira estrela americana de origem chinesa. Quando Archie se apaixona, é por um ator estreante, o até então desconhecido Rock Hudson (Jake Picking, de O Dia do Atentado, 2016) – que apesar de ter sido um rei das comédias românticas, sofreu a vida toda por se sentir obrigado a permanecer no armário e acabou morrendo de AIDS). Ou Camille, que acaba encontrando uma conselheira na figura de Hattie McDaniel (Queen Latifah, ela própria indicada ao Oscar, por Chicago, 2002, aqui no papel da primeira mulher negra a ganhar a cobiçada estatueta dourada, pelo clássico ...E O Vento Levou, 1939). Murphy está mais uma vez visitando a Velha Hollywood, mas ao contrário do que foi visto em Feud (2017), que mostrava a decadência desses ícones, aqui ele propõe uma questão curiosa: se o começo delas tivesse sido diferente, será que o desfecho não teria sido outro?

Sim, pois Hollywood se passa no final dos anos 1940, ainda no auge da Era de Ouro dos grandes estúdios. Era um período no qual o Código Hays ditava a autocensura no cinema norte-americano, apontando o que podia ou não ser mostrado nas telas. Ou seja, segundo ele, nunca haveria um filme com uma protagonista asiática, por mais que a trama pedisse por uma (como aconteceu em Terra dos Deuses, 1937, no qual Luise Rainer foi maquiada para aparentar uma fazendeira chinesa, e ainda ganhou o Oscar por isso). Ou um casal homossexual, ou mesmo um roteirista negro. País essencialmente racista e preconceituoso, acreditava-se que os Estados Unidos explodiria em protestos e ataques violentos caso qualquer uma dessas regras fosse descumprida. Mas quando o poderoso chefão de um dos maiores estúdios – o ficcional Ace Studios – tem um ataque e entra em coma, a esposa, que assume seu lugar, enxerga nessa a oportunidade perfeita para, enfim, fazer a diferença. E assim acaba dando sinal verde para um projeto a ser dirigido por Ainsley, com roteiro de Archie, e estrelado por Jack, Camille e Rock, entre outros.

Se por mais da metade do seriado Murphy e Brennan se esforçam para buscar um equilíbrio entre o real e o fantasioso, fica evidente nos últimos capítulos o quanto eles deixam a toalha cair e decidem, deliberadamente, ‘jogar para a torcida’. Se no começo há muitas considerações e ressalvas, contextualizando o período histórico e levantando os prós e os contras de cada uma das iniciativas potencialmente polêmicas, quanto mais se aproxima do final essas ressalvas vão sendo ignoradas, ao ponto de até não mais existirem. Personagens cruciais, como o inescrupuloso agente artístico Henry Wilson (Parsons, entregue a uma figura tão pitoresca quanto o Sheldon Cooper que por anos interpretou em The Big Bang Theory, 2006-2019) – que, por sua vez, existiu de verdade – é transformado quase que em uma caricatura, seja pelo modo forçado e ostensivo em que é apresentado, mas também pela súbita mudança de rumo a qual se submete em seu desfecho, revelando inconsistência dramática em nome de uma suposta moral a ser atingida. Da mesma forma, outros elementos que chegam a ser atiçados, como as duvidosas condutas sexuais de homens e mulheres – festas regadas a muita nudez e sedução, mulheres traindo esposos que contabilizam amantes, e por aí vai – também logo são descartados, usados como meios para um fim, e nunca como um propósito válido de atenção.

Em resumo, Hollywood é bonito e fácil de ser assistido, caso se faça vista grossa para muitos dos seus exageros. Tem uma certa dose de curiosidades e outra tanta de atrevimentos, que devem atiçar os mais ousados. Mas é pouco diante de tudo o que promete. O show acaba mesmo sendo dos veteranos – a atuação mais sólida é a do geralmente subestimado McDermott, que oferece um gigolô de bom caráter, ainda que tanto LuPone como Holland Taylor possuam passagens dignas de atenção, ainda mais quanto estão ao lado de Rob Reiner ou Joe Mantello, respectivamente – enquanto que aos jovens poucos tem a oferecer além de uma boa estampa, corpos bem torneados e sorrisos estrelados. O sexo é moderada e qualquer polêmica, se alardeada, quando se chega às vias de fato é mais comedida do que se poderia supor. No final, o conto de fadas se faz presente sem disfarces, e o que sobra é a fantasia, assim como a esperança de que, quem sabe um dia, aquilo tão sonhado mais de meio século atrás, enfim, se torne realidade. Seria bonito, se fosse ao menos provocativo ou contestador. Porém, tal como se vê, é apenas pueril, para não dizer ingênuo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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