Crítica


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Sinopse

Issa e Lawrence não são mais um casal. Ela precisa aprender a levar a vida sem ele, ao mesmo tempo em que se envolve em novos relacionamentos. Enquanto isso, Molly decide ir a uma psicóloga que a ajude a fazer melhores escolhas no trabalho e também no âmbito pessoal.

Crítica

Issa (Dee, a personagem, e Rae, a atriz e roteirista) está de volta. E assim como no ano anterior, não está sozinha – apesar de mais solitária do que nunca. No final da primeira temporada de Insecure, a protagonista e o namorado de cinco anos terminavam a relação quando ele descobria que ela havia lhe traído. Nem fora um caso ou algo mais significativo – apenas uma noite que passara com Daniel (Y’lan Noel), um flerte da juventude com quem havia se reencontrado dias antes. Nem o arrependimento dela, ou a história que estavam construindo juntos, parece ter sido suficiente para evitar o afastamento de Lawrence (Jay Ellis), que decide sair de casa, deixando-a apesar dos pedidos de perdão. Nesta segunda leva de episódios, Issa precisa lidar com essa condição com a qual há muito estava desacostumada. Será um período de passagem, de dores e descobertas, mas que, imagina-se, a levará até um ponto distante do qual se encontrava. E estar ao lado dela durante esse trajeto é o maior mérito do programa.

Como toda temporada intermediária – não tem a ingrata tarefa de abrir os trabalhos, nem a responsabilidade de oferecer um desfecho à altura das expectativas – o ano dois de Insecure acerta ao voltar suas atenções para a relação absolutamente especial entre as melhores amigas Issa e Molly (Yvonne Orji), ao mesmo tempo em que desperdiça grande parte do seu tempo observando com maior cuidado as idas e vindas de Lawrence. Personagem absolutamente periférico no ano um, agora ele adquire status de protagonista, e isso, infelizmente não lhe fez bem algum. Lawrence vai do namoro desajeitado com uma caixa de banco (DomiNque Perry) ao flerte ocasional com uma colega de trabalho (Jasmine Kaur), e com nenhuma consegue estabelecer algo duradouro, graças a evidente atração que ainda possui em relação à Issa. No entanto, também resiste em voltar para ela, emitindo sinais cada vez mais fortes de que a história dos dois chegou, definitivamente, ao fim. Mas seria isso mesmo?

Molly, por outro lado, adquire linhas narrativas próprias – inclusive, chegando quase a ter um episódio inteiro para chamar de seu (Hella Shook, E05, quando descobre segredos antigos relacionados ao casamento do pais). Isso, ao contrário do que se verifica com Lawrence, faz um bem imenso ao desenvolvimento dela. Molly se torna mais atraente, independente, viva. Desde o primeiro capítulo dessa temporada, quando passa a frequentar uma psicóloga, até o desfecho desse ano, quando se mostra mais envolvida com Dro (Sarunas J. Jackson) – o melhor amigo de infância que está em um relacionamento aberto com a esposa – é possível identificar nela uma construção mais interessante, permeada por uma segurança que vai do financeiro ao amoroso. Trata-se de uma mulher poderosa, dona do próprio nariz, que sabe o que quer e como consegui-lo. É exatamente o exemplo que Issa tanto precisa, mas que, mesmo o tendo tão por perto, parece ser incapaz de identificá-lo.

Assim, tanto Lawrence quanto Molly servem como dois extremos da vida da protagonista – o primeiro é o que precisa ser deixado para trás, por mais doloroso que esse processo possa ser, enquanto que a segunda está onde ela deve se direcionar, ainda que sofra em reconhecer como fato essa verdade que não conseguirá seguir evitando por muito tempo. Issa atravessa um momento confuso no trabalho, decidindo deliberadamente ignorar comportamentos preconceituosos em nome de uma satisfação pontual no final da jornada – nisso, a dinâmica que estabelece com a colega Frieda (Lisa Joyce) acaba sendo determinante – ao mesmo tempo em que permanece estagnada também no campo amoroso (ou meramente sexual, como muitas vezes faz questão de repetir). Sua imaturidade atinge novos níveis em dois momentos pontuais: ao sair com um homem mais velho, latino e de origens evidentemente distintas da dela (Diego Serrano), que por uma simples postura diferenciada acaba sendo dispensado, e também com Daniel, chegando a uma inconstância de sentimentos que serve para destacar sua falta de foco.

Essa questão é importante também para levantar outro ponto de discussão a respeito de Insecure: ao mesmo tempo em que a abordagem do sexo entre os personagens é bastante franca e direta, eles também não se eximem de revelar uma visão moralista sobre estes comportamentos. Veja o episódio sobre o sexo oral, quando as quatro amigas – Issa, Molly, Kelli (Natasha Rothwell) e Tiffany (Amanda Seales) – discutem diferentes pontos de vista sobre como as mulheres (negras, principalmente) devem se portar frente a essa prática. Umas são contra, outras a favor, mas a maioria está num meio termo, como diz Molly (“se fazem em mim, até procuro dar um retorno à altura, mas nunca será algo que tomarei a iniciativa”). Essa conversa é suficiente para motivar Issa a se comportar diferente com Daniel, com quem está saindo. Mas quando as coisas fogem um pouco do controle – ele acaba gozando na cara dela – aquilo não é visto como um descuido, mas como um desrespeito, uma ofensa, quase uma agressão. Neste mesmo ambiente de debate, Molly se mostra profundamente ofendida ao descobrir que o pai foi infiel à mãe muitos anos atrás – a ponto de abandonar a festa dos dois. No entanto, acaba sendo consolada por Dro – que, por sua vez, é casado, o que faz dela “a outra” nessa relação.

Encerrando essa segunda leva de episódios com um capítulo primoroso – Hella Perspective (E08), aquele que poderíamos chamar de ‘momento Rashomon (1950) de Insecure – a série se mantém em alta, alinhando as apostas em relação ao terceiro ano. Issa finalmente cai em si e decide abrir mão de tudo ao seu redor, como se os objetos estivessem lhe impedindo de avançar e progredir. A história com Lawrence, uma montanha-russa que não conseguiu deixar de lado seu gosto amargo, parece ter atingido seu ponto final, enquanto que a amizade com Molly aparenta estar mais fortalecida do que nunca. Mulheres empoderadas, negritude em debate e independência física e emocional: o espectro de assuntos abordados segue amplo e pertinente. A condução de tais temas, da mesma forma, continua nos trilhos. E se por momentos ameaçava permitir que a confusão dos personagens abalasse o andar dos acontecimentos, a coragem demonstrada nesse desfecho é suficiente para apontar para novos e excitantes caminhos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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