Crítica


7

Leitores


1 voto 8

Sinopse

Quatro amigos de longa data se sentem perdidos à medida que a contemporaneidade apresenta um empoderamento feminino. Criados de forma machista, eles querem mudar de comportamento, mas encontram várias dificuldades.

Crítica

Dizem que mulheres, quando se encontram, falam até pelos cotovelos. Mas o que eles conversam entre si? Essa parece ser a inquietação por trás de Homens?, série criada e estrelada por Fábio Porchat. O mais intrigante aqui, além da mera troca de impressões a respeito da identidade masculina no início do século XXI, é a indagação que se manifesta já no título. Afinal, quem são esses que hoje se declaram homens. Seriam os mesmos pais de família de décadas (e séculos) atrás? Ou é um macho mais sensível, que compartilha emoções e divide inseguranças? Talvez nem tanto ao céu, nem mesmo ao inferno. Ele ainda tem se mostrar comedor e insaciável diante dos amigos, mas também não pode fraquejar quando na companhia feminina. E o que acontece quando a maior das suas certezas começa a falhar? De onde surge, portanto, esse novo homem, que não tem mais os antepassados para se espelhar, e ainda não escolheu um novo formato que possa lhe servir de guia? É nessa surpreendente humildade que o programa conquista sua audiência

Pois seria até previsível imaginar conversas proibidas para menores e que fariam a mãe de qualquer um deles morrer de vergonha caso tais assuntos viessem a público – como, de fato, é o que acontece. Não frente ao universo fictício, mas diante dos espectadores do lado de cá da telinha. Na maior parte do tempo, e este é o cerne do seriado, são apenas eles, sozinhos, tendo que lidar com seus problemas, dúvidas, descobertas e avanços, sejam eles válidos ou não. Há muito para discutir, mas após gerações de convicções absolutas, por onde dar esse primeiro passo em busca de explicações e esclarecimentos? Como assumir que “só sei que nada sei”, quando o mundo ao redor espera de você toda e qualquer resposta? Aceitar a própria fraqueza e falibilidade não é uma decisão que pode ser tomada da noite para o dia, mas, antes, um processo do qual ninguém escapa incólume. É uma jornada de transformação. Exatamente pela qual passam os protagonistas, em maior – ou menor – grau.

No centro da trama, estão quatro melhores amigos: Alexandre (Fábio Porchat), Gustavo (Gabriel Godoy), Pedrinho (Raphael Logam) e Pedro (Gabriel Louchard, de Kardec, 2019). Tudo começa a partir de um drama bastante íntimo vivido pelo primeiro: ele brochou. E não há nada que consiga reverter esse quadro. Sua reação imediata é dividir com os companheiros de futebol, jogos de cartas, bebidas e sacanagens. Como dito, são parceiros para o que for necessário, desde que esse signifique festa, alegria e diversão. Num momento de desespero, incerteza e dificuldade, ainda mais em um assunto tão pessoal, se revelam tão úteis quanto uma lhama numa loja de guarda-chuvas (ou algo que o valha). Enfim, os conselhos e sugestões que lhes veem a cabeça se mostram inúteis, por mais promissores que possam parecer num primeiro instante. E é aí que essa masculinidade tóxica e frágil começa a ser desconstruída. Pois serão elas que não só irão encarar o problema que enfrenta de maneira madura, mas também estarão ao seu lado nessa busca por uma solução.

O universo de Alexandre é o melhor desenvolvido, o que não chega a causar espanto, visto que Porchat é quem está por trás desta história. Ainda que não seja um ator dos mais versáteis – algo que buscou com maior ênfase no drama Entre Abelhas (2015) – até pela oportunidade de explorar o personagem ao longo dos oito episódios da temporada ele consegue alcançar nuances e questionamentos que oferecem um novo colorido ao conjunto. Dos relacionamentos que leva com os pais (separados) aos entraves que experimenta na agência de propaganda onde trabalha, há dois em especial que dominam suas atenções. Nm segundo momento, com Dani (Cintia Rosa), a garota que se mostra interessado, mas estraga qualquer tentativa de aproximação, aliado a um sentimento de impotência que o domina. Mas, antes, e talvez ainda mais importante, é na vivência consigo mesmo – vivenciado pela presença do próprio pênis – que alguns dos mais inspirados – e engraçados – diálogos surgem. Esse, encarnado com imenso desprendimento por Rafael Portugal, é a personificação de tudo de bom e de ruim que um homem pode sentir. Da excitação pelas novas descobertas aos medos mais inesperados, ele responde pelo diferencial que termina por validar o conjunto.

Enquanto se desenrola o drama daquele que acredita ter perdido sua virilidade, os demais também tem seus dilemas com os quais lidar. Pedro é cadeirante, e mesmo bem casado – mas talvez por isso mesmo – com a linda Mari (Miá Mello, que foi parceira de Porchat em Meu Passado Me Condena, 2013), começa a duvidar da fidelidade da esposa – e da sua capacidade de satisfazê-la na cama. Pedrinho, por outro lado, vive uma situação cada vez mais em voga nos debates públicos no que diz respeito ao assédio no ambiente de trabalho. Envolvido com uma colega de escritório (a ótima Giselle Itié), passa a ser cortejado pela nova chefe (uma desenvolta Gisele Fróes). O que buscam discutir é óbvio: na inversão dos sexos, as regras seguem válidas? Ou há atenuantes quando os paradigmas passam para lados opostos? E o quanto dessas abordagens, pressões e concordâncias fazem parte do jogo, servindo tanto a um quanto ao outro? Por fim, há Gustavo, o bobo-alegre da turma, cuja maior dúvida é decidir se deve ou não sair da casa da mãe e qual será seu próximo emprego. Entre uma coisa e outra, há sempre uma conquista a ser festejada.

Por mais que nem todos os conflitos sejam encarados com a mesma profundidade, há uma constante nas ligações entre eles que servem para abastecer o interesse mútuo tanto nos seus acertos como também nos deslizes que volta e meia cometem. Além disso, há que se destacar os envolvimentos de Alexandre com as profissionais escolhidas para ajudá-lo: a prostituta Tainá (Lorena Comparato, absolutamente desenvolta) e a psicóloga Sophia (a ex-Frenética Dhu Moraes, certeira em cada colocação). É nelas – ainda mais quando juntas em cena – que as mais profundas convicções do rapaz vão sendo demolidas em nome de uma nova – e contemporânea – visão de mundo. E do próprio homem que ele não apenas quer, mas precisa ser. Homens?, assim, vai além do riso fácil, mostrando-se também matéria de reflexão. E isso, ainda mais quando o foco está na comédia, é tanto um alento como um mérito que precisa ser ressaltado. Estava mais do que na hora, é fato, de se abandonar estereótipos em desuso. Homens e mulheres, uma vez tão distantes, estão mais próximos do que nunca. Os limites, antes tão específicos, agora se confundem. Importante não apenas esse reconhecimento, mas o emprego e a normalização dessa verdade. Pois é do entendimento que vem a aceitação. E dessa, a segurança de ser o que se é. Independente do que os outros possam dizer.

 

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *