Crítica


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Sinopse

Tentando se adaptar o mais rápido possível à nova cidade e à Creekwood High School, Victor enfrenta dificuldades no processo de compreensão da própria sexualidade. Ele encontra na história de Simon uma forma de ajuda.

Crítica

Misto de sequência com spin-off (ou seja, tanto oferece continuação, como também segue personagens diferentes, porém oriundos de um mesmo universo ficcional), a série Love, Victor é um desdobramento do longa Com Amor, Simon (2018), que por sua vez foi baseado no romance Simon vs a Agenda Homo-Sapiens, de Becky Albertalli. Os três – seriado, filme, livro – são obras voltadas ao público adolescente, e tratam da descoberta do amor LGBTQIA+ entre jovens. Se na primeira temporada a ligação entre o programa de televisão e a adaptação para o cinema era mais forte, com o protagonista de um constantemente se dirigindo ao do outro, através de cartas, e-mails, mensagens e até mesmo em uma visita pontual, essa relação foi se dissipando ao longo dos capítulos e das levas seguintes de episódios, a ponto de quase inexistir neste terceiro ano. Esse desligamento se reflete também na proposta original da trama, a ponto de que, dessa vez, se encarregar apenas em desfazer os nós dados por eles mesmos pouco tempo antes, como se não houvesse mais nada a ser dito além de um viés circular e de auto-referências. Começou bem, é inegável, mas é preciso saber a hora de parar. O que, de fato, acabou acontecendo.

Para quem está chegando somente agora, uma rápida contextualização. Simon (Nick Robinson) era um garoto que se descobria gay durante os últimos meses do colegial e, antes de partir para a faculdade, começa a se corresponder em segredo com um outro rapaz da mesma escola. A ligação entre os dois vai ficando cada vez mais forte, até que se declaram e, ao revelarem suas identidades, dão início a um namoro. Esse processo se tornou público ao final, e todos os colegas o acompanharam até o desfecho em uma roda-gigante. Victor (Michael Cimino, de Annabelle 3, 2019), por sua vez, é filho de uma família de imigrantes latinos que se muda para a mesma cidade e acaba matriculado em Creekwood, a escola que uma vez foi frequentada por Simon. Sabendo do que ocorreu com o veterano um ano antes, e percebendo que está enfrentando iguais sentimentos, busca aquele que se tornou uma lenda local em busca de conselhos. Victor acaba engatando namoro com uma de suas colegas, Mia (Rachel Hilson, de This Is Us, 2019-2022), mas está de olho mesmo é no barista – e seu sênior no colégio – Benji (George Sear, de Alex Rider, 2020). Como sair de uma situação e assumir a outra ocupa grande parte do ano de estreia.

Já na segunda temporada, Love, Victor não só abre espaço para os coadjuvantes, como também se aprofunda na relação entre o personagem-título e o novo namorado. Os pais (tanto de Victor, como também de Mia e dos “melhores amigos” de cada um deles, Felix, vivido pelo carismático Anthony Turpel, e Lake, defendida pela simpática Bebe Wood) passam a responder por suas próprias tramas, envolvendo separações, recomeços, uma inesperada gravidez, ter que lidar com uma depressão profunda e até a busca por refazer laços afetivos e familiares. Estes, porém, com exceção dos desdobramentos envolvendo Isabel (Ana Ortiz, de Ugly Betty, 2006-2010) e Armando Salazar (James Martinez, de One Day At a Time, 2017-2019) – afinal, é a família do protagonista – terminam por apresentar complicações e acertos que levam apenas a reajustes a serem feitos nas vidas dos filhos e como o impacto dessas mudanças irá afetá-los. É como se existissem apenas para incrementar as histórias dos descendentes, sem muita profundidade na qual o enredo possa se aventurar.

Caberá à Victor e Benji, portanto, o centro das atenções. Se num primeiro momento não bastava apenas que o um ‘saísse do armário’ e envergasse sua real condição frente à família e aos amigos, havia também a questão do outro já estar em um relacionamento, o que o levou a ter que escolher entre o antigo parceiro e o recém-chegado. Uma vez juntos, novos problemas irão se acumular. Primeiro, a orientação sexual de Victor não é tão bem aceita em casa, e ele terá que enfrentar a reação contrária da mãe, que não saberá como lidar com ele e, principalmente, com o namorado desse. Depois, é Benji que tem um segredo a revelar: um passado envolvendo consumo exagerado de álcool, uma clínica de recuperação e um vício que volta e meia reaparece para assombrá-lo. Por fim, entre tantas declarações e afastamentos, é Victor que se verá, agora, no papel que um dia foi de Simon: um dos melhores amigos da irmã dele, o mais jovem Rahim (Anthony Keyvan, de Generation, 2021), irá procurá-lo em busca dos mesmos conselhos que um dia ele também se viu necessitado. A proximidade entre eles, no entanto, rapidamente passará da amizade para uma indisfarçada atração. O que fazer quando o coração diz algo, mas os instintos apontam numa direção diferente?

A questão deste terceiro ano do programa criado por Isaac Aptaker e Elizabeth Berger (ambos roteiristas do longa original) é que tudo o que haviam a narrar, ainda mais pelo escopo limitado da proposta – ou seja, é sobre alguém que está se identificando e, principalmente, se aceitando enquanto homossexual – já havia sido dito nos dois primeiros anos da série. A partir dessa terceira temporada o que se vê é um desvirtuamento do argumento, algo que acaba se afastando do prometido e, por isso mesmo, gerando frustrações múltiplas, tanto por pela falta de reconhecimento, como também pela ausência de familiaridade. Para piorar a situação, Cimino é um ator nitidamente limitado, bonito de se ver, mas escasso em seu potencial dramático. Os rompimentos e retomadas entre ele e Benji não são críveis, assim como é difícil reconhecer para qual lado está seu coração, se pelo namorado ou seguir adiante (a facilidade com que parte para novos flertes, providenciados por um texto que não sabe muito bem para qual caminho se dirigir, dificulta ainda mais essa percepção).

Sem muito o que ser dito até mesmo a respeito de outros personagens, Love, Victor chegou ao fim, se não na hora certa, talvez até uma temporada além do desejado. O envolvimento entre Lake e Lucy (Ava Capri) é tão gratuito que parece ser inserido apenas para atender a uma suposta diversidade; Andrew (Mason Gooding, filho do oscarizado Cuba Gooding Jr) é o galã que começa como antagonista, aos poucos vai se transformando e, apesar do potencial anunciado, acaba sendo subaproveitado; e as declarações entre Pilar (Isabella Ferreira, de Crush, 2022) e Felix, por mais que tenham alguma torcida, também se veem descartadas sem maiores reviravoltas. Apenas três possibilidades que poderiam ter rendido mais, mas que acabaram reféns da falta de rumo entre Victor e seus amores, sejam eles quais forem. Faltou objetividade, direcionamento e, acima de tudo, propriedade para se falar da identidade gay, que pode ser similar àquela há muito conhecida entre jovens heterossexuais, mas possui suas particularidades, essas que aqui nem de perto chegaram a ser tangenciadas.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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