Crítica
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Sinopse
Os Estados Unidos testemunham uma caçada aos nazistas nos anos 1970. Buscando justiça, ou mesmo pura vingança, um grupo de pessoas passam a contar com o governo norte-americano para cumprir a sua missão.
Crítica
A ascensão da extrema-direita ao redor do mundo tem aberto espaço, também, para alguns bons desdobramentos no mundo da ficção. Exemplos não faltam, e desde o sucesso de The Man in the High Castle (2015-2019) até o recente The Plot Against America (2020), não são poucos os que se perguntam como a história do último século teria sido diferente caso a influência nazista não tivesse sido reprimida com o final da Segunda Guerra Mundial. Outro seriado que segue também essa linha de questionamento é Hunters, criado pelo novato David Weil – que até então tinha tido apenas uma carreira insípida como ator – e produzida por, entre outros, o vencedor do Oscar Jordan Peele. E a junção dos dois não apenas deu química, como resultou em um programa absolutamente explosivo, voltado a um público adulto (grande parte dos episódios é indicada apenas para maiores de 18 anos) e sem medo de ousar, seja na abordagem do tema, como também no formato escolhido para discorrer sobre tais assuntos. Uma conjunção interessante, que se por vezes chega a dar uma que outra resvalada, em nada prejudica um saldo mais do que positivo na hora do acerto de contas.
Ainda que o nome do veterano Al Pacino – em seu primeiro trabalho em uma série de televisão desde sua estreia em N.Y.P.D. (1968) – seja o de maior destaque em todo o material de divulgação, o protagonista de Hunters é o (não tão jovem assim) Logan Lerman. Mesmo que o ator já tenha quase 30 anos, aqui ele interpreta um adolescente que passa seus dias discutindo o futuro dos personagens de Star Wars ou de histórias em quadrinhos, ao mesmo tempo em que faz alguns bicos como traficante no bairro onde mora, em Nova Iorque. Sua vida, no entanto, muda por completo na noite em que a avó – a única pessoa de sua família que ainda estava viva – é assassinada dentro da própria casa onde os dois moravam. O crime, longe de ser um simples caso de invasão domiciliar, logo revelará desdobramentos até então insuspeitos para o garoto. Afinal, o que ele vem a descobrir é que a aparentemente pacata senhora fazia parte de um grupo de judeus, todos sobreviventes do Holocausto, que agora, unidos em um novo país e décadas após a grande tragédia, haviam se organizado para não apenas caçar, mas também eliminar todo e qualquer oficial nazista ainda em atividade. Ou seja, ela não fora simplesmente morta por um bandido qualquer: fora eliminada por um inimigo muito maior e assustador.
E como os nazistas teriam chegado até os Estados Unidos? Bom, essa teoria não é tão maluca quanto poderia soar num primeiro momento, e possui até fundamento histórico. Há registros reais de uma tal de ‘Operação Clipe de Papel’, levada a cabo pelo governo norte-americano para captar todo técnico – seja cientista, médico, inventor etc – que atuava sob o comando de Adolf Hitler. A ideia era bastante simples: se não forem levados para a América e postos a trabalhar no Ocidente, acabariam sendo cooptados pela União Soviética e se tornariam comunistas. O que fizeram antes, pouco importa. A ser levado em consideração nesse momento, portanto, apenas o que poderiam fazer dali para a frente. Como consequência, estes homens e mulheres não foram julgados, e nem tiveram que pagar por seus crimes – sempre sob a desculpa de que estavam “apenas cumprindo ordens”. Porém, aqueles que sofreram – e muito perderam – nas suas mãos, não esquecem jamais. São justamente estes, portanto, que se tornam ‘caçadores’ (hunters, em tradução direta para o inglês), em busca de uma tão sonhada justiça.
Ou seria melhor dizer, ‘vingança’? Afinal, esta é a grande discussão por trás da maior parte dos atos empreendidos pelos protagonistas da série. O objetivo deles não é prender e julgar aqueles que tanto mal lhes fizeram décadas atrás – toda a ação se passa em meados dos anos 1970. A lei vigente é a do olho por olho, dente por dente. Quando Jonah (Lerman, uma presença convincente, distante da postura pueril dos tempos de Percy Jackson e o Ladrão de Raios, 2010) descobre a verdade sobre as atividades da avó, ele primeiro se revolta, e leva um tempo até decidir fazer parte da mesma iniciativa. Será Meyer Offerman (Pacino, capaz de milagres apenas com o olhar ou a entonação da voz, mas sem deixar de uma já conhecida zona de conforto) o responsável por fazê-lo se unir ao grupo. E se Lonny Flash (Josh Radnor, de How I Met Your Mother, 2005-2015) funciona como alívio cômico e Joe (Louis Ozawa, de Predadores, 2010) e Roxy (Tiffany Boone, de Dezesseis Luas, 2013) parecem terem sido convocados apenas para contribuir com a diversidade étnica do elenco, serão os veteranos Saul Rubinek (Os Imperdoáveis, 1992) e Carol Kane (indicada ao Oscar por A Rua da Esperança, 1975), como o casal Murray e Mindy Markowitz, que responderão pelas passagens de maior emoção e sentimentos conflitantes, principalmente nos episódios 7 e 8, quando precisam pagar uma antiga promessa.
Porém, ainda que o título do programa faça referência ao grupo liderado por Meyer, eles são apenas um dos vértices da narrativa. Afinal, há dois outros núcleos de interesse: os próprios nazistas, é claro, mas também a polícia, representada pela figura da oficial Millie Morris (Jerrika Hinton, de Grey’s Anatomy, 2012-2017). Enquanto vilões disfarçados e antigas vítimas seguem no embate de uns contra os outros, é preciso reconhecer que, em última instância, nenhum dos lados possui a razão. E quem tenta promover um pouco de ordem neste imbróglio é esta mulher, que ainda por cima é negra e, como se não bastasse, também lésbica. São três minorias numa só personagem – o que pode soar um tanto excessivo. Ela começa a desconfiar quando percebe a conexão entre as mortes. Logo, se dá conta da guerra que está sendo travada às escondidas. Mas em quem confiar? E até que ponto ela própria não passará a representar uma ameaça para os dois lados da questão? Prender todos, ser ameaçada por ambos, proteger a quem? Essa dinâmica tríplice é muito bem conduzida pelos roteiristas, pois não se sabe quem tem a razão – a única certeza, no entanto, é que estão todos errados: em diferentes níveis, é claro, mas, ainda assim, equivocados.
Por outro lado, uma reflexão mais atenta identificará o quão descartável é justamente a figura mais importante em cena: Jonah. É com ele que tudo começa, e será através dele que uma identificação será forçada com a audiência. No entanto, todos os acontecimentos seguiriam ocorrendo sem o seu envolvimento. Ele é praticamente uma peça de marketing – é sabido que os ávidos consumidores audiovisuais de Hollywood tendem a ser de faixa etárias mais jovens – e possui uma função muito clara a representar. Esse não é um problema dele – como dito antes, o ator apresenta uma boa performance – mas do conjunto. Até porque outros elementos que buscam a mesma conexão, como as alusões à musicais ou thrillers de ação, ainda que despertem uma curiosidade inicial, mais provocam ruídos do que colaboram com o andar da ação.
Somente pela presença de Al Pacino, Hunters já se torna um ‘must watch’, ou seja, uma escolha obrigatória para qualquer cinéfilo mais antenado. Mas há mais, desde o argumento envolvente, a coragem em assumir posições mais controversas – a sequência de abertura é de deixar qualquer um de queixo caído – e outros bons nomes envolvidos (que bom ver Lena Olin novamente em um papel de destaque). Com uma estrutura de eventos bem construída, tem seu ápice no nono capítulo, deixando para o décimo e derradeiro segmento a função de apenas fechar as portas deixadas abertas pelo caminho. Isso não evita, no entanto, que uma reviravolta desnecessária seja empregada, assim como que as pistas para uma nova temporada sejam levantadas de maneira um tanto desajeitada. Tudo perdoado diante da última cena, que mostra que o perigo pode ser muito maior do que o enfrentado até aquele momento. Incitando o debate, sem entregar respostas fáceis, mas, ainda assim, dinâmica o suficiente para capturar a atenção do espectador por mais de dez horas, essa é uma série que não apenas diz a que veio, mas como também parece disposta a provocar ainda mais nos próximos anos.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 8 |
Adriana Androvandi | 6 |
Edu Fernandes | 6 |
MÉDIA | 6.7 |