Crítica


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Sinopse

Nova York, Estados Unidos. Darby é uma jovem que sempre sonhou em ser amada. Ela passou por vários relacionamentos ao longo da vida, sempre esperando aquele que será o grande diferencial, mas sempre algo acontecia que impedia que fosse adiante. Paralelamente, sua ascensão profissional e a própria maturidade passaram a influenciar o modo como via o mundo à sua volta.

Crítica

À primeira vista, Love Life é uma comédia romântica como tantas outras já produzidas, seja nas séries ou mesmo no cinema. Tem como protagonista Anna Kendrick, arquétipo da protagonista habitual do gênero, e como proposta narrativa acompanhar os vários relacionamentos que passam por sua vida até encontrar aquele que faz tudo mudar, como num passe de mágica. O início do primeiro episódio reafirma o pré-conceito, a partir de um punhado de estatísticas amorosas ditas em narração em off, sempre de forma bem-humorada, de forma a embutir a leveza necessária.

Não é bem assim. Ou quase.

É verdade que os três primeiros episódios são bastante formulaicos, como estrutura narrativa vista de forma mais ampla: Darby conhece alguém, se apaixona, eles vivem em conto de fadas por algum tempo e algo dá errado, jogando-a ao relacionamento seguinte. Entretanto, mesmo neles há pistas de que há algo estranho nesta suposta fórmula engessada. Não é sempre que se vê uma mulher falando "posso decidir quem quero foder e quem amo", por exemplo. Ou mesmo que o chefe é "comível", sem passar nem de longe pelo desbocado habitual das personagens estreladas por Rebel Wilson, além de assumir que a posição de chefia/subordinada era bastante excitante. Darby Hoffman, personagem de Anna Kendrick, é uma mulher com sonhos, desejos, aspirações e desilusões. E o sexo faz parte deste quarteto.

Sob certas convenções, é claro. Por mais que sua protagonista seja uma personagem não apenas sexualmente ativa e decidida, dando-lhe um ar de contemporaneidade que tão bem combina com a pulsão moderna decorrente de Nova York, há também uma construção de personalidade e mesmo de seu entorno de forma a manter um ambiente tradicional e confortável, tanto pelo convívio quanto pelo lado estético - não por acaso, reinam as cores leves e a luminosidade, onde quer que ela vá. Na essência, Darby é uma personagem como tantas interpretadas por Sandra Bullock ou Meg Ryan, tempos atrás, com o acréscimo que tem em si inserida o lado sexual. Ele nem é o mais importante, mas é um dos fatores levados em conta no decorrer da vida, como em qualquer pessoa sexuada existente na face da Terra. Pode até parecer um mero "detalhe", mas ao olhar em perspectiva o histórico das comédias românticas percebe-se que esta é uma daqueles que permitem que não apenas uma história, mas também todo um gênero, evoluam. Simples assim.

Nem só de sexo vive Love Life, é claro! Na verdade, note que seu preâmbulo fala em relacionamentos, não necessariamente amorosos - isto será explorado mais a frente. Ao analisar a série de forma macro, pela temporada como um todo, percebe-se que o tema central na verdade é o quanto o amadurecimento molda a forma como se vê o par de momento, a partir da sua própria expectativa de vida. Ou seja, se os primeiros episódios são formulaicos é porque os primeiros rompantes são mais ingênuos e ansiosos, nesta busca da juventude em resolver tudo o mais rápido possível. No decorrer dos anos, e dos episódios, pode-se notar o quanto a experiência muda o modo de agir, por vezes de forma até imperceptível. Cada etapa da vida deixa marcas, positivas e negativas, e Love Life sabe tão bem trabalhar esta questão sem colocá-la sob holofote. A vida é assim, ponto.

Dramaturgicamente, há no quarto episódio a bem-vinda ruptura da estrutura formulaica existente até então, que provoca o decisivo salto progressivo visto em Darby. Ainda assim, tais consequências não são perceptíveis de imediato. A série cresce à medida que seus episódios finais se aproximam, justamente pela fluidez e naturalidade da conscientização proposta.

Há ainda um ponto bem interessante - e positivo - em Love Life: a preocupação acerca da diversidade. Com um elenco onde transitam brancos, negros e asiáticos de forma livre, leve e plena, a série nas entrelinhas ressalta uma pluralidade que, de novo, tão bem combina com uma cidade cosmopolita como é Nova York. Soma-se a isso o punhado de citações à cultura pop que emergem aqui e ali, de séries como Mad Men (2007 - 2015) e The OC (2003 - 2007) a filmes do porte de O Grande Lebowski (1998) e Escrito nas Estrelas (2001), ajudando também a situar o momento de vida de sua personagem principal. São pequenos detalhes que fazem muita diferença na arte que é contar uma história.

Coesa e bem agradável, Love Life é uma série que cresce no decorrer de seus episódios, seja pelas mudanças em torno de sua personagem principal ou mesmo pelas surpresas narrativas que entrega, ainda mais diante de um início tão engessado. É verdade também que há um certo desleixo com alguns coadjuvantes, abandonados episódios a fio para retornar quando for conveniente à protagonista, ou mesmo com certas lacunas incômodas, um tanto quanto artificiais. Mas são detalhes, que devem ser considerados sem desmerecer o todo: uma comédia romântica divertida e antenada com este mundo pré-pandemia da segunda década do século XXI, conduzida com competência e graça por uma Anna Kendrick que, se ainda não teve em mãos um papel realmente desafiador, ao menos dá um passo além em relação às personagens que interpretou até então.

Série vista em Portugal, em junho de 2020.

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Jornalista e crítico de cinema. Fundador e editor-chefe do AdoroCinema por 19 anos, integrante da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCRJ (Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro), autor de textos nos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros", "Documentário Brasileiro - 100 Filmes Essenciais", "Animação Brasileira - 100 Filmes Essenciais" e "Curta Brasileiro - 100 Filmes Essenciais". Situado em Lisboa, é editor em Portugal do Papo de Cinema.
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