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Sinopse

Sydney é uma adolescente que enfrenta turbulências típicas dessa fase da vida, como problemas de relacionamento com a família, o dia-a-dia no ensino médio e sua sexualidade em desenvolvimento. Tudo seria mais fácil se uma série de superpoderes misteriosos também não estivessem despertando dentro dela.

Crítica

Muito se fala sobre o tal “algoritmo da Netflix”. Ou seja, além de plataforma de streaming, com distribuição de conteúdo audiovisual sob demanda, a gigante é também produtora de grande parte dessas obras. E como o seu valor enquanto empresa depende muito do que o seu público – ou seja, seu cliente – procura, é compreensível que haja uma preocupação latente em oferecer filmes e séries em sintonia com essa demanda. Ao observarem quais são os títulos mais acessados, o tipo de espectador – faixa etária, classe social, distribuição geográfica – que busca cada produto oferecido e quais repercutem mais nas redes sociais, por exemplo, fica fácil avaliar quais são seus maiores sucessos e quais apostas possuem mais chances de vingarem. Dito tudo isso, é bem provável que I Am Not Okay With This desperte o interesse de uma audiência fiel, inclusive com a confirmação de futuras temporadas. Afinal, aqui parece reunir todos os elementos que fãs de outros fenômenos da companhia, como Stranger Things (2016-) e Atypical (2017-), costumam consumir, embalados num formato de fácil e imediato consumo. Ou seja, é tão adequado quanto artificial.

Baseado nas histórias em quadrinhos de Charles Forsman, mesmo autor das hqs que inspiraram outra série da Netflix, The End of the F***ing World (2017-), I Am Not Okay With This foi criada e dirigida por Jonathan Entwistle – não por acaso, realizador também de... The End of the F***ing World! O ambiente das duas histórias, por sinal, é o mesmo: adolescentes e suas agruras em tempos de colégio. Mas se no outro programa duas figuras desconectadas da sociedade que as circunda tentam encontrar formas de estabelecer laços mais duradouros, dessa vez a motivação que os une é mais, digamos... especial. Isso porque Sydney Novak, a protagonista, apesar de também se sentir uma excluída na escola que frequenta – ou mesmo na casa onde mora ao lado da mãe e do irmão caçula – o que a desperta desse marasmo existencial é a descoberta de superpoderes. Exatamente isso. Ela percebe, num acesso de fúria, que consegue explodir lâmpadas ou mover coisas. E assim, sua jornada começa.

Vivida por Sophia Lillis, que já havia interpretado uma personagem confusa em It: A Coisa (2017) – e sua sequência, It: Capítulo 2 (2019) – ela conta com outro jovem talento vindo da citada dupla de filmes inspirados no livro de Stephen King como um dos principais colegas de elenco: Wyatt Oleff. E se ela segue mergulhada em debates internos e questões existenciais, ele é quem mais se distancia da personificação anterior. Antes, surgia como um garoto rígido e disciplinado. Agora, é uma figura libertária, de estilo próprio e que naturalmente se diferencia dos demais. É por isso que Sydney acaba despertando sua atenção. Além de serem vizinhos, os dois possuem almas semelhantes, gostam de coisas diferentes e são mais profundos do que o resto dos alunos de mesma idade. É interessante acompanhá-lo como alguém que não apenas entende o que está se passando com a garota, mas que também poderá ajudá-la a aprender a lidar com sua nova condição. Há entre eles atração física – muito mais da parte dele, isso logo fica claro – mas, mais do que isso, há um verdadeiro sentimento de amizade se consolidando, formando uma parceria que tem tudo para ser duradoura.

Mas ele não é o único na vida da protagonista. Sua melhor amiga é Dina (Sofia Bryant, de The Good Wife, 2016), uma moça mais desenvolvida – seu corpo e suas ideias – e mais atenta. Recém-chegada na escola, não tem problemas em se enturmar. Mas será na menina que senta no fundo da sala que encontrará uma companheira de verdade. A diferença entre elas, no entanto, é que o que Sydney sente é mais do que amizade. Isso fica evidente desde o momento em que Dina anuncia estar namorando o capitão do time de futebol (Brad Lewis, de Veronica Mars: A Jovem Espiã, 2019). Uma conta a novidade exultando de felicidade. A outra, escuta com um misto de inveja, ciúmes e decepção. Mas há mais se passando pela cabeça de Sydney. E sua maior preocupação – e mais recorrente – é a morte do pai e a relação distante que mantém com a mãe (Kathleen Rose Perkins, de Garota Exemplar, 2014). O que levou o homem a se suicidar? Por quê ele passava tanto tempo trancado no porão? Como a mãe não percebe todo o drama que a filha está passando e por quê a sobrecarrega cada vez mais com novas responsabilidades? E será que os dois entenderiam a nova condição da garota?

Tudo isso vai sendo desenvolvido em apenas sete episódios, o mais longo com 28 minutos e o menor com apenas 19. A série inteira tem pouco mais de duas horas de duração – o tempo de um longa-metragem, por exemplo. I Am Not Okay With This é literal em seu título – Sydney não está nada bem com tudo o que está acontecendo com ela. Mas, apesar de se sentir cada vez mais excluída, muitos estão ao seu lado. Cada um a seu modo – a mãe, Dina, Liam, o irmão, e mesmo Stanley, o amigo – irá colaborar e dar-lhe forças para enfrentar o novo mundo de possibilidades que se abre diante de si. Porém, como outro super-herói já muito bem ensinou, “grandes poderes implicam em grandes responsabilidades”. Há um preço a ser pago. E duas ameaças parecem estar no seu caminho. A primeira, e mais óbvia, está na cena que abre o primeiro episódio, em que aparece caminhando sozinha, à noite, completamente encharcada de sangue – a referência à Carrie: A Estranha (1976) é instantânea. A outra, que começa a se manifestar gradualmente, é o fato dela, literalmente, não estar sozinha: há alguém a seguindo, e esta identidade é o grande gancho para uma eventual – e bastante provável – segunda temporada.

Voltando ao ponto inicial desse texto, I Am Not Okay With This fala de adolescentes, de superpoderes, de conspirações secretas, de juventude LGBT, de famílias disfuncionais e de dramas românticos. Ou seja, nada diferente do que você poderá encontrar em diversas outras opções tão em voga recentemente. A impressão, no entanto, é que tudo foi reunido num mesmo liquidificador, e o resultado é um milk shake que pode ser tomado em um só gole, sem engasgar na garganta, mas também sem criar grandes recordações – é refrescante, porém seu efeito não é duradouro. Sophia Lillis se mostra à altura do que lhe é exigido, mas é Wyatt Oleff a verdadeira revelação, e se alguém aqui mergulhar esperando um novo X-Men, perceberá que as manifestações extraordinárias são bastante tímidas – ao menos até o último episódio. E se no final fica latente um gostinho de quero mais, é bom não se enganar: é justamente isso que os produtores buscavam. Afinal, este é um programa que já nasceu com seu público definido, e diante de intenções tão declaradas, ninguém poderá acusá-lo de entregar gato por lebre: o que se compra é exatamente o que está sendo vendido.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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