Crítica


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Sinopse

Depois de ser sumariamente demitida da turnê europeia de Shy Baldwin, Midge volta para casa e precisa lidar com as consequências desse revés. Enquanto trabalha num clube de striptease, ela vai aos poucos se encontrando.

Crítica

Depois de vencer os principais prêmios da televisão norte-americana, de ser celebrada por boa parte da crítica como uma das grandes séries da atualidade, Maravilhosa Sra. Maisel sofreu um pouco na terceira temporada diante da necessidade de oferecer novidades e ainda contemplar os fãs. A turnê da protagonista a tirou de cenários comuns, impondo outros contextos também aos coadjuvantes, enfim, ditando algo realmente diferente. O resultado foi parcialmente bem-sucedido. Uma ligeira queda que poderia insinuar esgotamento, quem sabe? Felizmente, a quarta temporada recoloca as coisas nos eixos. Se, no geral, não é tão brilhante quanto os primeiros dois anos, esse novo apresenta alguns dos mais memoráveis momentos da série toda. De saída podemos destacar dois. No primeiro episódio, ao voltar envergonhada depois de ser demitida da turnê de Shy Baldwin (LeRoy McClain) por terceiros, Midge (Rachel Brosnahan) tem uma impagável conversa em família enquanto todos andam numa roda gigante. A soma de diálogos afiados com uma dinâmica narrativa muito bem desenvolvida é realmente um ponto alto dessa leva de aventuras da protagonista do seriado. O outro instante brilhante acontece no último episódio, na sequência que começa com Lenny (Luke Kirby) encontrando Midge nos bastidores e logo a conduzindo para fora de um pandemônio até o quarto de hotel.

A campanha eleitoral dos anos 1960 entre o democrata John F. Kennedy e o republicano Richard Nixon faz parte do pano de fundo da quarta temporada. Não ganha tanta importância, na verdade, tampouco os roteiristas enfatizam o acirramento político da época. Mesmo assim, é interessante quando alguma menção a ela surge pontualmente. Numa dessas vezes, Midge faz um pequeno show para o comitê das apoiadoras de Kennedy, ou seja, à ala menos conservadora do espectro político norte-americano. Mesmo que esteja diante de pessoas com inclinações progressistas, a protagonista é recomendada a não falar palavrões e evitar assuntos controversos. Pode-se dizer que há uma crítica embutida no fato de que até mesmo as mais liberais entre as esposas estadunidenses possam se escandalizar por conta do relato da Sra. Maisel sobre uma aventura sexual com um homem que, depois veio a se saber, era casado. Seguindo uma das tônicas dominantes dos anos anteriores, na quarta temporada de Maravilhosa Sra. Maisel temos uma protagonista que vai abrindo espaço num mundo ainda bastante demarcado pela subjugação feminina. Criada no conforto de uma classe média distante da efervescência das lutas sociais, Midge vai adquirindo naturalmente uma percepção sobre esse desequilíbrio ditado por uma suposta prevalência masculina sobre o feminino. Isso continua sendo essencial.

Ainda dentro desse feminismo defendido por Midge, o dado mais interessante da quarta temporada de Maravilhosa Sra. Maisel está na forma como ela batalha incansavelmente para dignificar o teatro de striptease considerado de quinta categoria. Primeiro, Midge briga para as artistas que se apresentam terem privacidade e melhores condições de trabalho. Segundo, ela enfrenta o preconceito da própria família, por exemplo, fazendo questão de colocar sua posição profissional em pé de igualdade com o trabalho de casamenteira da mãe. E, terceiro, ao permitir que, com seus atos e posturas, a vulgaridade seja substituída pela suntuosidade (sem com isso prejudicar o erotismo). Há uma distância brutal entre os números improvisados numa espelunca caindo aos pedaços do começo e o espetáculo burlesco de altíssima qualidade que vemos no episódio final da penúltima temporada da série. Já o discurso emocionado da protagonista afetada pela doença do ex-sogro, ao mesmo tempo, carrega a melancolia por compreender a importância minimizada da mulher na sociedade e coroa esse processo de transformação pelo qual o lugar acaba passando. Aliás, há outras sequências emocionalmente muito bonitas nessa temporada, como quando Abe (Tony Shalhoub) lê o obituário que escreveu para o amigo que esperava encontrar morto. Essa humanidade rompe a casca da excentricidade.

A quarta temporada de Maravilhosa Sra. Maisel reafirma os coadjuvantes como mais do que meros satélites gravitando em torno da protagonista. Aos poucos, Susie (Alex Borstein) encontra um caminho próprio, não enxergando Midge como a única tábua de salvação da mediocridade; Rose (Marin Hinkle) precisa lutar contra a máfia das casamenteiras de Nova Iorque – numa das subtramas mais engraçadas e inusitadas dessa leva de episódios; Abe definitivamente se torna um apaixonado que defende com unhas e dentes a dignidade de sua posição de jornalista (crítico); e Joel (Michael Zegen) parece prestes a tomar decisões que definitivamente o tirarão de uma órbita paterna/materna. Por falar no Sr. Maisel, o pavor que ele tem de apresentar sua nova namorada, Mei (Stephanie Hsu), para os pais é uma demonstração do quão reticentes podem ser determinadas comunidades diante do cruzamento de culturas, raças e afins. Por fim, especificamente quanto a Midge, ela ganha um terreno fértil para finalmente se emancipar: não está tão dependente de Susie; consegue dialogar com seus pais (mesmo que ainda precise negociar diversas coisas); se depara de modo maduro com as consequências de seus atos e hesitações; e, o que é mais importante, ainda deixa à mostra as fragilidades que desmentem a perfeição dos vestidos impecavelmente costurados e desfilados como uma linda segunda pele.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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